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A FEIRA…

por Francisco Galego, em 10.08.14

 

 

                Em tom enérgico, duro e autoritário – hábito que lhe ficou dos seus tempos de militar – ordena-me o director desta folheca que escreva uma crónica sobre a feira, para ser publicada neste número.

                Aqui têm os leitores um caso difícil de resolver!...

                A feira… A feira…

                Mas valerá a pena gastar tempo e tinta em referências ou descrições da nossa feira?... Não sabemos todos nós que a feira da nossa terra o é apenas no nome? Porventura alguém ignora que a feira é apenas o pretexto para dois dias de folga aos trabalhadores e operários, pretexto para se estrear um vestido da última moda, pretexto para se estrear uma andaina à papo-seco, daquelas que torna os descendentes de Adão uns amorzinhos de elegância e de chiquismo?...

                Noutros tempos – tempos que já lá vão! – sim, que era entusiasmo, animação!... A miudagem, a petizada, lá andava de bolsinha de retalhos de chita que as mães lhes faziam num bocadinho de vagar, na colheita dos cinco réizinhos, entre a parentela e amigos da família. Depois, muito contentes, dispersavam o capital amealhado na compra de uma bola, chichis, apitos, cornetas e, por último, no tradicional capilé de cavalinho, mistura de água e açúcar que, não obstante a sua cor suja e o seu aspecto nojento, bebiam sem repugnância, antes com mostras de prazer, por um canudo de lata ferrugenta, encimado por um galaroz ou cavalinho, donde lhe vinha o nome.

                Era então a feira na Praça Nova[1]. Lá estava a barraca das vistas e dos fenómenos, com a sua mulher liliputiana, o seu macaco provocador, o seu órgão de manivela a buzinar-nos ouvidos com a estafada valsa do Fausto. E os choques eléctricos a provocarem jeitinhos de susto no mulherio que lá entrava. E ia-se ao circo, onde os artistas expunham as suas plásticas correctas, em trabalhos de acrobacia e de ginástica e onde aparecia sempre uma galante vedeta a deliciar-nos com a canção do Chocalhinho (nessa altura não existia ainda a canção das Rosas…) e a excitar paixões amorosas nos leões do burgo – enquanto a fanfarra, à porta da barraca, atroava os ares com uma marcha de guerra, na estridência dos cornetins e dos trombones.

                E lá estava a barraca do Toma Joaquina, a anunciar à bordoada numa lata de petróleo vazia, a arrematação de qualquer lote de louça de Sacavém. E as barracas de quinquilharias e bugigangas, enlevo dos petizes. E as do ouro, tentação das camponesas. E as torrão branco de Alicante e das gemas, fabricadas pelo Barragon, pelos Valadas e pelo Salsinha, que faziam as delícias dos lambareiros. E as das rifas, onde os olhos se esgazeavam para o número premiado. E os lugares dos pucarinhos e bilhas de Estremoz e da louça do Redondo, dos artigos do Algarve, dos objectos de verga, das madeiras da Serra, das cebolas e dos alhos, da melancia de Santa Eulália a tentar o nosso apetite no vermelho da sua polpa…

                Agora, os circos raro aparecem. Os poucos barraqueiros da bufarinha, sórdidos e repelentes, não fazem negócio… porque os miúdos já não usam bolsinhos de chita que, aliás, eram desnecessários para as cédulas[2] nojentas.

                As madeiras, as louças, o torrão… tudo isto está hoje escassamente representado.

                Dificuldades de transporte? Falta de dinheiro? Sei lá!...

                O que abunda são os batoteiros ambulantes, a sugestionarem o campónio ingénuo com os dados a tilintar nos copos de alumínio.

                E, sobretudo, o progresso, a civilização, está nos nossos gaviões, naquele aluvião de gaviões de artística arquitectura, em madeira de preço, que enquadram a Avenida e que a emolduram; nos gaviões pobres onde se bebe moscatel da Godinha que tresanda a azedo e nos gaviões ricos onde se bebem deliciosos sorvetes por uma palhinha e onde, de mistura, se faz a sua paradita…

                Valerá a pena descrever a nossa feira, a feira da nossa terra, sem transacções de gados, sem uma parada agrícola, sem uma exposição de produtos regionais, sem festejos, sem movimento, sem vida, sem cor, reduzida a pouco mais de nada?...

                Não vale, certamente. E, além disso, com 40º à sombra, é impossível tirar ideias da mioleira, nem mesmo espremendo-a como a este belo limão com que vou agora preparar uma limonada refrescativa.

                Eis a razão porque, desta vez, desobedeço o camarada director recusando-me a escrever a tal crónica…

Rui de Castro

 

NOTA: Texto publicado no Notícias de Campo Maior de 15/8/1926, p. 2, por João Ruivo, usando o pseudónimo de Rui de Castro.



[1] Actual Praça da República

[2] Notas de emissão local que circulavam substituindo o dinheiro e que, devido ao excessivo uso e baixo valor, tinham um aspecto repelente.

