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Aqui se transcrevem textos, documentos e notícias que se referem à vida em Campo Maior ao longo dos tempos
Não é fácil demarcar com rigor a data de começo das Festas do Povo de Campo Maior. Sobre as Festas de Campo Maior, as fontes mais antigas apontam para uma origem ligada ao culto de São João Baptista, o santo patrono que figurava no seu antigo brasão. Todos aos anos no dia 28 de Outubro, realizava-se uma missa solene seguida de uma procissão em honra de São João Baptista, na qual participavam solenemente as autoridades municipais que assumiam a organização e despesas de uma festa popular com iluminação nocturna das ruas, havendo bailaricos e descantes populares. Estranha data para tal celebração pois esse dia era consagrado a um outro santo: era o dia de S. Simão.
Mas, em Campo Maior, esta data celebrava o fim do Sítio de de 1712, em que a vila estivera na eminência de se render por falta de condições para continuar a resistir ao terrível poder de fogo dos invasores. A maneira como, as tropas espanholas sitiantes, tinham inesperadamente retirado quando a vila já estava praticamente vencida, foi considerada um milagre atribuído à divina intervenção, por interferência de São João Baptista, Patrono e Protector de Campo Maior. Daí que o dia ficasse assinalado como feriado municipal e se decidisse que, nesse dia, se fizessem festejos em honra do Santo Precursor de Jesus Cristo.
Esta tradição foi mantida, mas com interrupções mais ou menos longas em períodos de grandes crises como a Guerra Peninsular, no início do século XIX, a Revolução Liberalista de 1820 e as guerras civis que se sucederam até meados desse século. Quase no final do século, com a pacificação da sociedade portuguesa, a tradição foi retomada. Mas, devido à instabilidade meteorológica do mês de Outubro, as Festas foram recuadas para o mês de Setembro.
Em 1893, foi um grupo de jovens ligados às actividades de comércio e aos ofícios artesanais de loja aberta, que resolveu reatar a tradição de fazer as Festas em Honra de São João Baptista que, mais uma vez, tinham deixado de se fazer desde meados do século XIX. Estes jovens eram chamados de “artistas” por terem uma “arte” ou ofício não ligado aos trabalhos agrícolas, actividade dominante da população. Daí que essas festas começaram a ser chamadas de Festas dos Artistas. Só mais tarde, na segunda década do século XX, a designação oficial de Festas em Honra de São João Baptista, foi mudada pela de Festas do Povo, significando que passara a ser toda a população que se envolvia na sua realização.
Desde que a tradição foi reatada em 1893, os jovens que promoveram as Festas, traçaram-lhe os projectos que se iriam manter durante quase todo o século XX: ornamentação das ruas e a sua iluminação nocturna, um programa festivo do qual se destacavam as festas de igreja com missa solene e procissão, as alvoradas, os concertos pelas bandas locais ou convidadas de terras vizinhas, as touradas à vara larga, os bailes, os descantes populares e o fogo-de-artifício.
Em Campo Maior costuma dizer-se que as festas se fazem quando o povo quer. Mais adequado seria dizer-se que as festas se fazem quando existem condições para que elas se possam fazer. Por isso, tendo sido concebidas para serem anuais elas têm sofrido muitas interrupções ditadas pelas circunstâncias que determinaram a vida da sua população.
As Festas do Povo de Campo Maior adquiriram desde cedo uma certa pujança a nível regional. Esse facto deve-se à grandiosidade de uma festa que consistia em ornamentar as ruas de toda uma povoação ou, pelo menos da maior parte das suas ruas, usando formas elaboradas de decoração e de iluminação, recorrendo a vegetação natural e a um material de grande efeito decorativo, o papel, utilizado para fazer balões, franjas, lenços, cadeados e bandeirolas e flores. Por isso, estas festas, porque exigiam um considerável esforço e investimento à população local, só se podiam fazer quando a população dispunha de condições económicas favoráveis.
Desde o recomeço em 1893, decorridos que são 118 anos, as festas realizaram-se 35 vezes. Nos primeiros cinquenta anos, mantiveram-se com uma expressão muito localizada, tendo ressonância apenas nas localidades que lhe ficavam vizinhas.
Depois da Segunda Grande Guerra, mais concretamente, nos anos cinquenta, as Festas do Povo de Campo Maior conheceram um extraordinário desenvolvimento. Rapidamente ganharam fama a nível nacional, com crescente projecção para lá da fronteira, aproveitando a tendência para a globalização propiciada pela extensão e aperfeiçoamento dos transportes e das comunicações. As Festas do Povo de Campo Maior foram-se tornando um fenómeno de cultura popular, lugar de grande romaria, apesar de não estarem ligadas a qualquer fenómeno de culto ou de peregrinação.
Estamos, neste ano de 2011, perante a 36ª realização destas Festas. A vila de Campo Maior, neste final de Agosto, decidiu de novo transfigurar-se como se renascesse num turbilhão de formas e de cores. De uma noite para o dia, tudo se irá transfigurar. Os tectos de cordões de flores protegerão as ruas do esbraseamento do Sol. Cada rua terá procurado encontrar uma maneira de se cobrir de ornamentos. Por todos os recantos aparecerá a magia das flores e das ramagens. Haverá rosas, cravos, tulipas e uma miríade de outras flores que, pela sua perfeição, chegam a confundir-nos de tão bem dissimulado estar o artifício de serem flores de papel. Perante tamanha beleza, tornar-se-á inevitável o espanto perante uma obra colectivamente realizada. Seremos levados a pensar como terá sido possível gerar este sortilégio, trazido através do tempo por sucessivas gerações de campomaiorenses. Até quando poderá subsistir tanta magia se vivemos tempos de tão escassos valores e de tão rasteiro pragmatismo?
Provavelmente as Festas do Povo de Campo Maior terão o destino de todos os milagres: existirão até que existam em Campo Maior, mulheres e homens capazes de acreditar que estes milagres podem acontecer. Como todos os fenómenos sociais, as Festas de Campo Maior, para garantirem a sua sobrevivência, vão de ter de evoluir adaptando-se às novas condições da sociedade campomaiorense.
FRANCISCO PEREIRA GALEGO (In, Programa das Festas de 2011)
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