Saltar para: Post [1], Comentários [2], Pesquisa e Arquivos [3]




DEITANDO CONTAS À VIDA ...

por Francisco Galego, em 15.05.19

Com 77 anos, estou já razoávelmente entrado na chamada terceira idade da vida. Sou, portanto, oficialmente, um velho, ou estou a tentar aprender a sê-lo com a dignidade que me for possível. Com toda a franqueza digo que não esperava chegar a uma idade tão avançada como a que agora tenho. Não sinto qualquer angústia, nem a ideia de uma aproximação da morte me provoca medo ou sobressalto. Encaro-a como coisa natural e certa. Só desejo ser poupado a situações de grande sacrificio, sofrimento, ou de acentuada decadência fisica ou mental.

Até aqui a vida tem cuidado razoavelmente de mim. Não me apaparicou, mas também não me atormentou com inquietações de monta. Procurei pedir-lhe pouco e ela foi-me dando o necessário para ir vivendo sem ter atormentadas razões de queixa. Desde muito cedo fiz a opção essencial que, de forma mais ou menos consciente, todos fazemos, a partir de dado momento. Ao prazer preferi o sossego de uma consciência tranquila. Preferi o ir vivendo razoavelmente, sem aspirar a muito ter. Entre o servir-me e o compromisso de bem cumprir, escolhi o que me parecia ser o meu dever. Compreendi que não podia aspirar a grandes realizações, nem a alcançar sucessos espectaculares. Pareceu-me mais justo e adequado renunciar a grandes ilusões. Um destino de aurea mediocritas pareceu-me ser uma possibilidade aceitável para quem nasceu com tão poucas condições para a muito aspirar. Pior seria a procura insensata de uma improvável celebridade.

Preferi os afectos acessíveis, às paixões inantingíveis. Não escolhi percorrer as vias que me levassem ao poder, ou ao muito ter. Mas fui conseguindo o que me era indispensável para não sofrer de grandes carências. Para quem foi tão prudente nas suas aspirações, até  acabei por ir conseguindo alcançar o que foi sendo bastante. Talvez por ter entendido que, para ir mais longe, só com  grande rasgo de sorte.

Chego a este patamar da minha existência e posso pensar e sentir que, até ao momento, o projecto concebido e executado pode ser avaliado positivamente. Sei que não depende completamente de mim que assim persista até ao momento final. Mas, enquanto tiver discernimento, procurarei agir para que continue desta feição, este  projectado trajecto  que foi sendo o meu viver. Não lamento o que não fui e procuro não contabilizar como falhado o não ter aquilo que não alcancei. Porque, a maior parte das coisas que não consegui, foi porque as não desejei. E se outras não logrei, foi porque tinha a clara consciência de que não havia condições para lá poder chegar.

Esta é a avaliação que penso dever fazer, nesta idade terceira, e é a que me parece a mais adequada ao projecto que me foi possível traçar como opção do meu viver. E, porque passou o tempo de ambicionar, é tempo de deitar contas ao que foi possível fazer. Seria completamente descabida qualquer pretensão de recomeço. Mas, não me sinto frustrado, nem estou zangado com a vida... Não terei sido excepcional pelo sucesso. Mas, - e isso é muito mais importante do que os tolos podem conceber -, também não devo fazer um balanço final negativo. Pois que, se não tive momentos de exuberante felicidade, também não conheci o desespero irremediável dos grandes sofrimentos. Nunca me senti glorificado pela fama. Mas fui agradávelmente premiado com a amável consideração de uma grande maioria dos que me foram conhecendo.

Por isso, posso e devo dizer neste momento: Vivi razoavelmente a vida que me foi possível ir vivendo. Se ainda vier a ter que me atormentar com inesperados sofrimentos, aqui fica a confissão do balanço positivo que me sinto obrigado a fazer neste momento.

Calmamente

Vou-me retirando

Sem angústia

Sem mágoa

Nem ressentimento

Grato por tudo

O que fui alcançando

E ainda muito atento.

 

Autoria e outros dados (tags, etc)

publicado às 00:04


6 comentários

De Anónimo a 15.05.2019 às 17:48

Meu caro, que se passa? Ainda tens muito para viver. Não é, a meu ver, ainda tempo de balanços. Abraço.