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publicado às 16:46

Iniciada no último quartel do século XVI, a actual Igreja da Matriz ou de Nossa Senhora da Expectação, de majestosa e robusta fábrica, crê-se ser obra do famoso mestre de pedraria do cardeal-rei D. Henrique, de nome Manuel Pires, que foi também o construtor, ou pelo menos o autor dos planos das igrejas barrocas de Évora, Estremoz e de outras terras do Alentejo, obra continuada sob a dominação filipina e que só veio a concluir-se depois da Restauração, no século XVII, tendo as primitivas cúpulas de pirâmide quadrangulares, sido substituídas pelas que ali se vêem hoje em forma de calote esférica, por aquelas terem sido destruídas pelas pedras das torres do Castelo, aquando da explosão, que as atingiram a uma distância de mais de duzentos metros, assim como as abóbadas do côro e das naves, que ruíram em parte, também.

Contíguas ao imponente templo, oferece-se à curiosidade do visitante estudioso a Capela do Calvário, de monumental altar, e uma outra toda revestida de ossos humanos do género da de Évora, se bem que menos espaçosa, é mais artística, ostentando igualmente a legenda – NÓS OSSOS QUE AQUI ESTAMOS PELOS VOSSOS ESPERAMOS, o que deve fazer meditar quem a visita.

 A original e curiosa igreja barroca de S. João Baptista, bastante rica nos mármores que revestem a sua fachada e todo o interior até à cornija, é de também posterior á explosão do Castelo, portanto, do século XVIII. São estes, pois, os monumentos mais representativos que vila pode oferecer à curiosidade e à apreciação dos turistas.

Não devemos, esquecer evidentemente a famosa janela renascentista que se ostenta orgulhosamente na torre norte do Castelo, salva do desastre e que não hesitamos em atribuir ao egrégio artista normando Nicolas Chanterene, ou desenho seu e executada por seus discípulos, e da época de D. João III, século XVI, e não de D. Manuel, como a meu ver, erradamente se tem afirmado.

E não deixaremos, também, de mencionar, como digna de ser vista e admirada, uma bem trabalhada grade  de ferro forjado, que se vê numa casa denominada “da Mitra”, na rua da Canada, de nítida influência espanhola, que se pode considerar um dos espécimenes mais artísticos e aprimorados do Alentejo, só tendo pares nas de Portalegre, Borba e Marvão, e da Andaluzia, em Espanha, que possuem um notável recheio em trabalhos de forja.

Quanto a pitoresco e que classificaremos um atractivo turístico, agora que Campo Maior começa a ser ponto de passagem quase obrigatório dos turistas, especialmente estrangeiros, que percorrem o país de Norte a Sul, ao longo da fronteira terrestre e marítima, queremos citar também, como digna de uma visita que não rouba muito tempo e que o bairrismo dos seus proprietários autorizará certamente, queremos citar a pitoresca e bucólica “Quinta da Rainha”, tão ligada aos nossos primeiros voos jornalísticos, de tão saudosas recordações – hoje na posse do nosso conterrâneo e amigo José Estrela da Mata e da sua dedicada esposa, a senhora Maria Rasquilha Corado da Mata que a transformaram num acolhedor e atraente ninho de Arte, e que nos deleita o espírito, naquele remansoso vale, com os seus jardins à “La Nôtre”, cascata, ruas ensombradas de buxo e engrinaldadas do roseiral e trepadeiras, lago e jogos de água, horta e pomar bem cuidado, que o vetusto solar domina com seu torreão de ameias e melões, que me levam a atribuir sua fundação ao século XVI (em que um grande número de solares ostentava sua torre ameiada em ar de fortaleza), embora suas fachadas tenham sido posteriormente modificadas e acrescentadas, a do lado Norte, com imponente escadaria de feição setecentista, e que dá majestade ao amplo pátio, ainda embelezado com graciosa fonte valorizada por uma escultura em mármore representando Neptuno com seu tridente clássico e de razoável execução.

Além disso, pode o turista admirar ali uma interessante e bem organizada colecção de Arte (tapetes, telas, peças de cerâmica, cobre, mobiliário, e outros objectos), que os seus proprietários têm vindo, desde há anos, a reunir para regalo do seu espírito, destacando-se uma original e típica colecção de almofarizes de bronze, alguns deles armoriados e que outra mais numerosa não conheço no país, nem mesmo nos inúmeros museus que me tem sido dado visitar, pois consta de mais de quarenta valiosas e artísticas peças que oferece à nossa vista curiosa.

 

JOÃO RUIVO

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publicado às 12:20


BREVE APONTAMENTO SOBRE HISTÓRIA DE CAMPO MAIOR ( I )

por Francisco Galego, em 28.07.14

 A terrível explosão de um armazém de pólvora e munições provocada por violenta trovoada num dia de Setembro do ano de 1732, destruiu infelizmente, quase tudo quanto a vila possuía de mais notável em matéria de arte arqueológica que vinha desde os primórdios da nacionalidade até àquele fatídico ano.

