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A “CLASSE ARTÍSTICA” DE CAMPO MAIOR

por Francisco Galego, em 30.09.17

O artigo publicado no jornal elevense O Transtagano de que, entre os anos de 1860 e 1863, se publicaram 306 números, dá-nos interessantes informações sobre um importante estrato da sociedade campomaiorense na 2ª metade do século XIX.

Esse estrato designado como a “classe artística”, viera crescendo de importância desde a consolidação do “Liberalismo”, a partir de meados do século XIX. Os chamados “artistas” eram os artesãos organizados em oficinas onde os mestres dos diversos ofícios, os oficiais ao seu serviço e os aprendizes, se dedicavam à produção dos bens essenciais, desde o vestuário e calçado até ao fabrico dos mais diversos utensílios e ferramentas.

Na sua maioria, tinham frequentado a escola de “primeiras letras” e alguns mantinham, ao longo da sua vida o hábito da leitura. Daí o desenvolvimento do jornalismo a nível local e regional.

A sua presença e influência ficou muito marcada na vida cultural da vila como participantes em actividades como as filarmónicas, as sociedades recreativas, a organização e participação nos eventos recreativos e culturais.

No caso da vila de Campo Maior, essa presença foi tão marcante que, na fase final do século, os tradicionais “Festejos em Honra de S. João Baptista”, começaram a ser designados como a “Festa dos Artistas”, por serem principalmente eles os organizadores e animadores da sua realização.  

Ora, a descrição que este jornal publicou, permite ter uma ideia da importância e diversidade deste grupo socio-profissional na comunidade campomaiorense desse tempo.

Joaquim Caetano Sereja – ferrador

José Pedro de Matos – idem

João António da Silva – latoeiro

Manuel António Ruivo – barbeiro

João da Matta Patrão – algibebe

Luís Maria Cordeiro – serralheiro

José António Cordeiro – idem

António dos Santos Brito – peleiro

José António de Bastos – idem

Francisco Jorge Motta – forneiro

José Rodrigues Pirão – sangrador

José Afonso Antunes – alfaiate

José Joaquim Gregório – idem

Francisco Camilo – idem

Francisco Mexia - idem

Francisco Marques Terrinca – idem

António Luís Ramos – idem

João Francisco de Mattos Maudinheiro – idem

Manuel Máximo Ramos Maudinheiro - idem

João Filipe – carpinteiro

Estêvão José Queiroz – idem

Manuel Gomes Lata – idem

João Francisco Rosado – idem

João José da Cunha Leitão – idem

Bernardo António Lata – idem

Elias Francisco – sapateiro

Manuel dos Reis Coelho – idem

José Martins Batuca – idem

João António Passão – idem

Manuel Lopes Soveral – idem

Francisco Lopes Soveral - idem

João António de Bastos – idem

João Lopes Themudo – idem

Januário António Cordeiro – idem

Luís José Maria – idem

Guilherme Caprino – idem

João Baptista da Gama – idem

Manuel Martins – idem

Pedro de Sousa – idem

João da Gama – idem

José António de Sousa Mourato – idem

Manuel Rodrigues p. Bessa – idem

Francisco Nunes da Fonseca – idem

José de Assumpção Aldeia – idem

Maurício José da Silva – idem

Joaquim do Carmo – idem

José Lino de Paiva – idem

João António de Sousa – ferreiro

João Severino Pilar – idem

Francisco António Bastos – idem

Joaquim António Bastos – idem

João José de Mattos- idem

João Francisco Pilar – idem

António Joaquim da Motta – idem

Se não falhei nas contas, temos aqui indicados 12 oficios, onde se empregavam 52  mestres e oficiais, não estando incluidos os que se entregavam ao comércio, os que prestavam outros serviços, bem como  outras ocupações que não estariam relacionadas com os trabalhos agrícolas, porque  estes constituíam outro estrato e eram designados como os do campo ou rurais, sendo  neles que  se ocupava a maioria da população.   

(In, O Transtagano, Elvas, 1/7/1860)

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publicado às 00:03


CAMPO MAIOR - ESTRADAS MUNICIPAIS

por Francisco Galego, em 27.09.17

Ainda bem que no dia 10 começou a construção da estrada de Campo Maior a Ouguela, tendo vindo a toda a pressa um condutor de trabalhos para convenientemente a dirigir. A tempo foi, porque a crise podia tornar-se séria.

Agradecemos ao nosso amigo Sr. Graça a sua prontidão em aceder ao que se lhe pediu neste jornal e também enviamos os nossos agradecimentos à comissão de viação do distrito e á municipalidade de Campo Maior, visto que estas corporações, uma aprovando o traçado, outra instando pela pronta aprovação, fizeram o que em si estava para se acudir em demora às precisões da subsistência que já afligiam muita gente.

 

Parece que há algumas duvidas sobre ao traçado da estrada para o cemitério, pois, havendo dois estudos, se tem hesitado na preferência. Um deles, aproveita parte da estrada de Elvas e daí abre um ramal para o cemitério; o outro segue num caminho para Badajoz.

O ramal é evidentemente mais barato; mas a estrada pelo leito antigo é, a nosso ver, mais conveniente à povoação:

1º- Porque o trajecto é mais curto, quase por metade;

2º- Porque com o correr dos tempos, se poderá aproveitar esta fracção da estrada, quando vier a fazer-se a que guie a Badajoz – estrada que aliás é precisa e utilíssima até por facilitar o fisco;

3º- Porque embelezará aquele lado do campo e deve constituir um passeio, não sem mérito, para aqueles que acham poesia nas melancólicas recordações dos que amaram em vida.

O primeiro lanço da estrada de Elvas nada tem de ameno, por ser destituído de arvoredo em razão da falta de fundo do terreno; mas não acontecerá isso à nova estrada, a qual deverá ter aterros e algumas obras de arte, ficando por isso mais apta para a arborização e outros aformoseamentos.

Nós entendemos, além disso, que em construções esta ordem não se deve ser inexorável. A conveniência geral pode muitas vezes combinar-se com a particular, decente e justa.

Se se preferisse o ramal, este iria cortar em dois um excelente ferragial, que passa por ser a principal propriedade daquela espécie no concelho e, por isso, a expropriação, apesar de caríssima, causaria grade desgosto ao proprietário. Entretanto, se preferido o antigo leito, como, assim mesmo, a estrada cortaria ainda as extremidades do ferragial, decerto o dono cederia grátis o terreno que fosse expropriado.

A verdade é esta e por isso nós pronunciamo-nos francamente pela maior conveniência da estrada pelo leito antigo, embora se gastem mais algumas dezenas de mil réis: o que se gastar demais vai para a mão de quem tem grandes precisões; o que se há-de dar em expropriações, necessariamente caprichosas, é melhor gastá-lo em jornas que matam a fome dos pobres.

