por Francisco Galego, em 16.02.07
O Transtagano (1860 – 1863) - Nº 192, Elvas - Domingo, 2 de Março de 1862
“O Carnaval, pelo menos aquele que se mostra nas ruas e praças, vai definhando cada vez mais…
Com efeito, aquele buliçoso Entrudo doutras épocas não muito distantes, fugiu de nós espavorido e despeitado pela seriedade dos tempos de agora.
O que é feito das orgias saturnais que deleitavam os menos escrupulosos?
Aonde foram refugiar-se esses brinquedos selvagens, não raramente causadores de gravíssimos desgostos, no meio do geral delírio que desvairava as cabeças dos mais circunspectos?
A brutal laranjada, os ovos arremessados de longe, a água derramada em profusão sobre corpos agitados pelo reboliço da ocasião, deixaram de figurar no catálogo das diversões populares nesses dia de febril loucura em que o ciúme dos maridos, a rigidez dos pais e a gravidade das mães, tinha de fechar os olhos a milhares de atrevimentos, a excessos de licenciosidade que, na véspera, ou dois dias depois, fulminariam com todo o rigor da mais austera moral e castigariam com o brio de quem preza o seu decoro e o da sua família.
Vendo banidos esses usos grotescos e imorais, não hesitamos em render homenagem à civilização que, pintando-os em toda a sua hediondez, tem chamado gradualmente o nosso povo a melhor caminho.
Hoje não se toleram certas demasias que a boa razão condena. Cada qual procura divertir-se sem descer da sua dignidade, nem permitir que se falte aos deveres da decência e da boa cortesia. As ruidosas bacanais das ruas ficaram reduzidas á aparição de máscaras inofensivas que a polícia vigia cautelosa.
As perigosas e indecentes assaltadas em que, o decoro das famílias e não poucas vezes o pudor, eram atrozmente ofendidos, cederam o lugar a pacíficas reuniões aonde não são esquecidos os ditames da moral e da boa educação. As cidades de maior vulto recreiam-se com os bailes de máscaras e com as representações de peças mágicas ou burlescas, que mantenham o bom humor e a hilariedade. Nas terras de menor vulto, as assembleias ou círculos recreativos, proporcionam às famílias uma distracção honesta e amena em que não se conhece o bulício da época senão por algumas atitudes de maior jovialidade e pela chuva de papelinhos cortados que cobrem as salas.” (RCM – 17/2/07)