Copyright Info / Info Adicional
Saltar para: Post [1], Pesquisa e Arquivos [2]
Aqui se transcrevem textos, documentos e notícias que se referem à vida em Campo Maior ao longo dos tempos
Depois do Carnaval, a Quaresma. Depois dos excessos e dos exageros, vem um tempo de sossego e de contenção.
Por temperamento, nunca fui de me envolver neste tipo de manifestações. Mas, nas minhas investigações, fui encontrado referências ao Carnaval de outros tempos e a maneira como era celebrado aqui, em Campo Maior. Por algumas notícias em antigos de jornais, pude aperceber-me das tradições carnavalescas que foram desaparecendo. Uma delas que eu ainda conheci, em tempos da primeira adolescência, antes de sair da vila, era o famoso baile da pinhata. As coisas passavam-se, mais ou menos, do seguinte modo: à mocidade, embalada pelos dias de folia, custava-lhe a despedida do Carnaval. Procurava, portanto, a todo o custo, prolongá-lo evitando mergulhar no período de abstinência que se ia seguir até à Páscoa. Por isso, no primeiro domingo da Quaresma, faziam-se, nas sociedades recreativas, os muito concorridos bailes da pinhata. Esta tradição que era bastante antiga, ter-se-á constituído por influência de Espanha. Penso assim porque me baseio numa notícia publicada num jornal de Elvas, O Transtagano, de 24 de Fevereiro de 1861, onde li o seguinte: este é o nome que tem o baile de máscaras que, no reino vizinho, pelo menos em Badajoz, costuma ter lugar no primeiro domingo de Quaresma. A dar fé neste documento, nessa época, a tradição dos bailes da pinhata ainda não estava implantada em Portugal.
Outra tradição carnavalesca a que ainda assisti foi a batalhas das flores de que encontrei uma preciosa descrição com mais de oitenta anos, no jornal O Campomaiorense que, numa notícia de 1923, descreve o Carnaval com bastante pormenor e numa linguagem bastante colorida. Esta batalha das flores poderá talvez ser considerada o antepassado dos actuais cortejos carnavalescos. Mas a outra, o enterro do carnaval, já não faz parte das minhas recordações. Na notícia que se transcreve parece haver uma continuação da marche aux flambeaux que encontrei descrita em jornais do século XIX. Proponho-vos a leitura da notícia:
“A época carnavalesca teve este ano um brilho desusado e que há muitos anos não tinha nesta vila … Fez-se uso dos saudosos pós pretos, malagueta queimada, talos de couve, águas sujas lançadas das janelas sobre os transeuntes, …esguichos e enfarruscadas…arremessaram-se ovos de cinza e até ovos de verdade…
No domingo e na terça-feira de Carnaval houve festivas batalhas de flores no corso elegante da Canada, onde uma enorme fila de algumas dezenas de coches, landaus, berlindas e cadeirinhas, volteavam para baixo e para cima num rodopio de carrossel. Deram viva nota os carros da elite feminina que se esmerou nas ornamentações a capricho e na confecção das toilettes garridas das senhorinhas. As crianças participaram como cúpidos, pierrots e pequenas fadinhas, animando o ambiente com a sua inocente alegria e as suas estridentes risadas.
Muitos caros artisticamente ornamentados, participaram neste cortejo, brincando-se muito por toda a parte, dos carros para as janelas e das janelas para rua, travando uma autêntica batalha de papelinhos, tremoços, violetas, rebuçados e bombons.
Pelas ruas, mascarados sem conta, luzidias cavalgadas, paródias, cegadas.
Bailes em quantidade. Os que se realizaram em casa dos Srs. Viscondes de Olivã primaram pela distinção. Houve também bailes nas casas do Sr. Barbas, do Sr. José Ramos e na do Sr. João Martins Leitão, nos quais se dançou e cantou até altas horas da madrugada.
Os bailes no Teatro do Castelo foram espampanantes de entusiasmo e os concursos de máscaras provocaram grande entusiasmo. Dançou-se o foxtrot, o two-step, o jazz-band, bem como danças regionais e nacionais.
No Grémio brincou-se, riu-se e dançou-se. Disseram-se frases de espírito e esboçaram-se alguns namoros. Várias senhoras da nossa melhor sociedade cantaram árias e canções para deleite dos que as puderam escutar.
Quando o baile terminou – 8 da manhã! – já o sol doirado e brilhante se espraiava alegre e contente pelas ruas da vila.
Para em tudo ser completo, o Carnaval terminou no enterro do Entrudo com a sua imponência macabra e tétrica, como se pode ajuizar pelas centenas de fantasmas envoltos em lençóis brancos, formando duas longas filas, conduzindo tocheiros acesos, numa guinchadeira de pranto infernal…
Atrás o esquife funerário seguido pela banda que executava com muito sentimento e profunda mágoa a marcha fúnebre de Chopin…
De vez em quando o cortejo parava para ser entoada a magistral oração do bacalhau a pataco por um sumo-sacerdote de voz de cana rachada.
Acabou-se o Carnaval. O Entrudo ficou morto e enterrado. Que descanse em paz até ao novo ano.”
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.