(J. Dubraz, In, Democracia pacífica, Nº 69, Elvas, 15/3/1868).

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publicado às 00:03


ELVAS: S. MATEUS E SENHOR DA PIEDADE

por Francisco Galego, em 25.09.17

A Feira de São Mateus em Elvas e a Romaria ao Senhor da Piedade tiveram o seu período de maior esplendor entre meados do século XIX e meados do Século XX. O texto que segue retrata com bastante precisão a dimensão deste acontecimento:

…Noite fora vai chegando gente dos mais variados locais. Vêm de Campo Maior e de Vila Boim, da Terrugem e de Santa Eulália, de Varche e de São Vicente, de Barbacena e de Vila Fernando. Sobre um talude que domina o Parque da Piedade, onde se efectua a feira, vão-se agrupando os carros, roda contra roda, varais ao alto, as bestas desaparelhadas e presas atrás, tasquinhando a erva. Os canudos das coberturas dos “churriões”, os tejadilhos planos das carrinhas, formam pequenas casas a que não faltam garridas cortinas de chita ou “cretone” formando portas graciosas. Para fora saem as cadeiras de fundo de buínho, os fogareiros de ferro, os tachos de barro, o farnel.

Nédias galinhas ainda vivas, atam-se às rodas dos carros, na mira de engordarem um pouco mais à custa de punhados de cevada que, guardadas ainda estão para matança do último jantar. Na frigideira de ferro estanhado fritam-se os bocados de coelho – o cocho frito – como lhe chamam, e um odor a um tempero esquisito e a saborosa banha de porco exala-se no ar.  (…)

“Tradicionalmente, os romeiros acampam, consoante as terras, em sítio determinado: nos olivais ao Norte da Igreja, os de Varche, Vila Boim, Vila Fernando, Santa Eulália, Borba, Vila Viçosa, Estremoz, Évora, Veiros, Alandroal e outros daquelas bandas; no olival da família Vasconcellos, a Sul, os da Ribeira de Anha-loura e aldeias próximas; os de Campo Maior e Badajoz, que dantes (quando a Feira se fazia no Rossio do Calvário) ficavam nas imediações da ermida de Nossa Senhora da Nazaré, distribuem-se presentemente pelo olival do sr. Joaquim Alfredo de Sá e Almeida Júnior, juntamente com os de Olivença, que costumavam acampar no ferragial da horta de S. Paulo; mais abaixo, à entrada da Avenida, é o acampamento dos ciganos, que lêem a “sina” e fazem espantosas transacções de gado; os de Barbacena, Monforte, Vaiamonte e Orada fixam-se pela Tapada da Saúde, uns, e outros pela mata.

         Nalgumas freguesias, como Barbacena, era de ver a chegada dos romeiros de Monforte, Vaiamonte, Alter do Chão e Alpalhão! Vindo em filas, onde imperava a alegria, atingiam aquela povoação ao lusco-fusco do dia 19 e aí pernoitavam, mas ninguém conseguia pregar olho, pois todos cantavam e bailavam na mais franca confraternização. Os habitantes de Barbacena aguardavam sempre, com ansiedade, “as alpalhoeiras”, pois assim designavam essa ruidosa reunião, que só terminava quando lá para as 5 ou 6 da manhã todos se punham novamente em marcha a caminho da Piedade.

         Nos nossos dias, as carreiras das camionetas mataram, em grande parte, estas usanças tão simples, tão puras, tão características, que já só vão sendo recordadas, com saudades infinitas, pelas pessoas mais velhas.

         Contudo, não diminuiu, antes parece que aumentou, a concorrência aos Arraiais e principalmente na noite de 21, a Piedade é um autêntico mar humano. “A Ordem” um pequeno jornal que se publicava em Elvas, Calculou de 20 a 30.000 o número de romeiros no arraial de 1889, e hoje pode aceitar-se como bastante aproximada a última daquelas cifras.

(…)

Pese aos meios de transporte muito mais rápidos, que permitem a quantos os utilizam virem todos os dias ao Arraial e regressarem a suas casas lá para as 2 horas da madrugada, no ano findo ainda se reuniram nas vizinhanças do Parque umas boas centenas dos inconfundíveis “churriões”, o que não nos fez, porém, esquecer que, ( segundo o Correio Elvense, de 19 de Setembro de 1891),em 1891 houve quem contasse o bonito número 2.500!  

GAMA, Eurico (1965). O Senhor Jesus da Piedade de Elvas. Elvas: Tipografia Casa Ibérica. (Páginas 223 a 239)

 

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publicado às 23:09


ELVAS: S. MATEUS E SENHOR DA PIEDADE

por Francisco Galego, em 24.09.17

A Feira de São Mateus em Elvas e a Romaria ao Senhor da Piedade tiveram o seu período de maior esplendor entre meados do século XIX e meados do Século XX. O texto que segue retrata com bastante precisão a dimensão deste acontecimento:

…Noite fora vai chegando gente dos mais variados locais. Vêm de Campo Maior e de Vila Boim, da Terrugem e de Santa Eulália, de Varche e de São Vicente, de Barbacena e de Vila Fernando. Sobre um talude que domina o Parque da Piedade, onde se efectua a feira, vão-se agrupando os carros, roda contra roda, varais ao alto, as bestas desaparelhadas e presas atrás, tasquinhando a erva. Os canudos das coberturas dos “churriões”, os tejadilhos planos das carrinhas, formam pequenas casas a que não faltam garridas cortinas de chita ou “cretone” formando portas graciosas. Para fora saem as cadeiras de fundo de buínho, os fogareiros de ferro, os tachos de barro, o farnel.

Nédias galinhas ainda vivas, atam-se às rodas dos carros, na mira de engordarem um pouco mais à custa de punhados de cevada que, guardadas ainda estão para matança do último jantar. Na frigideira de ferro estanhado fritam-se os bocados de coelho – o cocho frito – como lhe chamam, e um odor a um tempero esquisito e a saborosa banha de porco exala-se no ar.  (…)

“Tradicionalmente, os romeiros acampam, consoante as terras, em sítio determinado: nos olivais ao Norte da Igreja, os de Varche, Vila Boim, Vila Fernando, Santa Eulália, Borba, Vila Viçosa, Estremoz, Évora, Veiros, Alandroal e outros daquelas bandas; no olival da família Vasconcellos, a Sul, os da Ribeira de Anha-Loura e aldeias próximas; os de Campo Maior e Badajoz, que dantes (quando a Feira se fazia no Rossio do Calvário) ficavam nas imediações da ermida de Nossa Senhora da Nazaré, distribuem-se presentemente pelo olival do sr. Joaquim Alfredo de Sá e Almeida Júnior, juntamente com os de Olivença, que costumavam acampar no ferragial da horta de S. Paulo; mais abaixo, à entrada da Avenida, é o acampamento dos ciganos, que lêem a “sina” e fazem espantosas transacções de gado; os de Barbacena, Monforte, Vaiamonte e Orada fixam-se pela Tapada da Saúde, uns, e outros pela mata.

