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Aqui se transcrevem textos, documentos e notícias que se referem à vida em Campo Maior ao longo dos tempos
Quadras recolhidas por José Leite de Vasconcelos no seu “Cancioneiro Popular Português” ( 5 )
Dá-me uma “petinha”[1] d’agua,
Qu’inda hoje não bebi;
Faz da tua boca bica,
Que não tenho nojo de ti.
Tua boca me parece,
Um botãozinho de rosa;
Tenho visto bocas lindas,
Mas nenhuma tão formosa.
A nossa amizade amor,
Não tem peso nem medida;
Tu és cravo num andor,
Eu sou rosa numa ermida.
Fui ao jardim dos amores,
Colher uma camoesa;
Ganhei o céu em te amar,
Já não quero mais riqueza.
Inda que tenha “paixão”[1]
Em te vendo se me tira;
Amor do meu coração,
Hás-de julgar que é mentira.
No coração duma pomba,
Nos ares da Primavera;
Quem me dera adivinhar,
A tua intenção qual era.
Quadras recolhidas por José Leite de Vasconcelos no seu “Cancioneiro Popular Português” ( 4 )
Ovelhas não são p’ra mato,
Sabe-o bem o pastor;
Deixam a lã no carrasco,
A “perca” é do lavrador.
A “soidade”[1] é uma flor,
Que se cria em qualquer vaso;
Lealdades no amor,
Só se encontram por acaso.
A azeitona quando nasce,
Nasce logo redondinha;
Tu também quando nasceste,
Foi logo para seres minha.
És meu amor, és meu tudo,
És da minha simpatia;
Tu és a brilhante estrela,
Para mim és luz do dia.
Não me namora o teu riso,
Nem a tua formosura;
Namora-me o teu juízo,
Que é o que um homem procura.
Quadras recolhidas por José Leite de Vasconcelos no seu “Cancioneiro Popular Português” ( 3 )
O meu pai já está deitado,
Minha mãe está-me a chamar;
Eu bem sei o qu’ela quer,
Não me deixa namorar.
Não me deixa namorar,
Diz que o tempo já passou;
Coitada já não se lembra,
Que ela também namorou.
Que ela também namorou,
Num tempo que já lá vai;
Coitada já não se lembra,
Que namorou o meu pai.
Tão triste agora me vejo,
Sem a tua companhia;
Que até já nem me lembro,
Se fui alegre algum dia.
Ó meu bem quando casarmos,
Não te quero ver mondar;
Quero que fiques em casa,
Porque te quero estimar.
O meu amor é carreiro,
Tem arreatas na mão;
Eu também o trago a ele,
Dentro do meu coração.
Quadras recolhidas por José Leite de Vasconcelos no seu “Cancioneiro Popular Português” ( 2 )
Eu nunca fui cantador,
Nem nos descantes achado;
Passo a vida a trabalhar,
Trago o meu corpo maçado.[1]
A vida que te darei,
Já a podes ir sabendo;
Trabalharemos os dois,
Assim iremos vivendo.
Nesta vida de ganhão,
Nem se pode namorar;
De dia ganha-se o pão,
A noite é p’ra descansar.
Ó meu bem apaga a luz,
Apaga-a vai-te deitar;
Já passa da meia-noite,
São horas de descansar.
Canta amor, canta comigo,
Já qu’outra alegria não temos;
Basta termos a certeza,
Que nunca nos apartemos.
Quadras recolhidas por José Leite de Vasconcelos no seu “Cancioneiro Popular Português”
Ó belo Campo Maior,
Com janelas à francesa;
Cantas bem, balhas[1] melhor,
Cantigas à camponesa
Ó belo Campo Maior,
Distrito de Portalegre;
No dia que te não vejo,
Já não posso andar alegre.
Raparigas alentejanas,
Eu sou de Campo Maior;
Tenho a minha fala presa,
Não posso cantar melhor.
Vou-me a cantar uma cantiga,
Já não canto senão esta;
Que o que é pouco bem fica,
O que é demais não presta.
Vou-me a dar a despedida,
Por hoje não canto mais;
Já tenho a garganta seca,
Já me doem os queixais.