Além de algumas das torres e panos de muralha do Castelejo – parte mais antiga da fortificação medieval, que deve ter sido erguido após a conquista definitiva de Évora e de Beja aos moiros, no século XII, sobre as ruínas da anterior fortificação construída pelos muçulmanos no local onde existira, um castro romano, castelejo que mais tarde foi ampliado com uma nova cinta de muralhas no tempo de D. Afonso III, cuja pedra de armas se pode ainda ver encimando uma das portas, a do lado poente, para defesa da vila velha que se expandira pelo outeiro adjacente e sob a protecção das suas maciças torres, ficou também destruída até aos alicerces, de que existem ainda vestígios no local, a majestosa e altaneira torre de menagem, obra de Dinis, em cujo piso térreo fora instalado o paiol.

Todo o casario da primitiva vila medieval ficou do mesmo modo destruído e com ele os solares de famílias nobres, com seus portais e fenestras de ogiva e suas grades de balcões como ainda se vêm na parte antiga das vilas de Marvão, Castelo de Vide, Estremoz, Monsaraz, Albuquerque e Olivença, todas coevas.

Desapareceu igualmente a igreja romano-gótica ou gótica de Santa Maria do Castelo, primitiva Matriz e, como é de crer, todo o precioso recheio e tudo quanto de interesse e de valor deveria existir na igreja e no palácio do governador e antigos solares, em mobiliário, tapeçarias, peças de arte, etc.

Esta parte mais antiga da vila jamais foi reedificada, atulhando-se o recinto com os materiais dos escombros, até á altura do caminho da ronda ou adarve, transformando-se na esplanada que veio até aos nossos dias

Fora do recinto fortificado já existiam, à data da explosão, algumas ruas, casas de moradias e solares como os dos Teles da Silva e Teles de Menezes, dos Vaz e dos Barreiros, dos Galvões e dos Mexias, e de outros nobres, assim como os Paços do Concelho, mas todos de construção que se presume posterior aos séculos XIV e XV, os quais devem ter sofrido também graves estragos, e obras de reparação que decerto lhes alteraram a traça primitiva, pois nada mostram dos estilos daquelas épocas, a não ser um portal gótico que me parece ainda sobre existir no antigo Domus Municipalis, transformado em Açougue após a horrorosa catástrofe, na qual perderam a vida alguns milhares de habitantes, a vila que já então era populosa, e ruíram algumas centenas de casas, segundo os relatos da época.

 

 

JOÃO RUIVO

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publicado às 12:00


A ROMARIA DE BÓTOA

por Francisco Galego, em 20.07.14

 

Festa de cor e de movimento - As estradas espanholas –[1]

 

                Abril pleno. Manhã linda de luar. Começou a alvorar por altura da Cabeça Gorda. Os longes tingiam-se ainda de uma nevoazinha azulada e transparente, mas a cotovia madrugadora ensaiava já seu pipilar em modulações caprichosas. Gotas de orvalho como que tornavam os campos num lindo mar de pérolas pequeninas e brilhantes. À esquerda, a casa do Monte do Bicho, caiada de vermelhão, e rodeada de eucaliptos, punha uma nota garrida na paisagem; e, lá em baixo, à direita, erguia-se imponente e majestosa a torre do «Monte de Castro», evocando épocas remotas: legiões romanas, alcáceres mouriscos.

                Vamos passar o rio Xévora no porto do Salvador, onde uma patrulha de Guarda Fiscal visa a documentação. A corrente é pequena; as chuvas têm faltado; a primavera vai seca. As águas lá vão cantando suaves melopeias a caminho da foz. Passado o vau, demoramos uns minutos numa “raia”, para solicitarmos licença de entrar em território espanhol a uma “pareja” de “carabineros” que, amavelmente, no-la concede. Surge no horizonte o disco alaranjado do sol. Ondulam ao vento as messes promotoras. O azinhal é aqui mais denso. A passarada – melros, pardais, cotovias, calhandras, pintassilgos – aos centos, aos milhares, talvez aos milhões, esvoaçando de ramo em ramo, chilreiam, pipilam, gorjeiam, numa orquestração sublime de harmonias que nos encanta e nos enche de inefável gozo. Lufadas de ar puro, lavam-nos os pulmões. E tudo em redor é alegria, é encanto, é beleza, enlevo dos sentidos, embriaguez do espírito! Prosseguindo a marcha, entramos na estrada de Albuquerque a Badajoz, primor de arranjo e de compostura. Deve ser assim o caminho do paraíso…

                O carro desliza suavemente, maciamente, como numa sala de baile. Nem um pequenino buraco, nem uma pedrinha, nada a prejudicar o atrito do rodado! Automóveis cheios de “manolas” passam por nós, velozmente, a caminho de Bótoa. E vamos meditando tristemente na suprema vergonha das estradas do nosso país!