         Nalgumas freguesias, como Barbacena, era de ver a chegada dos romeiros de Monforte, Vaiamonte, Alter do Chão e Alpalhão! Vindo em filas, onde imperava a alegria, atingiam aquela povoação ao lusco-fusco do dia 19 e aí pernoitavam, mas ninguém conseguia pregar olho, pois todos cantavam e bailavam na mais franca confraternização. Os habitantes de Barbacena aguardavam sempre, com ansiedade, “as alpalhoeiras”, pois assim designavam essa ruidosa reunião, que só terminava quando lá para as 5 ou 6 da manhã todos se punham novamente em marcha a caminho da Piedade.

         Nos nossos dias, as carreiras das camionetas mataram, em grande parte, estas usanças tão simples, tão puras, tão características, que já só vão sendo recordadas, com saudades infinitas, pelas pessoas mais velhas.

         Contudo, não diminuiu, antes parece que aumentou, a concorrência aos Arraiais e principalmente na noite de 21, a Piedade é um autêntico mar humano. “A Ordem” um pequeno jornal que se publicava em Elvas, Calculou de 20 a 30.000 o número de romeiros no arraial de 1889, e hoje pode aceitar-se como bastante aproximada a última daquelas cifras.

(…)

Pese aos meios de transporte muito mais rápidos, que permitem a quantos os utilizam virem todos os dias ao Arraial e regressarem a suas casas lá para as 2 horas da madrugada, no ano findo ainda se reuniram nas vizinhanças do Parque umas boas centenas dos inconfundíveis “churriões”, o que não nos fez, porém, esquecer que, ( segundo o Correio Elvense, de 19 de Setembro de 1891),em 1891 houve quem contasse o bonito número 2.500!  

GAMA, Eurico (1965). O Senhor Jesus da Piedade de Elvas. Elvas: Tipografia Casa Ibérica. (Páginas 223 a 239)

 

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publicado às 09:04


A FEIRA DO S. MATEUS EM ELVAS

por Francisco Galego, em 22.09.17

 

Tempos houve em que cada povoação tinha as suas próprias festas e romarias. Mas, algumas delas, por motivos religiosos, ou pelo brilho das suas realizações, atraíam gente de outras terras, tornando-se famosas como locais de trocas, de diversão e de peregrinação.

No Alto Alentejo, sobressaía entre todas a Feira de São Mateus, em Elvas. A Feira de São Mateus remonta ao século XVI pois, segundo os investigadores, terá começado a funcionar entre 1525 e 1574. Cerca de duzentos anos mais tarde, veio associar-se-lhe uma peregrinação que, a partir de 1737, se começou a fazer no sítio onde se construiu o santuário do Senhor Jesus da Piedade. Tanto a feira, como a romaria, ganharam grande importância entre as gentes do Alto Alentejo, tanto mais que a sua realização, coincidindo com o equinócio do Outono, marcava o período em que se dava por encerrado um ano agrícola e se começavam a tomar as disposições para o arranque do ano agrícola que se ia seguir.

As pessoas, em grande parte as que estavam mais ligadas ao trabalho nos campos – aproveitando a romaria pela devoção, e a Feira de São Mateus por ser local de trocas muito necessárias às actividades agrícolas –, deslocavam-se a Elvas para aí permanecerem durante os três dias que durava o evento. Os transportes eram, nesses tempos, difíceis e lentos. Em volta do terreno da feira, formavam-se grandes acampamentos de gente vinda de quase todas as terras desta região.

Para além da grande diversidade de gentes que acorria a este evento, alguns vindos de terras bem distantes, é interessante constatar que, entre essas terras, tomavam relevo as gentes de Olivença, o que indica que eram ainda muito fortes os laços culturais que ligavam os oliventinos a Portugal.

 

 

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publicado às 18:50


GESTOS OUTONAIS

por Francisco Galego, em 21.09.17

Lentamente
aproximou a mão.
Colheu um fruto.


Com gestos ancestrais,
retirou-lhe a casca.


Levou-o à boca.
E, logo a língua
lhe pesou o gosto,
maduro e denso.


Tudo fazia sentido.
Tudo estava certo.


Como um saber antigo,
simples, preciso e exacto.

 

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publicado às 11:48


APRESENTAÇÃO DE...

por Francisco Galego, em 17.09.17

" CAMPO MAIOR NA OBRA DE JOÃO DUBRAZ, EM 16 DE SETEMBRO DE CAMPO MAIOR NA OBRA DE JOÃO DUBRAZ, NO AUDITÓRIO DO CENTRO DA CIÊNCIA DO CAFÉ, EM 16 DE SETEMBRO DE 2017, PELAS 17 HORAS. EM 2 VOLUMES:

1. MEMÓRIAS HISTÓRICAS DE CAMPO MAIOR;

2. MEMÓRIAS CONTEMPORÂNEAS (1828-1868)

 

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Começo por colocar duas questões:

 

PORQUE ESTAMOS HOJE, AQUI, NESTE LOCAL?

TRATA-SE AFINAL DE FAZERMOS O QUÊ?

 

Este tique de começar a tratar de um assunto fazendo perguntas para depois me ocupar em lhes responder ficou-me como hábito, do meu ofício de professor. Afinal, aprender é procurar respostas para as dúvidas que temos sobre aquilo que devemos saber. Por isso, pareceu-me bem que, antes de começar esta conversa convosco, devesse tentar responder a estas questões, para ver se concordamos na razão que aqui nos trouxe.

Comecemos, portanto, a tentar responder.

O que melhor define uma comunidade, como esta em que vivemos, é a sua cultura, marca essencial da sua identidade. Ou seja, cultura entendida como património que preserva o nosso passado e a nossa memória e cultura como criação que, devido ao nosso esforço colectivo, prepara o futuro das novas gerações.

E é isso que aqui nos trouxe hoje. Viemos aqui para tentarmos recuperar a memória da nossa terra, conservada com tanto esforço e com imenso sucesso pela obra de um homem que eu assumo considerar como um dos expoentes máximos da cultura campomaiorense.