O “Cancioneiro Popular Português” coligido por J.Leite de Vasconcelos
José Leite de Vasconcelos deixou acumulados em pastas milhares de documentos que foi laboriosamente recolhendo ao longo da sua vida de 83 anos. Viveu entre 1858 e 1941.
Os seus testamenteiros, entre os quais se destaca para a missão de dar à estampa grande parte desses documentos, o Professor Orlando Ribeiro que, com a colaboração do professor Viegas Guerreiro, seu colega no Centro de Estudos Geográficos da Faculdade de Letras de Lisboa, irão encarregar a Drª Maria Arminda Zaluar Nunes da coordenação do “Cancioneiro”.
Nesta obra encontram-se as quadras com a indicação precisa da terra em que foram recolhidas.
No que respeita ao Alentejo, podemos, a partir da correspondência trocada entre J.L. de Vasconcelos e A.T. Pires, deduzir que, na maior parte dos casos, os registos da recolhas efectuadas tenham sido feitos por volta de 1891, ano em que o eminente etnólogo viajou pelo Alto Alentejo, tendo sido visita e hóspede do etnógrafo elvense com quem se correspondia com grande frequência.
Neste cancioneiro, estando claramente indicada a sua identificação com Campo Maior, podemos proceder de modo diferente do que foi feito para o “cancioneiro” de Tomás Pires. Neste só podíamos concluir que algumas das cantigas recolhidas na actualidade constavam desse documento. Logo, é legitimo concluir que eram mais antigas do que, à partida poderíamos ter pensado. No “cancioneiro” de J. L. Vasconcelos vamos encontrar cantigas identificadas como sendo de Campo Maior que não constavam da recolha que foi feita para a elaboração deste livro. Poderá isso significar que elas não permaneceram na memória colectiva. Assim, porque um dos objectivos principais deste trabalho consiste na inventariação e na preservação do “cantar e bailar as saias”, houve o cuidado de transcrever as quadras claramente identificadas como tendo sido recolhidas em Campo Maior.
Os Cancioneiros coligidos e publicados por António Tomás Pires
No número 128 de 22 de Junho de 1881, o jornal elvense “A Sentinella da Fronteira” começou a publicar o folhetim “Poesia Popular Portuguesa – Cantos Populares do Alentejo – recolhidos da tradição oral por António Thomás Pires”. A sua publicação foi interrompida quando já iam publicadas 950 cantigas. A publicação recomeçou no número 230 de 14 de Junho de1883, mantendo-se até ao último número do jornal, o nº 590, que se publicou em 30 de Outubro de 1891, sendo que a última quadra publicada tinha o número 3.224. Como a numeração teve alguns saltos, não terá sido tão elevado o número das que foram publicadas. Terão, contudo, sido publicadas mais de duas mil. Publicaram-se ainda mais quadras noutro jornal – O Elvense – em 1885, no Folhetim “Miscellanea Folk-lorica”, entre os números 470 e 480.
A partir das quadras publicadas nestes jornais, foi possível identificar, ainda que sem grande rigor, cerca de duas centenas de “cantigas” que foram cantadas às “saias” em Campo Maior. O que de modo nenhum permitirá afirmar que tenham sido, todas elas, produzidas pela gente de Campo Maior. Os contactos que regularmente se faziam, principalmente no São Mateus, promoviam as trocas de que resultava que cada um levasse, de regresso à sua terra, as cantigas que mais o tinham impressionado.
Mas a identificação dessas cantigas com o cantar as “saias” em Campo Maior, permite a conclusão segura sobre a sua antiguidade. Por outro lado, foi possível recordar com rigor a memória de algumas delas que já estavam de facto esquecidas.
Nesta publicação, A. T. Pires não faz qualquer referência ao local onde cada quadra terá sido recolhida.
Mais tarde, os “Cantos Populares Portugueses” seriam reunidos em 4 volumes, tendo sido o 1º e o 2º publicados em 1902 , o 3º em 1909 e o 4º em 1910. Estes quatro volumes contêm 10.600 quadras, recolhidas por todo o país. Em cada quadra está a indicação da província em que foi recolhida, mas não há indicação da povoação em que tal terá sido efectuado.