                O lamaceiro de inverno, os montes de poeira de verão, os barrancos, a brita desagregada, os troços intransitáveis, todo esse horrível sudário das nossas estradas! Lá ficamos então conhecendo a razão da prosperidade da Espanha, do seu desenvolvimento, da sua riqueza, da sua vida movimentada e estuante de actividade e de produção. É a estrada, são estas esplêndidas estradas por onde viajamos, a causa de tudo isso que é o orgulho dos espanhóis, que é a fortuna e o orgulho da poderosa nação espanhola.

                Transposta a ponte do rio Zapaton, importante obra de engenharia, lugar aprazível e cheio de pitoresco, avistamos em repouso, uma equipa de reparação da estrada e lá vimos a máquina de britar a pedra, o cilindro locomotor e alguns carros – depósitos de agua.

                No nosso país é necessário percorrer-se algumas léguas para se lobrigar um pobre cantoneiro, macilento e melancólico, com a clássica marreta, a pazinha e a enxada, a fingir que está reparando … até que os poderes públicos também se resolvam reparar nesta verdadeira miséria, que é a tragédia dos que viajam em Portugal.

                Estamos chegando a Bótoa. Vai já grande burburinho no arraial. Chegam veículos a abarrotar de gente. Automóveis, camionetas, camiões enormes, galeras descomunais puxadas a duas parelhas de muares, tudo engalanado, ornamentado com bandeirolas multicolores, festões de verduras e ramos de arbustos, dão um aspecto vistoso e pitoresco ao acampamento. Aqui e ali, grupos de romeiros vão dispondo os farnéis para o almoço. Senhoritas com seus trajes regionais, “mantones” das mais variadas cores e enormes “peinetas” na cabeça, são a nota mais característica do arraial. Soberbas “manolas”, verdadeiros tipos de beleza castiça, de cujos corpos morenos irradiam labaredas de entontecer, atraem-nos como as borboletas seduzidas pela luz forte do seu olhar lânguido e sensual. Muitos cabelos à “la garçonne” que tornam mais elegantes e graciosas suas donas. Pouquíssimos chapéus femininos. A elite de Badajoz largamente representada, gente de Albuquerque, Villa del Rey, Talavera de la Reyna …

                Caras conhecidas de Elvas; algumas dezenas de Campomaiorenses. Não exageramos avaliando, em cerca de mil os veículos espalhados pelo campo, e em mais de dez mil os romeiros. “Parejas” da Guarda Civil a cavalo e a pé, e polícia de “seguridad” e os “municipales”, fazem um policiamento rigoroso. E tudo corre com ordem, com método, com regularidade que ao repórter muito apraz registar.

                A ermida é um edifício modesto e sem beleza arquitectónica. Interiormente, consta de uma nave tendo ao fundo o altar onde “Nuestra Señora de Bótoa”, uma linda imagem da Virgem, se mostra aos devotos, que lhe ofertam as velas que vão ardendo e, constantemente, se renovam. Em frente da ermida, um vasto terreiro cercado por um muro caiado de branco e pintalgado a cores, dezenas de pares dançam animadamente, durante toda a manhã, ao som do jazz executados pela banda militar de um regimento da capital “extremeña”. O sol, um sol rútilo de primavera, inunda-nos de luz e de calor. Os corpos estreitam-se mais… Os “Olés!” estrugem; erra no espaço um ar de sensualismo e de volúpia.

                E “lá Virgen” parece sorrir, - benévola e indulgente – perdoando as expansões e entusiasmos rubros de “sus perigrinos” … Todos os romeiros ostentam os distintivos da festa: medalhas de alumínio com a imagem da Virgem e fitas de seda de cores diversas, que os homens colocam nos braços e nos “sombreros”, e as mulheres penduram nas “peinetas”. Informam-nos que a venda dos distintivos deve render umas dez mil pesetas, ou seja, qualquer coisa como trinta contos da nossa moeda! Apesar disso, as festas religiosas não interessam, pois constam apenas da missa, sermão e, em seguida, uma procissão com a imagem da Virgem, que vai até junto da azinheira, onde a lenda diz ter-se dado a sua aparição, tal como em Lourdes e como em Fátima, facto em que os crentes piedosamente acreditam, sem se atreverem a discutir. A procissão faz-se quase sem compostura. Poucas cabeças se descobrem. Cantam-se “saetas”, grita-se: Olé! … Olé!... E lá volta o andor para a ermida, ao som de uma marcha grave executada pela banda.

                O calor aperta e, enquanto se não faz a debandada para a ribeira de Zapaton, vamos refrescar a goela ao bar de «El Señor Joaquin», um dos mais bem providos do sítio. É que, ainda não tínhamos dito ao leitor, que nada aqui falta: cafés, cervejarias, restaurantes, barracas de doces, tudo muito bem recheado, tudo muito bem-disposto, com asseio e comodidade, a satisfazer os mais exigentes e os mais gulosos.