 

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Chamou-se João Dubraz.  Aqui nasceu, aqui viveu e aqui morreu, tendo-se ausentado muito poucas vezes, e por períodos muito breves, desta nossa mátria, Campo Maior. Sim, eu digo mátria quando me refiro à nossa terra, porque, se a pátria designa o território, a comunidade, o povo, a história e a língua, em que nos integramos como portugueses, eu digo mátria, para designar a terra-mãe onde nascemos, onde nos criámos e onde adquirimos alguns dos sentimentos que nos definem como campomaiorenses.

Vamos tratar de um assunto que, sobretudo, tem a ver com o passado. Logo, trata-se de algo que tem a ver com a História. Para melhor se entender o que vos pretendo comunicar, permitam-me que, primeiramente, vos diga algo sobre a minha maneira de entender esta disciplina social a que chamamos a História. Há os que tendem a entendê-la como um relato ou narrativa do que se passou em tempos idos. Eu, como professor de História, procurei seguir outra linha de pensamento que começou a ser teorizada por Cícero, filósofo romano do século I A.C., ao considerar a História como “a mestra da vida” e que, nesta linha de pensamento, foi muito bem definida por Theodor Mommsen, historiador alemão do séc. XIX, como a “mãe e a mestra da economia e da política”.

Eu, perdou-se-me a imodéstia, procurei que, a disciplina que me cabia orientar na formação das novas gerações, fosse a trave mestra da sua educação e da sua aprendizagem para obterem conhecimentos sobre a evolução das comunidades humanas.

Se pode ser verdade que o hábito não faz o monge, não deixa de ser verdade que, o ter-se sido monge, poderá modelar bastante o nosso carácter. Quero com isto prevenir-vos de que, sempre que se trata de História, as minhas concepções são moldadas pela maneira como entendo esta área do conhecimento e isso tem a ver com a minha profissão: ser professor. 

Venho aqui apresentar-vos uma obra em duas partes. Na primeira juntei as memórias históricas que João Dubraz foi recolhendo, com o objectivo de dar a conhecer os principais acontecimentos que, ao longo dos séculos, tinham marcado a história de Campo Maior. Mas, porque João Dubraz não foi apenas um homem da cultura, mas, também um homem da acção e que, pelo seu conceito de cidadania, se sentia obrigado a assumir certos compromissos, no segundo volume juntei, para nossa memória e para memória futura, a descrição dos acontecimentos em que ele teve participação relevante, porque, vivendo numa época de grandes conflitos e de grandes mudanças teve, por vezes, de enfrentar perigos que colocaram em grande risco a sua própria vida e o conforto dos seus famíliares e amigos.

Ao relato dos factos por ele presenciados, alguns dos quais com a sua participação e responsabilidade directa, dei o nome de memórias contemporâneas.

 

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João Dubraz foi ao longo de quase toda a sua existência de setenta e sete anos, um exemplo de integridade, de coerência e de coragem, em defesa das causas concordantes com os seus principios, com as suas ideias e com as suas opções de vida. 

Esta obra que aqui se apresenta, contém os escritos que este autor publicou, numa obra a que deu o título de Recordações dos Últimos Quarenta Annos, publicada em 1868 e que, com grande supresa do seu autor, esgotou rapidamente, pelo que teve uma 2ª edição, em 1869, que logo também esgotou.

A Câmara Municipal de Campo Maior, fez dela uma edição em cópia fac similada¸em 1997 que, segundo julgo, está também esgotada.

 

Foi por ter considerado ser muito grande o seu valor, que eu achei que se tornava urgente e necessário fazer a sua reedição. Este projecto teve logo o apoio, tanto da Câmara Municipal de Campo Maior, na pessoa do seu presidente, Ricardo Pinheiro, que desde logo disponibilizou os recursos técnicos e humanos, como da Delta Cafés, na pessoa do seu administrador, senhor João Manuel Nabeiro que, como já antes tinha feito com outras obras por mim apresentadas, mais uma vez, assumiu patrocinar esta edição.

Creio que, no âmbito de uma política cultural, poucas medidas seriam mais merecedoras de acolhimento. Em primeiro lugar, porque João Dubraz tem sido injustamente esquecido. Mas, principalmente, porque o conhecimento da sua obra revela o que de mais importante existe sobre a história de Campo Maior. Por isso, achei que se tornava urgente e necessário, fazer a sua reedição.  Mas também, em meu entender, porque a obra de João Dubraz não se limita ao livro, antes referido. Na verdade outros livros por ele publicados são hoje quase desconhecidos. E, também, porque grande parte dos seus escritos, alguns de grande importância, foram apenas publicados nos jornais da época, daí serem do conhecimento de um número muito restrito de pessoas. Por estas razões, procurei fazer uma nova edição, tão completa e significativa quanto possível e tão crítica e explicativa quanto estivesse ao alcance dos meus conhecimentos e das minhas capacidades.

Tratando-se de uma obra produzida há quase dois séculos, optei por usar uma linguagem e uma escrita actualizadas, portanto, bastante diferentes das que, então, João Dubraz utilizava. E também, porque nela são referidos personagens e factos que só adquirem significado, mediante uma empenhada e bem orientada investigação, julguei que seria útil juntar ao texto as notas explicativas que facilitassem a sua compreensão.

Dado o inegável facto de esta obra ser tão importante para preservação da nossa memória e de estar tão esquecida e ser tão ignorada como é ignorado o próprio autor que a criou, acabei por me impôr, o dever de elaborar um 3º volume com o título de: Vida e Obra de João Dubraz.

 

Também este livro já está concluido.  Mas, será apresentado no contexto da celebração do Bicentenário do Nascimento de João Dubraz, programada para o próximo dia 21 de Janeiro, o dia do seu nascimento, em 1818.

Tive o atrevimento de pensar que, neste domínio, poderia trazer mais um contributo interessante para o fim que me propunha alcançar. Não me faltou nem o interesse, nem o empenho para realizar esta tarefa. De qualquer modo, tratava-se de realizar um projecto a que, na medida do possível, me fui dedicando, desde os tempos em que frequentei o curso de História, na Faculdade de Letras de Lisboa. Claro que a prioridade dos meus deveres como professor, não me deixou o tempo que seria necessário para concluir, mais cedo, este projecto. Mas agora, noutro tempo e com outra disponibilidade, aqui estou para dar conta do trabalho desenvolvido. Para começo, entendo que devo explicar claramente ao que venho, ou seja, os objectivos e intenções deste projecto que são:

- Em primeiro lugar, dar a conhecer a obra de João Dubraz, que considero o mais notável e empenhado escritor de Campo Maior, pois que, além de ter escrito uma obra de considerável extensão é, pela sua inteligência, pela grande cultura que adquiriu e pela integridade do seu carácter, uma fonte muitíssimo importante para o conhecimento da história desta “mátria”, ou seja, da “terra mãe” que serviu de berço e de palco aos que, como ele, aqui cresceram e aqui viveram, como é o caso de alguns dos que aqui estão presentes;

- Seguidamente para tentar justificar porque dou tanta importância a este autor e à obra que nos deixou como testemunho e que é uma peça importante do nosso património cultural como campomaiorenses;

- Em terceiro lugar, para sublinhar a importância que a sua obra tem para que, os que nos querem conhecer, encontrem nela tudo o que nela possa ser merecedor de atenção, pelas preciosas informações que ela contém.