“As saias são modas coreográficas do Alto Alentejo. Cantam-se ao despique durante as fainas agrícolas (apanha da azeitona, p. ex.) ou cantam-se e dançam-se no dia de S. João, em que aparecem as Saias novas, ou em festas colectivas, a exemplo das Festas do Povo, de Campo Maior.
Acompanham-se com uma pandeireta, que executa agilmente o ritmo e conduz a dança; uma voz feminina entoa o canto, de que nada de particular se pode assinalar do ponto de vista melódico.
As saias de Campo Maior denunciam, no dizer de F. Lopes Graça, ‘ com as suas coplas e o seu acompanhamento instrumental, do tipo de seguidilha, […] uma marcada influência espanhola.’ ”
( Michel Giacometti e Fernando Lopes Graça – “Cancioneiro popular português”, p. 324)
“SAIAS – A moda das saias é uma dança popular bailada principalmente pela gente do Alto Alentejo mas também bailada em algumas regiões do Ribatejo, da Beira Baixa, da Beira Litoral, da Estremadura, da Beira Alta e do Douro Litoral, Contudo, repetimos, é mais característica do Alto Alentejo e das terras interiores da Beira litoral e do Ribatejo – precisamente daquela região que outrora pertenceu à Estremadura (Tomar, Pombal, Ansião, Figueiró dos Vinhos, Chão de Couce, Avelar, etc.). é uma dança sincopada e, às vezes, com marcador.
O ritmo típico das saias é o binário; no Alto Alentejo o binário composto (6/8); no Douro Litoral, as saias têm um ritmo nortenho – binário simples (2/4).
Há quem pretenda aparentar as saias com a dança espanhola da Andaluzia conhecida pelo nome de “saeta”, porém nada de comum parecem ter, pois as saias são uma dança profana, de divertimento, ao passo que a “saeta” é uma dança acompanhada de canto litúrgico e só bailada como ritual das procissões.
A moda das saias tem vários aspectos, por isso há várias modalidades de saias:
a) Velhas – As antigas, em forma de valsa-mazurca;
b) Novas – As actuais, em forma de valsa campestre;
c) Aiadas – Aquelas em que o marcador grita um “ai” no estribilho, a indicar a volta;
d) Puladinhas (ou Pulado);
e) Com estribilho
As saias são modas acompanhadas de canto. Por isso, as saias são só para cantar ou para cantar e bailar. Quando cantadas possuem uma letra sem requebro. Quando só cantadas, durante o trabalho, as saias estão para a gente do Alto Alentejo como o tope está para a gente do Baixo Alentejo.
Nas saias, os estilos e modas (a música) bem como os pontos (a letra) são volantes e os seus ritmos, às vezes, variam, chegando a haver, na mesma região, várias saias de estilo e moda diferentes; algumas vezes, o mesmo ponto serve vários estilos, mas o mais vulgar é o mesmo estilo ser cantado com vários pontos.
Já no século XVII se dançavam as saias e parece que, então, elas se bailavam um pouco à maneira andaluza; tal modalidade arcaica ainda hoje se encontra em Escalos-de-Baixo.
É no Alto Alentejo, bailadas ao som de pandeiro e, às vezes, de pandeiro e adufe, que as saias são mais castiças.
(Tomaz Ribas – Danças do Povo Português, Ministério da Educação Nacional, Lisboa, 1ª ed. , 1961, pp.100-101)
Vejamos primeiramente algumas definições, chamando a atençãopara a pluradidade de referências que, ao longo do tempo, lhes foram sendo feitas. Em segundo lugar, constatemos que as saias foram, no passado, uma forma de cultura popular muito genuina e altamante criativa mas que actualmente estão em declínio, reduzindo-se a uma repetição de conjuntos restritos de quadras, sempre as mesmas e que as próprias melodias foram alteradas, acelerando-lhes o ritmo, para as adaptarem a um gosto mais citadino que pouco tem a ver com as "modas" que em tempos passados, eram constantemente renovadas pelos camponeses que as iam inventando.
Saias – Dança tradicional portuguesa típica do Alto Alentejo.