                São duas horas da tarde. Está um dia formosíssimo, um dia soberbo. Os romeiros vão retirar para as margens da ribeira, a cerca de um quilómetro da ermida. É o momento mais interessante e mais típico da festa. Nuvens de poeira toldam o espaço. Vai uma algazarra ensurdecedora pelo arraial. Parece que tudo endoideceu! Gesticula-se, grita-se, canta-se, agitam-se pandeiretas e “castañuelas”, num alarido enorme e descomunal, ao som dos violões e das “bandurras”. A alegria comunica-se aos mais concentrados. A alma espanhola expandindo-se em franca alacridade, arrebata-nos e quebra a nossa sisudez de alentejanos.

                O mais novo do grupo, que é também o mais atiradiço, vai “echando” piropos: A uma donairosa “manola”, “ la mas guapa ”. A uns lábios de coral: “ Lábios de fuego que abrazan”. A uns olhos de perturbador sensualismo: “ojos de la virgen, que conducen al cielo…” E elas passam, bamboleando seus corpos divinais, “salerosas” e gentis, sorrindo sem se perturbarem, e sem se mostrarem melindradas. Espalham-se os grupos pelas margens, à sombra das azinheiras, dos aloendros e dos choupos, num à vontade sem cerimónia, sem falsos convencionalismos. Dispõem-se as provisões para a merenda. Brinca-se e dança-se com desenfado.

                De vez em quando, numa volta mais rápida da dança, ou ao saltar da corda, uma perna de mulher, elegante e bem torneada, exibe-se sem recato, o que entusiasma o grupo de portuguesinhos femeeiros … Come-se com apetite e bebe-se sem medida o “Val de Peñas”, o “Jerez” e o “Almendralejo”. E, destroçados os farnéis, começa então a retirada para “los pueblos”. Ouve-se o buzinar dos automóveis, o ruído dos motores, dos onibus e camiões, o rumor pesado das carroças e dos coches, numa confusão discordante de sons. Pouco a pouco, vão diminuindo as manchas coloridas dos grupos.

                A policromia dos “mantones” apaga-se. Atenua-se e amortece a alacridade de “señoritas” e “chiquillas”. E a paisagem regressa então à sua quietude normal. A passarada, admirada do silêncio, volta a saltitar de ramo em ramo e a gorjear hinos de amor. Entretanto, a água da ribeira, murmurando suspiros de saudade, numa incessante e plangente monotonia, lá vai correndo, correndo, a caminho do Odiana[2] até ao próximo ano, em que tudo voltará, por momentos, a animar-se, a movimentar-se, a embriagar-se de cor, de luz, de vida e de alegria ruidosa e saudável.

João Ruivo 



[1] Este texto foi publicado por João Ruivo no “Notícias de Campo Maior” de 1-6-1927.

 

[2] Nome antigo que designava o Guadiana.

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publicado às 15:59


UM OUTRO TEXTO DE JOÃO PEDRO RUIVO

por Francisco Galego, em 15.06.14

 A MINHA JUVENTUDE

Dos Regeneradores e progressistas

Aos Republicanos históricos e neo-republicanos

 

 

                Uns meses antes da proclamação da República, vieram a Campo Maior fazer uma conferência de propaganda republicana os Srs. Dr.s João Camoesas e Henrique Caldeira Queirós[1]. A conferência realizou-se num armazém do negociante Sr. António Félix de Almeida, criatura que tinha a simpatia dos liberais do concelho, pelo gesto com que pouco antes se assinalara de não consentir que suas filhas frequentassem o colégio das Irmãs da Imaculada Conceição, instalado no palácio Camaride[2].

                O administrador do concelho era, nessa altura, o Sr. José Corte Real Mascarenhas[3], antigo chefe da secção fiscal e abastado proprietário, filiado no Partido Regenerador. Recordo-me de ter ouvido contar – eu não pudera assistir à conferência por estar ausente – que o Sr. Mascarenhas interrompera o discurso do Dr. Caldeira Queirós e proibira-o de continuar no uso da palavra. Mais tarde li, em O Intransigente[4], um artigo em que o Dr. Queirós atacava vigorosamente o administrador do concelho de Campo Maior pela sua atitude na conferência.

                Contava eu 19 anos quando se implantou o novo regime em 1910. Eram já conhecidos como republicanos e constituíam o pequeno núcleo da localidade: os comerciantes João Alberto Gameiro, José Matos dos Santos e José António Mendes; o farmacêutico Francisco da Rosa Correia; o proprietário Manuel do Nascimento Curado, além de outros que, por simples questões de família ou de amizade pessoal, acompanhavam ainda os antigos chefes dos partidos monárquicos locais.

                A ideia republicana frutificara também entre o operariado à frente do qual andavam os irmãos Ruivos (meu pai Pedro Daniel e meus tios), João Pereira Mourato, João Ensina, Emílio Mota, Francisco Bastos, Luís Bastos Leitão e António Rijo. Contava já também com bastantes adeptos entre os trabalhadores rurais e os paneiros que tinham como orientadores homens de rija têmpera e fé inquebrantável, como Francisco Lajes, Laurentino Sardinha, João Nora, Francisco Martins de Matos, Manuel Cabeções Hortas e outros cujos nomes não me ocorrem.