 - Em quarto lugar, porque um escritor só pode ser conhecido através da leitura das obras que nos deixou. Por isso, convém que essas obras estejam disponíveis e nos sejam acessíveis. Essa foi a razão porque a minha preocupação fundamental foi, acima de tudo, tornar acessível e facilitada a leitura das obras deste nosso conterrâneo.

 

Porque considero que não há qualquer exagero no que digo, permitam-me que partilhe convosco que, esta obra em dois volumes, que aqui estou a apresentar e mais o terceiro que será apresentado em breve, pertencem ao conjunto dos três volumes que resultaram do projecto que comecei a desenvolver há mais de quarenta anos.

 

No início dos anos 60 do século passado, eu tinha começado a frequentar o curso de Filosofia, na Universidade de Lisboa.

Um dia, um amigo trouxe-me o recado de que, João Ruivo, nosso conterrâneo, estava muito interessado em falar comigo.

João Ruivo era alguém de quem eu já ouvira falar por ser também um nome notável da cultura campomaiorense.

Em relato muito abreviado, digo-vos que fui visitá-lo e que, na conversa que então tivemos, me disse que tinha algumas referências a meu respeito. João Ruivo que, nessa época, tinha já uma avançada idade, falou-me da mágua que sentia por já não poder manter o projecto de se dedicar a estudar e a divulgar a obra de João Dubraz. Por isso, ao saber que eu estava por perto, pensara em delegar em mim a continuação dessa tarefa.

Fiquei bastante admirado. Argumentei que, além da minha quase nula preparação para o efeito, os meus interesses e projectos de vida estavam então orientados para áreas muito diferentes.

Surpreendeu-me com a seguinte declaração:

Que sabia que assim era, mas só queria entregar-me um documento com as referências bibliográficas sobre a história de Campo Maior, bem como os dados que possuía sobre a obra de João Dubraz.

Que tinha a esperança de que, um dia, eu iria tomar em consideração a importância do que naquele momento me entregava.

Fiquei tão intrigado com aquela proposta que comecei logo a ir para a Biblioteca Nacional procurar informações sobre aquele João Dubraz de cuja obra acabara de tomar conhecimento e das obras sobre Campo Maior que estavam na lista dactilografada que ainda hoje guardo comigo.

Confesso que, apesar da fraca preparação que nessa época tinha, fiquei desde logo bastante impressionado.

 

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Evitando entrar em pormenores, alguns anos depois, tendo já iniciado a minha vida como professor, resolvi voltar à faculdade para remediar o desencanto que para mim fora o curso de Filosofia, inscrevendo-me no curso de História.

Ora, após o 25 de Abril de 1974, a faculdade, abrira turmas para trabalhadores estudantes que antes não tinham podido frequentar os cursos por incompatibilidade de horários. Foi assim que eu e muitos outros, em iguais condições, pudemos regressar para continuarmos os nossos estudos. 

Entretanto, o quadro docente da faculdade renovara-se com a admissão ou readmissão de notáveis intelectuais, que a ditadura impedira de leccionar nas Universidades.

Foi assim que tive a sorte de, entre outros, ter como professor de História Contemporânea de Portugal, o Prof. Joel Serrão, um dos nossos mais notáveis historiadores, que eu conhecia e muito apreciava pela leitura das obras que ele tinha publicado.

Foi um privilégio conhecer um professor que adoptava nas suas aulas uma atitude aberta, proactiva, dialogante, por vezes desafiadora e, sobretudo, muito favorável à gente da turma que nós constituíamos, por termos já mais idade do que a dos outros alunos que, habitualmente, frequentavam os cursos da faculdade.

Um dia, Joel Serrão disse-nos na aula, mais ou menos isto: “Meus senhores! A verdadeira História de Portugal está, em grande parte, por fazer. A que geralmente conhecemos, é essencialmente baseada no que aconteceu nos grandes centros urbanos, mas quase nada sabemos sobre o que se passou no resto do país. Pertence à vossa geração, agora livre de constrangimentos políticos, deitar mãos à obra e fazer a história que falta ser feita”.

Para a avaliação na sua cadeira, o prof. Joel Serrão, sugeriu-nos que, sendo possível, fizessemos trabalhos sobre os pequenos ou médios centros urbanos a cuja documentação tivessemos acesso.  Eu, lembrando-me do testemunho que João Ruivo me passara ao dar-me a conhecer a obra de João Dubraz, pus-me desde logo ao trabalho.

Num dia em que o professor perguntou se já havia projectos em curso, eu anunciei que já tinha o meu algo adiantado e que tinha comigo cópia que lhe pedia que visse, pois gostaria que a analisasse, para eu saber se estava a seguir aquilo que seria mais adequado ser feito.

Na semana seguinte, antes de começar a aula, o professor Joel Serrão perguntou-me se não me importava de ler em voz alta o capitulo que lhe entregara. Depois dessa leitura, fez considerações muito elogiosas sobre a importância documental do autor referido naquele texto, sobre a qualidade da sua escrita e sobre o valor do que era testemunhado na sua obra sobre a transição do absolutismo para o liberalismo numa vila duma região situada tão no interior de Portugal. 

Estas considerações serviram-lhe para motivar a turma, pois ficara ali demonstrada a verdade do que antes nos tinha dito:

De facto, a verdadeira História de Portugal, estava ainda por ser feita.

Foi tal a motivação daquelas palavras que, naquela turma, se produziram textos tão interessantes e de tão elevada qualidade, que se resolveu criar uma revista onde esses trabalhos pudessem ser publicados. Foi aí que publiquei o meu primeiro trabalho sobre João Dubraz, intitulado A Implantação do Liberalismo na Vila de Campo Maior, publicado em Janeiro de 1979, na revista HISTÓRIA E SOCIEDADE.

Desde aí, não mais parou o meu interesse pelo projecto de dar a conhecer uma obra tão importante e que agora dou por concretizado com a apresentação destes livros.

