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Aqui se transcrevem textos, documentos e notícias que se referem à vida em Campo Maior ao longo dos tempos
As quadras que a seguir se transcrevem, referem a situação dos trabalhadores no tempo do Estado Novo. Algumas, de forma divertida, outras clamando contra as duras condições de vida dos trabalhadores, referem a situação dramática dos que, nesse tempo de grande miséria, viviam sujeitos à apertada vigilância dos maiorais e manajeiros e sob a permanente ameaça de despedimento pelos patrões, o que significaria a perda do magro e raro salário que ganhavam, a mourejar de sol a sol, no trabalho do campo. Algumas são também clara manifestação de revolta contra as injustiças e as profundas desigualdades sociais:
Adeus ó Zé Abanão,
Moiral do Chico Corado,
És chefe da inquisição,[1]
Está o povo desgraçado.
Ó meu amor diz-me lá,
Para quê trabalho eu?
Trabalho, mato o meu corpo,
Não tenho nada de meu.[2]
É triste nesta labuta,
Não haver contemplação;
O trabalho é do operário,
Os lucros são do patrão.
Para o rico andar gozando,
É o pobre quem trabalha;
O suor do pobre é doce,
A paga do rico amarga.
No campo da divina luz,
Onde tudo se consome;
Há quem come e não produz,
Há quem produz e não come.
Pedi a Deus que me desse,
Uma vida d’alegria;
Deus então me respondeu,
Trabalha, semeia e cria.
O meu vizinho barbeiro,
Passa a vida alegre à porta;
Eu trabalho noite e dia,
Não passo da cepa torta.[3]
Homem rico é mandrião,
Faz figura de espantalho;
O pobre sempre a sofrer,
E às vezes nem tem trabalho.
Nasci pobre, pobre sou,
Fortuna não me conhece;
Mas enfim, é sorte minha,
Quem mais faz menos merece.[4]
Ó rico tira o chapéu,
Vai um enterro a passar;
É o corpo d’um operário,
Que morreu a trabalhar.
Ó que triste o meu penar,
Ó que triste o meu viver;
Trabalho de sol a sol,
E nem tenho o que comer.
Anda o pobre escravizado,
Toda a vida a trabalhar;
Sem ter direito à reforma,
Quando não puder ganhar.
Se o rico comprara a vida,
Ai do pobre, o que seria;
O rico seria eterno,
Só o pobre é que morria.
Na cidade de Lisboa,
Quem é rico passa bem,
Assim é na minha terra,
E noutra terra também.[5]
Já o sol se vai escondendo,
Vai baixando a escuridão;
É alegria p’ra nós,
Tristeza para o patrão.
Sendo tu rico e eu pobre,
Sem mim não podes passar;
Enquanto eu tiver valor,
P’ra ti hei-de trabalhar.
Quem vive do seu trabalho,
Nada vale com certeza;
O rico nada valendo,
Já pode mostrar grandeza.
Desprezas-me por eu ser pobre,
A pobreza Deus amou;
Não me trocava contigo,
Assim pobre como sou.[6]
Ainda hoje não comi,
Coisa que o Senhor criasse;
Mas já vi o meu amor,
Fiquei como se jantasse.[7]
[1] Repare-se na conotação da palavra inquisição (repressão, opressão, perseguição), numa terra em que, como Campo Maior, devido à política de D. João II de acolher os judeus expulsos de Espanha nas terras de fronteira em Portugal, conheceu a tenebrosa acção do Tribunal do Santo Ofício, nos séculos XVII e XVIII.
[2] Publicada em A Sentinella da Fronteira, nº 135, Elvas, 16 de Julho de 1882, com diferença do 1º verso: Ó minha mãe dos trabalhos,.
[3] Idem, nº 145, Elvas, 20 de Agosto de 1882.
[4] Idem, nº 137, Elvas, 23 de Julho de 1882.
[5]Idem, nº 427, Elvas, 4 de Maio de 1886.
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