                A Guarda Fiscal aderira com entusiasmo mercê da propaganda activa do sargento Cabanas, dos cabos Ismael e Marques, dos soldados Pacheco, Garcia, Botica, Ferrão, Ruas, Cipriano e outros, que demonstraram pela ideia republicana uma dedicação bem digna de louvor.

                No dia 6 de Outubro de 1910, apresentou-se em Campo Maior o Sr. Dr. Manuel Gonçalves Pinheiro, médico e lavrador em Santa Eulália que, na qualidade de delegado do comité republicano de Elvas, se dirigiu aos Paços do Concelho, acompanhado dos republicanos que já citei e de muito povo, para se fazer a proclamação da República e içar-se a bandeira verde-rubra, visto que, por deficiência de organização e de ligação com aquele comité, se não praticara esse acto no dia anterior.

                Havia poucos meses que o Sr. Dr. José Garcia Regala tinha assumido a chefia do Partido Regenerador, vaga por falecimento de seu pai. Mas, como se dissesse que nos tempos de estudante manifestara simpatia pela ideia republicana, o Dr. Pinheiro, seu antigo condiscípulo, convidou-o a aderir e entregou-lhe, naquele memorável dia, a chefia do Partido Republicano, o que fez de acordo com o núcleo dos antigos republicanos, esperançados na mocidade e na fama de liberal de que gozava o Dr. José Regala. Passou pois o Dr. Regala de chefe do Partido Regenerador a chefe do Partido Republicano, tendo assumido também o cargo de administrador do concelho que estava ainda a ser desempenhado por seu cunhado Corte Real Mascarenhas o qual, não obstante, deu também logo a sua adesão à República…

                Dizia-se que o Sr. Visconde de Olivã, Juiz de Direito e chefe distrital do Partido Progressista, dadas as suas relações com alguns dos vultos eminentes do antigo Partido Republicano Português, ia aderir ao novo regime, adesão que seria vista com agrado por parte dos antigos republicanos, principalmente pelos das camadas populares que tinham grande simpatia por aquele magistrado. Porém, os antigos regeneradores anteciparam-se e aderiram em massa para firmarem posições e manterem o predomínio político dentro do novo regime, com receio de que esse predomínio viesse a cair nas mãos dos seus adversários do antigo Partido Progressista. Foram então os novos aderentes em romaria a casa do velho republicano João Gameiro, para se inscreverem no registo político. Alguns dos antigos republicanos inscreveram-se também, mas como mera formalidade para efeitos de organização do cadastro partidário visto que os seus nomes já constavam dos registos de Elvas e Portalegre.

 

João Ruivo



[1] Trata-se de dois notáveis republicanos do distrito de Portalegre que vieram a desempenhar importantes funções políticas após a implantação da República. O médico elvense Dr. João Camoesas, chegou a ser ministro da Instrução, tendo elaborado uma notável reforma do ensino que não chegou a ser implementada por queda do governo. O Dr. Queirós era um advogado de Portalegre. O Dr. Pinheiro de Santa Eulália era o pai do Dr. Arménio Pinheiro que casou em Campo Maior onde exerceu medicina e avô de João Manuel Pinheiro.

[2] Na verdade, trata-se do palácio dos Carvajais que tinha sido herdado pela condessa de Camaride. O palácio Camaride era aquele onde hoje está instalada a Casa do Povo de Campo Maior.

[3] Este senhor, natural do Algarve, era genro do falecido chefe local do Partido Regenerador, Dr. José Maria da Fonseca Regala. Este Mascarenhas, conhecido pelo anexim de “alferes de galão branco”, era um antigo sargento, nomeado chefe da secção fiscal e, já depois de reformado, promovido a capitão pelo governo da República, por ter sido abrangido nas malhas de uma lei votada para beneficiar um antigo republicano, participante na Revolta do 31 de Janeiro (1891), vítima de perseguições.

Foi este Mascarenhas administrador do concelho já durante a ditadura militar, quem, por ordem do Dr. Gama, propôs a nomeação de Diogo Mexia Caiola, para secretário da administração, por morte do secretário Francisco Maria da Silva, preterindo João Ruivo, o que o obrigou a recorrer para o Tribunal da Relação de Coimbra que deu provimento ao recurso. Estes factos ocorreram nos anos de 1927-1928. (Nota do autor do texto).

[4] Jornal republicano que se publicou em Portalegre entre 1908 e 1915.

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publicado às 17:25


UM TEXTO AUTOBIOGRÁFICO DE JOÃO PEDRO RUIVO

por Francisco Galego, em 10.06.14

A MINHA INFÂNCIA

 

Nasci no ano de 1891 – ano da gloriosa revolução de 31 de Janeiro[1] – e daí, talvez, o fatalismo de republicano que anda ligado à minha individualidade.