Permitam-me que acrescente que, tendo recentemente, chamado a atenção do S.r Presidente da Câmara Municipal de Campo Maior para que, no próximo dia 21 de Janeiro de 2018, se completaria o bicentenário do nascimento de João Dubraz, logo se mostrou sensibilizado e interessado em que se procedesse à comemoração desse facto.

Assim sendo, talvez possamos considerar este nosso encontro, um primeiro passo para que se realize essa celebração. Contudo, porque agora se cumpre a chegada ao fim de um percurso de muitos anos, permitam-me que acrescente, para finalisar, algumas considerações:

- Gostaria que ao lerem estas obras, ficassem com uma ideia da grandeza deste nosso conterrâneo, como cidadão, como escritor, como historiador, como professor, como político e como advogado, pois tudo isso ele foi, como o homem de cultura que, pelo seu próprio esforço, conseguiu ser.  Mas, por uma questão de honestidade, devo também acentuar que, tanto no tempo em que viveu, como ainda hoje, isso não significa que tenha sido reconhecido o seu extraordinário valor por aqueles que com ele conviveram. E isso ainda se reflecte no tempo presente, como se comprova pelo desconhecimento da obra que nos legou. 

Perante isto, não posso deixar de pensar que as coisas eram então, como infelizmente ainda são hoje. Embora as circunstâncias em que vivemos, mudem de forma rápida e constantemente e que, cada vez se acentue mais a velocidade dessas mudanças, há uma coisa que continua a mudar tão lentamente que chega a parecer que, de facto, não há mudança. Refiro-me aos comportamentos, às atitudes e ao pensamento de muitas pessoas.

João Dubraz, que tinha inteligência e merecimento para ser engrandecido e beneficiado, estava numa situação bastante dificil, quando morreu.

Perdera quase todos os seus bens. E, por nunca ter evitado censurar atitudes e decisões que não lhe pareciam correctas, foi-lhe negada a possibilidade de continuar a dar aulas, único recurso a que podia recorrer no final da sua vida, tendo que se deslocar para Amarante, no distante Minho, para continuar a exercer a sua acção como professor.

Infelizmente, é esse o destino de alguns homens de grande valor, os quais, prezando muito a sua dignidade e moldando o seu comportamento pela exemplaridade do seu carácter, tendo embora dedicado as suas vidas a ajudar, a apoiar e a favorer os outros, se vêem depois abandonados e mesmo hostilizados com ingratidão, por alguns dos que mais ajudaram.

Mas, é fácil entender a razão porque isso acontece com tanta frequência.

É que, esses homens, acabam por serem considerados os espelhos que reflectem a real mediocridade dos que, a tudo recorrem para vingarem na vida, a qualquer preço.

João Dubraz, que podia ter feito uma notável carreira como homem público ou como político, morreu empobrecido, esquecido e hostilizado, por alguns dos que dele se tinham servido para obterem a notabilidade de que depois se pavoneavam e que lhes permitira alcançarem os cargos que lhes conferiam prestígio social, poder político e desafogo económico. 

Mas, deixemos isso. De alguns desses, nem sequer já nos lembramos dos seus nomes. Mas, estamos aqui reunidos para falarmos de João Dubraz, do Homem e da sua Obra, em termos de verdadeira memória. E, numa perspectiva histórica, só isso tem uma real importância.

 

<<<<<>>>>>

 

Por me ouvirem dizer estas coisas, não julguem que tenho a ilusão de poder mudar esses comportamentos.

Sei-o bem! Porque, quem escreve sobre o passado, tem de saber que só podemos esperar a aceitação de alguns, muito poucos, dos que, no presente, nos irão ler com alguma atenção.

Contudo, podemos pelo menos manter a esperança de que, se a obra tiver algum mérito, ela, no futuro, irá ser visitada e lida com apreço, pois que, haverá sempre quem pense que, no passado está a explicação do que acontece no presente e que isso será importante para que se possa programar, de modo fundamentado, o que se pretende que venha a acontecer no futuro.

É, na sequência estruturada dos tempos que se vão sucedendo, que se garante a evolução progressiva das sociedades humanas e convém que tomemos sempre em consideração que, se o passado foi a semente do presente, o presente será a semente do futuro.

Daí que:

- Importa conhecermos o que aconteceu antes, para melhor compreendermos o que agora está a acontecer;

- Importa compreendermos bem o que agora está a acontecer, para agirmos da melhor maneira possível e, assim, garantirmos que seja melhor o que poderá vir a acontecer.

Para dar o exemplo, vou terminar indo ao passado buscar a razão das coisas que tenho vindo a dizer:

 

No nº 110, de 18 de Março de 1869, no jornal elvense, Democracia Pacífica, alguém que não assinou, referindo-se à obra que acabara de ser publicada, comentou que, João Dubraz (passo a citar):

(...) escreveu de Campo Maior o que de outras terras igualmente importantes se deveria escrever, para que um dia possamos apresentar uma história política do Portugal moderno, sem inveja dos demais países.

Em conclusão: o livro do Sr. Dubraz é um grande serviço e, ao passo que merece registar-se na história contemporânea, deve, aquele livro, ocupar um lugar distinto nas estantes dos estudiosos.

Felicitamos o Sr. Dubraz pela importância do seu trabalho, pelos conhecimentos históricos de que dispõe e pelo modo como os expôs. (Fim de citação)

 

Este sim é, de facto, um grande elogio que jamais poderia ser feito aos que desprezaram João Dubraz enquanto vivia.

Estas palavras foram escritas há 148 anos, em Elvas, cidade em que, nesse tempo, viviam dois notáveis vultos culturais:

Vitorino de Almada (1845-1899) e António Thomaz Pires (1850-1913).

Já escrevi que considero escandaloso que o nome de um deles não tivesse sido dado à Biblioteca Pública de Elvas, tanto mais que Thomaz Pires foi um dos seus primeiros directores.

Mas isso, não são contas do meu rosário. Não sou elevense. Sou campomaiorense. Por isso, a minha opinião não conta, nesta questão.

A mim, basta-me que, com todo o direito, eu possa sentir um grande orgulho por termos em Campo Maior uma Biblioteca Municipal João Dubraz.

E subscrevi essa homenagem, com perfeita consciência da importância daquilo que afirmo: Muitas terras deste país, incluindo a maioria das cidades e das mais importantes vilas, muito apreciariam poderem dispor - para historiarem o seu passado - de obras com o valor histórico e cultural da obra deixada por João Dubraz.

Comecei com perguntas, acabo com outra pergunta:

ORA, ASSIM SENDO, PORQUE É QUE, ESTE AUTOR E A SUA OBRA, ESTÃO TÃO ESQUECIDOS?

