Quantos campomaiorenses saberão que esta nossa terra esteve, há quase 140 anos, condenada a tornar-se uma aldeia de um concelho que teria a sua sede municipal na cidade de Elvas?
Desde 9 de Maio de 1866, no governo do país estavam políticos nos quais se depositavam grandes esperanças. Alguns eram ainda bastante jovens e brilhantes e daí as expectativas de grandes mudanças. Entre eles sobressaíam, o Ministro de Reino Martens Ferrão e o Ministro da Fazenda Fontes Pereira de Melo. Mas, por um lado, a crise do país era profunda porque os problemas eram antigos e de carácter estrutural; por outro lado, os jovens governantes, se eram dotados de saber teórico, eram pouco cientes da realidade social e política em que lhes cabia intervir. Na ânsia de tudo mudar, no mais curto prazo possível, acabaram por impor decisões que suscitaram o descontentamento generalizado.
Entre as reformas propostas sobressaíram, pelo choque que provocaram nas populações, a reforma administrativa e a reforma judicial, porque vinham alterar tradições seculares que não foram nem bem explicadas nem bem entendidas. O descontentamento foi-se acumulando, atingindo o seu máximo no final do ano de 1867, quando se pretendeu dar execução às reformas que tinham sido aprovadas pelo parlamento.
Muitas das vilas que se viram privadas da sua autonomia municipal e destituídas dos seus tribunais judiciais, entraram em revolta aberta contra as decisões governamentais. Entre elas estava a vila de Campo Maior. Vejamos como um jornal de Elvas - Democracia Pacífica, Nº 61 de 3ª-feira 31 de Dezembro de 1867- se referiu, pela pena do grande escritor campomaiorense que foi João Dubraz, a esta situação, quando foi conhecido o teor da reforma publicada pelo Decreto de 10 de Dezembro de 1867:
“A tão esperada e estudada circunscrição administrativa apareceu afinal. Decretou-se a famosa hecatombe concelhia. As ilusões fagueiras esvaeceram-se como fumo, É feia como a morte a fatal realidade. (…)”
“…essa reforma cai como um flagelo sobre as povoações sacrificadas.”
“A nova circunscrição civil, reduzindo a sete os concelhos do distrito de Portalegre, conservou somente dos antigos: Alter do Chão; Avis; Castelo de Vide; Elvas; Monforte; Niza; Portalegre.”
Ao de Elvas tiraram Santa Eulália e Barbacena e juntaram-lhe o de Campo Maior.
“O que causou mais geral espanto foi a reconstrução do de Monforte… a agregação da paróquia civil de Santa Eulália ao concelho de Monforte é uma aberração de todos os princípios razoáveis…”
Campo Maior, mau grado ou bom grado do governo, tem mais de 1.500 fogos na sua população...”
Para termos uma ideia da injustiça desta situação imposta aos campomaiorenses, compare-se a dimensão de outras vilas do Alto Alentejo que eram mantidas como concelhos autónomos, pela nova legislação, tomando a que cada fogo correspondia em média a 4 habitantes: Castelo de Vide,1.400; Alter do Chão, 749; Avis, 869; Monforte, 972; Niza, 1.176 fogos.
Daí que o autor do artigo continuasse:
“...os seis mil cidadãos de Campo Maiorforam espoliados das suas economias e granjeios de sete séculos em favor de Elvas que bem pouco terá para si quanto mais para repartircom os que agora lhe foram agregados.
“Era já duro e bem duro que se extinguisse o concelho de Campo Maior no distrito onde se conservam os de Castelo de Vide, de Niza, de Avis e de Monforte. Mas recusar-se-lhe o regime municipal? Negar-se município próprio à vila que no Alentejo tem mais pessoal?
Ora, ou regime municipal serve para estes e outros casos excepcionais ou é na lei um pleonasmo. Se não é excrescência inútil, dê-se a quem o deve ter para não oprimir quem deve ser independente.”
Mais adiante, noutra página do mesmo jornal, noticiava-se:
“Grande meeting em Campo Maior – Domingo, 15 de Dezembro de 1867, como consequência da nova lei da administração civil aprovada em 10 de Dezembro de 1867.
