No meio do confrangedor panorama que nos apresenta a vida política actual, é com grande satisfação que escrevo estas linhas sobre um político português que merece particular destaque pela maneira distinta como tem desenvolvido a sua actuação ao longo de uma notável carreira política.
Jorge Sampaio pertence à geração que me antecedeu na frequência da Universidade de Lisboa. Quando cheguei para frequentar a Faculdade de Letras, era ele aluno finalista do curso de Direito.
Estavam no apogeu os grandes movimentos de juventude que caracterizaram os anos sessenta. Lembro-me de assistir às grandes assembleias de estudantes no Estádio Universitário, com números tão elevados de presenças que o campo utilizado para a prática do râguebi e do futebol ficava apinhado de estudantes. Isto apesar da omnipresente vigilância dos agentes da PIDE.
Eu, jovem caloiro, ficava a observar com admiração atenta aquele jovem de sardas e cabelo ruivo que dirigia com tanta segurança e rigor tamanha massa de gente. Impunha silêncio sem dificuldade e sem recorrer a grandes gestos ou gritos. Expunha as suas ideias com clareza, sem recorrer a truques de demagogia. Como eu integrava a direcção da Pró-Associação dos Estudantes de Letras e ele dirigia a Associação de Direito, ainda pude também observar a firmeza com que dirigia as reuniões entre representantes das associações das escolas de Lisboa (RIA).
Depois fui seguindo de longe a sua carreira como político sem que, em algum momento, tivesse encontrado motivo que me levasse a desmerecer na admiração que desde início lhe tinha dedicado.
Fez carreira como advogado. Após o 25 de Abril, integrou o Movimento de Esquerda Socialista (MES), vindo a aderir ao Partido Socialista (PS) em 1979. Dez anos depois, em Janeiro de 1989, faz precisamente vinte anos hoje, dia em que escrevo estas linhas, foi eleito Secretário-Geral do PS, candidatando-se, logo depois, à presidência da Câmara Municipal de Lisboa. Contrariando as tendências dominantes na época, rompendo tabus e preconceitos que dilaceravam já então a esquerda, constituiu a coligação “Por Lisboa”, na qual se integraram “Os Verdes”, o MDP/CDE, o PSR e o PCP. A coligação derrotou Marcelo Rebelo de Sousa e Jorge Sampaio tornou-se Presidente da Câmara Municipal de Lisboa em 17 de Dezembro de 1989.
Em 1992, perdeu para Guterres o cargo de Secretário-Geral do PS. De acordo com a integridade de carácter que sempre o distinguiu, aceitou com tanta serenidade a derrota como a que tinha assumido quando se tratara de celebrar as vitórias.
Voltaria à ribalta em 14 de Janeiro de 1996, quando venceu Cavaco Silva na eleição para a Presidência da República. Desempenhou com particular relevo e distinção o cargo de mais alto magistrado da nação até ao ano de 2006. Depois, em 26 de Abril de 2007, foi convidado por Kofi Annan para colaborar com a Organização das Nações Unidas (ONU) desempenhando cargos e missões a nível internacional. Assim, assumiu primeiro o cargo de enviado especial para a luta contra a tuberculose e, depois, o de representante da ONU para a Aliança das Civilizações.
Vêm estas recordações a propósito do artigo de opinião que Jorge Sampaio publicou no Diário de Notícias, no passado dia 12 de Janeiro, sob o título de “Cinco Reflexões Sobre os Desafios de uma Estratégias Nacional”.
Neste artigo, começa por analisar os pontos fortes e fracos do nosso país face à situação actual, para encontrar as razões que permitam lançar as ideias fundamentais que estruturem um projecto para Portugal, para os próximos dez a quinze anos. A sua reflexão parte da constatação de que existem vectores que possam suportar essa estratégia: a própria comunidade nacional, como nação muito antiga, de estrutura universalista, de forte identidade e de sólida unidade, sem conflitos internos graves, sem problemas de fronteiras; a solidez das nossas instituições democraticamente legitimadas por uma experiência de mais de trinta anos; a inserção do Estado Português como entidade autónoma e independente no sistema político internacional; a condição de ser parte integrante da União Europeia e de participante noutras alianças quer europeias, quer mundiais. Tudo isto confere a Portugal um prestígio que faz com que o seu peso, a nível internacional, seja muito superior ao da sua dimensão geográfica, porque a “influência de um país na cena internacional não se mede só em função da dimensão do território, da população ou do PIB, mas também da sua atitude afirmativa, empreendedora, valorizante e cooperativa, da sua capacidade em acrescentar valor, em se afirmar como parceiro credível da comunidade internacional…” (DN, 12/1/09)
Este trabalho, constitui um notável contributo para melhor se conhecerem as circuntâncias presentes e as perspectivas futuras do nosso país e do nosso regime democrático. Nele são apresentadas as linhas fundamentais que devem estruturar o futuro e para servirem de orientação nas opções a tomar, na condição de que haja “coragem para rejeitar o facilitismo, o populismo e a demagogia, fazendo o que é preciso fazer”. (Idem, ibidem)