(“Dicionário da Língua Portuguesa Contemporânea”, Academia das Ciências de Lisboa, ed. Verbo, Lisboa, 2001, p. 3306)
Saias – Canção popular acompanhada de dança do Alto Alentejo.
(“Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa”, ed. Círculo de Leitores, Lisboa 2003, p. 3231).
Saias – Dança popular portuguesa, em especial no Alto Alentejo.
(“Dicionário da Língua Portuguesa”, de J. Almeida e Costa e A. Sampaio Melo, Porto Editora, 6ª ed. 1985, p. 1479)
Saias – Dança popular em Elvas e Campo Maior
In:
(“Grande Dicionário da Língua Portuguesa”, de António Morais Silva, Editorial Confluência, Lisboa, 1956)
(“Dicionário da Língua Portuguesa”, de Cândido Figueiredo, Bertrand Editora, 33ª ed., Venda Nova, 1973, p. 963)
(“Grande Dicionário da Língua Portuguesa”, de Cândido Figueiredo, Bertrand Editora, Venda Nova, 1996, p. 2260)
(“Lello Universal”, Porto, 1986)
Saias – Canção dançada, popular, localizada no Alto Alentejo, cuja fisionomia melódico-rítmica tem a particularidade de alternar compasso a compasso o seis por oito com o ternário. Existe na Andaluzia e em Cuba uma canção popular que oferece a mesma característica – é a guajira.
( Frederico de Freitas, in “Enciclopédia Luso Brasileira de Cultura”, Editorial Verbo, Lisboa, 1974, 16º vol., p. 1074)
(Idem, in “Enciclopédia Verbo Luso-Brasileira de Cultura”, Lisboa, S. Paulo, 2002)
Saias e Balhos – Nome genérico que se dá às danças populares e bailes alentejanos, muitas vezes do tipo das rodas.
(“Enciclopédia Internacional Focus”, Livraria Sá da Costa, Lisboa, 1968, Vol. IV, p. 295)
Saias – Dança popular acompanhada a canto, característica do Alto Alentejo. Na sua linha melódico-rítmica alterna o compasso ternário com o compasso seis por oito, característica que também se encontra na canção popular denominada Guajira.
(“Lexicoteca – Moderna Enciclopédia Universal”, Círculo de Leitores, 1987, Vol. 16, p. 185)
Saias – Quadras populares, cujo estilo é apropriado a uma dança característica bastante movimentada. – Também assim é conhecida a referida dança em Elvas e Campo Maior. Noutros pontos do Alentejo, em Cabeção por exemplo, chamam saias novas a todas e quaisquer cantigas e modas que apareçam no folclore regional.
(Saias camponesas, “dança de roda” segundo Cândido de Figueiredo e Tomás Pires).
(J. A. Pombinho Júnior, “Cantigas Populares Alentejanas e seu subsídio para o léxico português”, Edições Marinus, Porto, 1936, pp. 89 e 90)
Em Campo Maior se colhe,
O alecrim às paveias;
O amor é como o sangue,
Que corre nas nossas veias.[1]
Eu hei-de ir p’ra cidade,
Campo Maior m’aborrece;
Que eu tenho lá na cidade,
Quem penas por mim padece.[2]
Se fores a Campo Maior,
Trás de lá uma camponesa,
Que saiba cantar as saias
E não tenha a fala presa.[3]
Venho de Campo Maior,
Tocando na pandeireta;
Vamos a ver qual de nós,
Namora aquela sujeita.[4]
Vila de Campo Maior,
És mais vila do que as mais;
Tens o largo do Terreiro
E o largo dos Carvajais.[5]
Velho Largo do Barata,
E Largo dos Carvajais;
Puxaram punhais de prata,
Fizeram golpes mortais.
[1] Publicada em Achegas para o Cancioneiro Popular Corográfico do Alto Alentejo, por J.A. Pombinho Júnior, Évora,1957, pág. 58
[2] Idem, ibidem.
[3] Idem, pág. 60, com pequenas diferenças.
[4] Publicada em Achegas para o Cancioneiro Popular Corográfico do Alto Alentejo, por J.A. Pombinho Júnior, Évora,1957, pág. 58
[5] Idem, ibidem.
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