Em 1898-1899 era meu pai assinante da “Revista Republicana” e agente de venda do jornal socialista “A Voz do Operário”. Certo dia, meu pai foi chamado à presença de um político que exercia então as funções de administrador do concelho[2], o qual o instou para que abandonasse aquelas publicações, acrescentando logo que, se não fosse atendido, se veria forçado a aplicar-lhe a lei de 13 de Fevereiro (deportação para Timor, nada menos) visto ter recebido muitas reclamações dos seus partidários contra a propaganda revolucionária que resultava da divulgação das doutrinas preconizadas nas mesmas publicações! …

Por essa altura, comecei eu a soletrar jornais republicanos e, foi nessa leitura e na educação liberal de meu pai, que o meu espírito se formou para a combatividade política que sempre me tem caracterizado e para a defesa dos princípios democráticos que são a razão de ser da nossa existência.

Já na escola primária eu sentia em volta de mim despeitos e invejas, pela consideração que me dispensavam e pelas boas referências que me faziam os meus professores e amigos, senhores Francisco Manuel Pereira, hoje professor da Escola Primária Superior de Portalegre, e António Florindo da Rosa Cordeiro, professor do ensino primário nesta vila, os quais muito apreciavam a minha aplicação ao estudo[3]. Aos dez anos, fui aprovado com distinção no exame do segundo grau de instrução primária. Dos meus condiscípulos, uns mais felizes do que eu, por serem filhos de ricos proprietário ou de operários remediados, puderam seguir os seus estudos em escolas secundárias; outros, que eram filhos de operários pobres, puderam também ingressar no liceu por terem amigos que os subsidiassem.

Meu pai não tinha outro rendimento além do seu pobre salário, com que provia às necessidades do casal. Tivera onze filhos do matrimónio: faleceram cinco, ficaram seis[4]. Eu era o mais velho. Como não tive ninguém que por mim se interessasse, não pude continuar os meus estudos.

Eu não era robusto e, por isso, meu pai desejava dar-me uma profissão adequada à fraca constituição do meu organismo, uma profissão onde não corresse tanto risco como na sua e que desse algumas garantias de futuro – ambição legítima de todos os bons pais. Encarreirei pois para o comércio, em que me ocupei três anos. Do meu comportamento podem ainda hoje dizê-lo os meus antigos patrões e amigos, senhores José Ramos, de Campo Maior, Francisco Jorge da Palma, de Elvas e Joaquim Lopes Pires, de Portalegre[5].

 



[1] A Revolução do 31 de Janeiro de 1891 foi a primeira tentativa de implantação da República. Deu-se no Porto e fracassou devido à má coordenação das tropas que tinham aderido ao movimento. Mas desencadeou um processo revolucionário que culminou no 5 de Outubro de 1910.

[2] Tratava-se de Cristóvão de Albuquerque Barata, chefe local do Partido Progressista e pai do Visconde de Olivã, Juiz Conselheiro do Supremo Tribunal de Justiça. (Nota do autor do texto)

[3] Foi também meu professor António Rosado Pimpão, cuja escola frequentei apenas dois ou três meses. O professor Pereira deixou-me preparado para o exame do 2º grau no fim do ano lectivo de 1900; leccionou-me o Pimpão até tomar conta da escola o Cordeiro que me levou a exame em 1901. (Nota do autor do texto).

[4] João Maria da Encarnação, Maria José; José; Maria do Carmo (falecida em 1927) e Eulália.

[5] Estive na Casa Ramos de Setembro de 1901 a Agosto de 1903; na Casa Palma, de Elvas, de Setembro de 1903 a Junho de 1904. da qual passei à Casa Pires, de Portalegre, onde me conservei até ao Natal de 1904. Regressei então a Campo Maior, abandonando o comércio e começando a aprendizagem do ofício de pedreiro.

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publicado às 18:41


UM TEXTO DE JOÃO PEDRO RUIVO

por Francisco Galego, em 25.05.14

1. Campo Maior – Terra Fronteiriça

Breves notas sobre História, Arte e Turismo em Campo Maior

 

                Uma terrível explosão do armazém da pólvora e das munições provocada por violenta tempestade num dia de Setembro do ano de 1732[1], causou a lamentável destruição de quase tudo quanto a Leal e Valorosa vila possuía de mais notável em matéria de arte e arqueologia e que vinha desde os primórdios da sua integração na nacionalidade portuguesa até aquele fatídico dia. Além de algumas torres, entre elas a torre de menagem que servia de paiol, panos da muralha e do castelejo, ou seja, a parte mais antiga da fortificação medieval, mais tarde ampliada por uma nova cinta de muralhas no tempo de D. Afonso III[2], cuja pedra de armas se pode ver ainda encimando uma das portas do lado poente, tudo ficou destruído até aos alicerces. Do mesmo modo, todo o casario da primitiva vila medieval ficou destruído e com ele os solares de famílias nobres com os seus portais e fenestras de ogiva, bem como as grades dos balcões, do género dos que se vêem na parte antiga de outras povoações como Marvão, Castelo de Vide, Estremoz, Monsaraz e Albuquerque.