Poderia responder dizendo que não respondo, por falta de tempo. Mas, não estaria a dizer a verdade. A verdade é que não sei responder a esta questão, embora admita que possam existir muitas respostas.

Mas, eu prefiro dizer que, aqui estou para deixar um recado e apelar ao vosso interesse e ao vosso amor à nossa “terra-mãe” – mesmo que esta “mátria”, às vezes mais nos pareça uma madrasta - para que leiam a obra que herdámos deste nosso conterrâneo que tanto estimou e tão bem serviu Campo Maior.

Garanto-vos que terão muitas surpresas e que sentirão muito orgulho por adquirirem algum saber sobre coisas tão notáveis que se passaram neste canto tão extremo de Portugal que mais parece querer entrar pela Espanha adentro, situado como está na fronteira leste da “pátria portuguesa”, ou seja, o país onde nascemos, a terra dos nossos antepassados, o povo e a cultura a que pertencemos.

Sei que, com esta prelecção, vos ocupei um tempo que, a alguns, terá parecido muito longo para, afinal, tão pouco ter dito que fosse ao encontro dos seus interesses. Mas eu, que nestas coisas da nossa história, facilmente me entusiasmo, tinha apenas como objectivo, despertar, em alguns dos presentes, o interesse e a vontade de lerem a obra de João Dubraz para melhor conhecerem Campo Maior.

Creiam que ficaria muito feliz se tivesse atingido esse objectivo.

 

 

 

 

 

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publicado às 12:12

 

 NECESSIDADES URGENTES HÁ 152 ANOS

 

“Há muitos anos que sou o propugnador de todos os melhoramentos do correio de Campo Maior.

Quando tínhamos as carreiras antediluvianas de três dias por semana, pedi pela imprensa que se fizesse uma modificação racionalíssima, que adiantava algumas horas a recepção do correio e facilitava a resposta na volta do mesmo.

Consegui o meu objectivo.

Mais tarde reclamei o correio diário como progresso que devia caber-nos …foi difícil mas afinal a razão triunfou.

Depois tratei de demonstrar que em Campo Maior não devia haver uma simples delegação do correio de Elvas… e a primitiva delegação foi elevada à categoria de direcção…

Venho hoje pedir um novo melhoramento. É que haja em Campo Maior um carteiro… um indispensável complemento do correio.

(J. Dubraz, In, A Voz do Alemtejo, Elvas, Nº 448, Dom. 11 de Junho  de 1865)

 

Carta ao Sr. Director Geral dos correios

 

  Em Campo Maior já não há correio diário, porque o homem que chega todos os dias a cavalo, pelas 11 horas e 50 minutos, conduzindo as malas, é raro o dia que traz a de Lisboa, devido ao mau serviço dos caminhos de ferro.

Campo Maior está actualmente sofrendo bastante com as horas de chegada e partida do correio. Pois chegando o condutor das malas ao meio-dia e partindo 45 minutos depois, não é possível, na maioria dos casos, responder-se às cartas no mesmo dia, o que é de grande desvantagem para o comércio e mesmo para a correspondência particular… Para o condutor chegar ao meio dia, tem necessariamente de sair de Elvas às nove horas. Ora sucede muitas vezes não ter chegado ainda a mala de Lisboa…

Tudo isto se evitaria se o condutor das malas saísse de Elvas ao meio-dia para chegar a Campo Maior às 3 horas e saísse no dia seguinte às 6 horas para chegar a Elvas às 9 horas… a tempo do comboio que sai às 10 horas da manhã.

(In, A Voz do Alemtejo, Elvas, Nº 468, 19 de Setembro de 1865)

 

No mesmo jornal, nº 470 de 28 de Setembro de 1865, noticiava-se:

Dificuldades com o horário das malas de correio em Campo Maior.

Há necessidade de estabelecimento de uma estação telegráfica em Campo Maior.

 

 

 

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publicado às 00:07

Afirma com energia o disparate que quiseres, e acabarás por encontrar quem acredite em ti.

Vergílio Ferreira (1916-1996)

 

 

Esta afirmação foi escrita para chamar a atenção para uma realidade que não tem parado de crescer. De facto, há cada vez mais quem esteja sempre disposto a afirmar-se e a procurar atingir o que deseja e que melhor sirva o seu interesse, sem olhar aos meios a que recorre para o conseguir. E há também sempre muitos outros dispostos a acreditarem nos disparates que lhes impingem por mais absurdos que eles sejam. Assim vão as coisas neste tempo em que o disparate campeia e em que dominam os que já nem sabem em que consiste dizer a verdade.

 

Tantos e tão poderosos são os oportunistas, tantos são os tolos que os apoiam, que os homens de carácter quase têm de viver dissimulados numa espécie de clandestinidade.

 

Que tempos estes que nos coube viver! Que estranhos costumes se vão instalando neste nosso tempo!

 

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publicado às 00:03


NO INÍCIO DO ANO ESCOLAR

por Francisco Galego, em 08.09.17

 

 ALGUMAS QUESTÕES SOBRE A “NEUROEDUCAÇÃO” ....

 

Questões respondidas por Francisco Mora, autor do livro - Neuroeducación. Solo se puede aprender aquello que se ama.

 

Pergunta. Porque é tão importante levar em conta as descobertas da neuroeducação para transformar a forma de aprender?

Resposta. No contexto internacional sente-se muito  a necessidade  de ancorar em algo sólido o que até agora são apenas opiniões, e esse interesse  dá-se especialmente entre os professores.

O que a neuroeducação faz é transferir a informação de como o cérebro funciona, para melhorar os processos de aprendizagem. Por exemplo, saber quais os estímulos que despertam a atenção que, em seguida, dará lugar à emoção. Pois que, sem esses dois factores, nenhuma aprendizagem ocorre.

O cérebro humano não mudou nos últimos 15.000 anos. Assim, poderíamos ter uma criança do Paleolitico  numa escola e o professor nem se apercebiria disso. A educação  mudou pouco nos últimos 200 anos, mas já temos algumas evidências de que é urgente fazer essa transformação e que devemos redesenhar a forma de ensinar. Sabemos que para um aluno prestar atenção na aula não basta exigir que ele esteja atento.

Pergunta: Quais são as certezas que já podem ser aplicadas?

Resposta: Uma delas é a idade em que se deve aprender a ler. Sabemos hoje que, os circuitos neurais,  para transformarem de grafema em fonema, codificando o que você lê e o que você diz, não fazem conexões sinápticas (relações de contacto entre os dendritos das células nervosas) antes dos seis anos. Ora, se os circuitos que permitirão aprender a ler não estão formados, poder-se-á ensinar forçando com imposições ou castigos, ou seja, com maior ou menor sacrifício.Mas não de forma natural.