De Anónimo a 17.05.2019 às 09:29

Claro que sim. Uma despedida pode ser o ponto de partida de uma saudade. E eu não tenho saudade do tempo que passou. Limito-me a conservar memória do que me foi dado ir vivendo. Até para melhor saber aceitar o que está para vir. Porque viver é sempre um presente que resulta dum passado e serve de inspiração e de orientação para o que, no futuro, irá acontecer.

De Anónimo a 15.05.2019 às 23:13

Dr. dei o texto à minha mulher e adorou. Depois perguntei-lhe que pensas do que leste resposta, "parece uma despedida". Mas eu direi que é um balanço, como todos os rapazes da nossa idade fazemos, e como as empresas também fazem balanços e não fecham. Vamos continuar mais uns anitos.

De Anónimo a 17.05.2019 às 09:47

Poderá mais propriamente ser tomado como balanço. Não tenho qualquer intenção de me despedir. Viver é tecer uma vida ao longo do tempo. E só acaba quando o tecelão parte e eu não tenho qualquer perspectiva, nem intenção de partir. Será o único acontecimento da minha vida de que não poderei guardar memória.
Eu prefiro considerar que se trata mais de uma "avaliação" do caminho percorrido para evitar desvios ou mudanças de rumo. Para garantir que haja alguma coerência entre passado,o presente e o futuro. Mas, por muito que nos custe entender, devemos deixar a vida acontecer e ir avaliando para garantia de coerência na sequência do nosso viver.

De Anónimo a 17.05.2019 às 15:24

Gostei muito do texto não acho que seja despedida coisa nenhuma mas sim um olhar para todo o percurso da vida,eu com 72 estou quase ao pé seus 77,mas muitos virão.Um abraço.

De Aid@ a 17.02.2022 às 18:17

Adorei o que li. Como campomaiorense que sou, tenho pena em não conhecê-lo. Espero não ter descoberto demasiado tarde a sua existência e que ainda se encontre entre nós, para continuar a desvendar os mais belos segredos de autrora desta nossa pequena grande terra. Gostaria de o conhecer e de opoder entrevistar.

Comentar post



Mais sobre mim

foto do autor


Subscrever por e-mail

A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.


Arquivo

  1. 2020
  2. J
  3. F
  4. M
  5. A
  6. M
  7. J
  8. J
  9. A
  10. S
  11. O
  12. N
  13. D
  14. 2019
  15. J
  16. F
  17. M
  18. A
  19. M
  20. J
  21. J
  22. A
  23. S
  24. O
  25. N
  26. D
  27. 2018
  28. J
  29. F
  30. M
  31. A
  32. M
  33. J
  34. J
  35. A
  36. S
  37. O
  38. N
  39. D
  40. 2017
  41. J
  42. F
  43. M
  44. A
  45. M
  46. J
  47. J
  48. A
  49. S
  50. O
  51. N
  52. D
  53. 2016
  54. J
  55. F
  56. M
  57. A
  58. M
  59. J
  60. J
  61. A
  62. S
  63. O
  64. N
  65. D
  66. 2015
  67. J
  68. F
  69. M
  70. A
  71. M
  72. J
  73. J
  74. A
  75. S
  76. O
  77. N
  78. D
  79. 2014
  80. J
  81. F
  82. M
  83. A
  84. M
  85. J
  86. J
  87. A
  88. S
  89. O
  90. N
  91. D
  92. 2013
  93. J
  94. F
  95. M
  96. A
  97. M
  98. J
  99. J
  100. A
  101. S
  102. O
  103. N
  104. D
  105. 2012
  106. J
  107. F
  108. M
  109. A
  110. M
  111. J
  112. J
  113. A
  114. S
  115. O
  116. N
  117. D
  118. 2011
  119. J
  120. F
  121. M
  122. A
  123. M
  124. J
  125. J
  126. A
  127. S
  128. O
  129. N
  130. D
  131. 2010
  132. J
  133. F
  134. M
  135. A
  136. M
  137. J
  138. J
  139. A
  140. S
  141. O
  142. N
  143. D
  144. 2009
  145. J
  146. F
  147. M
  148. A
  149. M
  150. J
  151. J
  152. A
  153. S
  154. O
  155. N
  156. D
  157. 2008
  158. J
  159. F
  160. M
  161. A
  162. M
  163. J
  164. J
  165. A
  166. S
  167. O
  168. N
  169. D
  170. 2007
  171. J
  172. F
  173. M
  174. A
  175. M
  176. J
  177. J
  178. A
  179. S
  180. O
  181. N
  182. D