                Desapareceu igualmente a igreja romano-gótica, ou talvez gótica de Santa Maria do Castelo, primitiva matriz e, como é de crer, todo o precioso recheio e tudo quanto de interesse e de valor deveria existir na igreja, bem como no palácio do governador e nos antigos solares, em mobiliário, tapeçarias, peças de arte, etc. Esta parte mais antiga da vila nunca foi reedificada, atulhando-se o recinto, com os materiais dos escombros, até à altura do caminho da ronda, formando-se assim a esplanada que chegou até aos nossos dias.

                Fora do recinto fortificado já existiam, à data da explosão, algumas ruas com casas de moradia e solares como os dos Teles da Silva, Teles de Meneses, Vaz, Barreiros, Galvões, Mexias e de outros nobres, assim como os Paços do Concelho, todos de construção que se presume posteriores aos séculos XIV e XV. Toda esta parte da vila sofreu graves estragos e grandes mudanças com as obras de reparação que decerto lhe alteraram a traça primitiva. Por isso, nada resta dos estilos da época anterior, a não ser um portal gótico que parece ter sobrevivido do antigo Domus Municipalis, transformado em açougue após a horrorosa catástrofe na qual perderam a vida alguns milhares de habitantes da vila que, já então, era populosa. Ruíram algumas centenas de casas, segundo os relatos da época.

                Iniciada no último quartel do século XVI, a actual Igreja Matriz, dedicada a Nossa Senhora da Expectação, de majestosa e robusta fábrica, crê-se ser obra do famoso mestre de pedraria do Cardeal-Rei D. Henrique, Manuel Pires, que foi também o construtor ou, pelo menos, o autor dos planos das igrejas barrocas de Évora, Estremoz e de outras terras do Alentejo. Esta obra continuada já sob a dominação filipina, só veio a conclui-se após a Restauração, em meados do século XVII. As primitivas cúpulas em forma de pirâmides quadrangulares terão sido substituídas pelas que se vêem hoje, em forma de calote esférica, por aquelas terem sido destruídas pelas pedras resultantes da explosão da torre do castelo, em 1732, bem como as abóbadas do coro e das naves que ruíram em parte.

                Contíguas ao imponente templo, oferece-se à curiosidade do visitante, a capela do Calvário, com um monumental altar e uma outra toda revestida de ossos humanos, no género da de Évora, mas mais artística se bem que menos espaçosa, ostentando, como aquela, a legenda: NÓS OSSOS QUE AQUI ESTAMOS PELOS VOSSOS ESPERAMOS.

                A original e curiosa igreja barroca de S. João Baptista, bastante rica nos mármores que revestem a fachada e todo o seu interior até à cornija, é também posterior à explosão, portanto, do século XVIII.

                São estes os monumentos mais representativos que a vila mostra aos visitantes. Não devemos esquecer a famosa janela renascentista que ostenta orgulhosamente a torre norte do castelo, salva do desastre e que não hesitamos em atribuir ao egrégio artista normando Nicolas Chanterene, ou de desenho seu e executada por um dos seus discípulos. Trata-se, provavelmente, de uma obra da época de D. João III, século XVI, e não da época de D. Manuel como, a meu ver, erradamente se tem afirmado.

                E não deixaremos também de mencionar, como digna de ser vista e admirada, uma bem trabalhada grade de ferro forjado que se vê numa casa denominada da “Mitra”, na Rua da Canada, de nítida influência espanhola, que pode ser considerada um dos especímenes mais artísticos e aprimorados do seu género, no Alentejo, só tendo pares nas de Portalegre, Marvão e Borba ou em algumas bastante semelhantes que já vimos em terras da “Extremadura” e da Andaluzia.

                Convém ainda referir a pitoresca e bucólica “Quinta da Rainha”, hoje na posse do nosso conterrâneo e amigo José Estrela da Mata e de sua esposa D. Maria Rasquilha Corado da Mata que a transformaram num acolhedor e atraente ninho de arte que nos deleita o espírito, naquele remansoso vale de São Joãozinho, com os seus jardins à Le Nôtre[3], com cascata, ruas ensombradas de buxo, engrinaldadas de roseiral e trepadeiras, lago e jogos de água, horta e pomar bem cuidado. O vetusto solar, com o seu torreão de ameias e merlões, leva-me a atribuir a sua fundação ao século XVI, em que um grande número de casas solarengas ostentava torres ameiadas ao modo de fortaleza. As suas fachadas foram modificadas posteriormente. A do lado norte foi acrescentada com imponente escadaria de feição setecentista que dá majestade ao amplo pátio embelezado com graciosa fonte que ostenta uma escultura em mármore representando um Neptuno de razoável execução.

João Ruivo, Lisboa, Agosto de 1961



[1] Foi na madrugada de uma terça-feira, dia 16 de Setembro de 1732

[2] O autor quereria dizer, D. João III

[3] André Le Nôtre (1613-1700): Arquitecto francês, no reinado de Luís XIV, autor dos monumentais jardins de Versalhes e das Tulherias.

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