Em Campo Maior houve um “meeting” na Praça Nova em consequência da anexação daquele concelho a Elvas. Nomeou-se uma comissão composta de 50 indivíduos para representarem ao rei em nome do povo, pedindo o regime municipal para Campo Maior. A extinta câmara dispôs tudo em ordem de modo que não foi alterada a tranquilidade pública.
O povo estava indignado chegando a ouvir-se gritos como: “queime-se o arquivo, que é propriedade nossa e não dos elvenses!”
Para cima de oitocentos cidadãos ocuparam o grande salão dos paços da extinta câmara, a sala de audiências judiciais, as escadas e mais proximidades do edifício. Falaram, em sentido pacífico diferentes cavalheiros da localidade e a assembleia dissolveu-se depois de adoptar algumas resoluções de resistência legal, tendo uma grande comissão delegada assinado, em nome da assembleia, uma representação a el-rei.
Eis o que se diz nessa representação:
“Senhor, - Campo Maior está de luto.
Seis mil cidadãos de todas as condições e estados, acabam de comissionar os cinquenta cidadãos,seus conterrâneos, abaixo assinados, para virem expressar ante o trono de vossa majestade um sentimento que não tem nome, nem espécie na linguagem dos homens; porque é ao mesmo tempo um gemido e um rugido; um acto de energia e um arranco de desânimo.
Ainda ontem, real senhor, Campo Maior era uma vila das mais florescentes do reino; mais populosa do que grande número das cidades que se ufanam dos seus títulos, tão rica e laboriosa como as que primam de activas e opulentas. E vai decairfatalmente do seu estado presente e das suas esperanças, derrubada por um simples rasgo de pena.
Que crime tinha feito esta boa e pacífica povoação? Porque desmereceram tanto os descendentes dos guerreiros de 1712, 1801 e 1811? Porque se eleva Castelo de Vide, Niza, Avis e Monforte, quanto se abate Campo Maior? Que actos de degradação rebaixam esta nobre vila do nível de Almeida, de Aldeia Galega, de Portel e de Gavião?
Mas, ao rei não se fazem perguntas, posto que a queixa seja libérrima na sua forma. Os ministros de vossa majestade não podiam errar e é de crer que tantas mágoas, tão grande desespero, só tenham por causa um lapso, uma inadvertência, um descuido de revisão.
Em toda a circunscrição administrativa não há uma única vila, com as condições de Campo Maior, que não seja sede de concelho. Das quatro a que se concedeu o regime municipal, nenhuma pode sofrer comparação com Campo Maior que dele foi privada.
Por estes fundamentos pois, os abaixo assinados, usando os poderes que lhes foram concedidos pelo grande “meeting” de hoje, pedem a vossa majestade que na folha oficial seja rectificada a omissão que, sem dúvida, houve sobre a concessão do regime municipal, visto que, não só foi proposto pela junta geral, mas até se anunciou em Campo Maior, a toda a população, que fora concedido, por assim ter sido declaradopor um alto funcionário do estado.”
Mas, a vila de Campo Maior, que configurou o seu descontentamento por atitudes de grande ordem e legalidade, não era a única vila a manifestar a sua indignação contra os arbítrios criados por esta reforma.
Houve protestos contra a nova lei da administração nos seguintes concelhos, tendo havido motins de alguma violência em alguns deles: Lourinhã, Belém, Castro Marim(motins muito graves), Alcoutim, Almeida, Gavião, Póvoa de Lanhoso, Cabeceiras de Basto, Olhão, Coruche, Alvito, Vidigueira, Almodôvar, Mangualde, Sátão, Penalva do Castelo, etc.
No dia 29 do corrente, houve eleições para a escolha dos representantes das várias localidades na gestão da câmara do reestruturado e ampliado novo concelho de Elvas. Mas, na assembleia de voto de Campo Maior não houve eleição em consequência dos eleitores não quererem votar.
O ano de 1867 acabava com tempo seco mas muito frio e com uma profunda amargura, provocada por um sentimento de grande injustiça, no coração dos campomaiorenses.
Voltaremos a este assunto para relatarmos como acabou por se resolver a situação.