Se uma criança começa com seis anos, em pouquíssimo tempo aprenderá. Porém, se começar com quatro, talvez consiga, mas só com enorme sacrificio. Nós, porém, tendemos a rejeitar tudo o que é doloroso. E, por isso, rejeitamos. Mas, em contrapartida, tentamos repetir aquilo que é prazeiroso.

Pergunta: Quais são as principais mudanças que o sistema de ensino actual deve sofrer?

Resposta: Hoje, estamos a começar a saber que ninguém pode aprender qualquer coisa se não estiver motivado. É necessário despertar a curiosidade, que é o mecanismo cerebral capaz de detectar o que é  diferente, no contexto da monotonia diária. Presta-se atenção àquilo que se destaca. Estudos recentes mostram que a aquisição de conhecimentos utiliza os mesmos substratos neuronais que a busca de água, de alimentos e de sexo. Ou seja, o que é prazeiroso. Por isso, torna-se necessário despertar uma emoção no aluno, pois esta  é a mais importante base, pois nela se apoiam os processos da aprendizagem e da memória. As emoções servem para guardar e recordar de uma forma mais eficaz, os conhecimentos adquiridos.

Pergunta: Quais estratégias  pode o professor usar para despertar essa curiosidade?

Resposta: Deve começar a aula recorrendo a algum elemento provocador: uma frase ou uma imagem que sejam impressionantes, para assim romper o esquema e  sair da monotonia. Sabemos que para um aluno prestar atenção na aula, não basta exigir que ele o faça. A atenção deve ser evocada com mecanismos que a psicologia e a neurociência estão começando a desvendar. Métodos associados à recompensa, e não à punição. Desde que somos mamíferos, há mais de 200 milhões de anos, a emoção é aquilo que nos move. Os elementos desconhecidos que nos surpreendem, são aqueles que abrem a janela da atenção, que é imprescindível para a aprendizagem.

A neuroeducação não é como o método Montessori. Não existe uma regra que possa ser aplicada. Ainda não é uma disciplina académica com um corpo ordenado de conhecimentos. Precisamos de tempo para continuarmos a pesquisar porque, o que  hoje conhecemos em profundidade sobre o cérebro, não é totalmente aplicável no dia-a-dia na sala de aula. Por isso, muitos cientistas dizem que é muito cedo para levar a neurociência às escolas, primeiro porque os professores não entendem do que se lhes está a falar, e segundo, porque não há ainda literatura científica suficiente para afirmar em que idades é melhor aprender, quais os conteúdos e como. Há apenas flashes de luz.

Estamos a começar a perceber, por exemplo, que a atenção não pode ser mantida durante 50 minutos, por isso é preciso romper o formato atual das aulas. Mais vale assistir 50 aulas de 10 minutos do que 10 aulas de 50 minutos. Na prática, uma vez que esses formatos não serão alterados em breve, os professores devem, a cada 15 minutos, quebrar com um elemento disruptor: um facto interessante, uma pergunta, um vídeo que refira um assunto diferente... Há algumas semanas, a Universidade de Havard,  encarregou-me de criar um MOOC (na sigla em inglês é um curso online aberto e massivo) sobre Neurociência. Terei de concentrar tudo em 10 minutos para que os alunos absorvam 100% do conteúdo. É nesta linha que irão as coisas no futuro.

Há muita confusão e erros de interpretação dos factos científicos a que chamamos de "neuro-mitos". Um dos mais generalizados é que utilizamos apenas 10% da capacidade do cérebro. Ainda se vendem programas de computador baseados nisso e as pessoas acreditam que poderão aumentar suas capacidades e inteligência para além de suas próprias limitações. Nada pode substituir o lento e difícil processo do trabalho e da disciplina quando se trata de aumentar as capacidades intelectuais. Além disso, o cérebro utiliza todos os seus recursos de cada vez que se depara com a resolução de problemas, com processos de aprendizagem ou de dados ou casos existentes na memória.

Outro "neuro-mito" é o que fala do cérebro direito e esquerdo e que as crianças deveriam ser classificadas em função de qual dos dois cérebros é mais desenvolvido nelas. Ao analisar as funções de ambos os hemisférios em laboratório, constatou-se que o hemisfério direito é o criador e o esquerdo é o analítico – o da linguagem e da matemática. Extrapolou-se a ideia de que há crianças com predominância de cérebros direitos ou esquerdos e criou-se o equívoco, o mito, de que há dois cérebros que trabalham de forma independente, e que se tal separação não for feita na hora de ensinar as crianças, isso irá prejudicá-las. Essa dicotomia não existe, a transferência de informações entre os dois hemisférios é constante. Se temos talentos mais próximos da matemática ou do desenho, isso não se refere aos hemisférios, mas à produção conjunta de ambos.

Há um movimento muito interessante que é o da neuroarquitetura, que visa construir escolas com espaços e formas inovadoras que giram bem-estar enquanto se aprende. A Academia de Neurociências para o Estudo da Arquitectura, nos Estados Unidos, reuniu arquitetos e neurocientistas para conceberem novas maneiras de construir novos edifícios nos quais, embora seja importante o desenho arquitetónico, sejam tomadas em consideração, a luz, bem como a temperatura e o ruído, que tanto afectam o rendimento mental.

A missão do professor é muito interessante, porque trabalha com gente. As escolas têm que trabalhar as suas realidades com projectos inovadores que encontrem uma solução para toda as problemáticas que  envolvem a escola. Ao redor das escolas há todo um espaço, um laboratório a céu aberto, que as nossas escolas não costumam usar para desenvolverem o seu trabalho.

O professor inovador é aquele que procura ser um aprendiz, trabalhando conjuntamente com os seus alunos,  compartilhando informações e que tem a preocupação de diversificar os seus métodos de ensino. E, a esse respeito, os alunos podem dar um grande contributo, pois têm acesso às novas tecnologias, pesquisam com grande frequência e, por isso,  poderão transformar-se nos principais protagonistas da transformação no processo da educação. Perguntem aos alunos como eles gostariam de aprender e terão garndes surpresas.

Porque, se a educação vai mal, a culpa não é do aluno, é do professor, se não souber usar a criatividade para que os seus alunos assimilem os conteúdos. Essa é a premissa que norteia o projecto de Valter Menezes, professor de Ciências da rede municipal de Parintins, no Amazonas que, há 22 anos, dá aulas na escola Luiz Gonzaga, na comunidade rural de Santo Antônio do Rio Tracajá. e que afirma: "Se um professor reprova cinco alunos, então são seis os reprovados, contando com ele mesmo, porque os não soube ensinar".

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publicado às 18:29

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