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Aqui se transcrevem textos, documentos e notícias que se referem à vida em Campo Maior ao longo dos tempos
Campo Maior, ao longo dos éculos XIX e XX, foi um dos principais centros de produção de potes ou talhas de barro para a conservação de produtos como o vinho, a azeitona e a aguardente. Algumas famílias dedicavam-se a esse fabrico, passando o seu saber artesanal de geração em geração. Estão neste caso as famílias Pereira, Monho, Mourato e Centeno. Tratava-se duma tradição artesanal que está hoje por completo perdida, tornando-se, por isso, importante conservar a memória que dela ainda subsiste.
Este texto foi elaborado com base no depoimento de um elemento de uma destas famílias, o senhor Manuel Centeno, que ainda chegou a colaborar com o seu pai nessa actividade.
O texto que agora aqui se apresenta, elaborado por Júlia Galego e Francisco Galego, foi publicado no nº 12 da revista "Alentejo - Terra Mãe", publicado em Évora, no 3º trimestre do ano de 2008.
Normalmente, o processo iniciava-se no principio ou em meados de Novembro e terminava por volta de Maio a Junho.
O oleiro começava pela escolha do barro mais adequado ao tipo de potes a fabricar. Este barro, recolhido na região de Campo Maio, era amassado em tanques e deixado em repouso para que, por processo de decantação, se constituíssem as várias massas a utilizar no fabrico. Nesta fase inicial, o trabalho decorria em parte ao ar livre.
A construção dos grandes potes começava no final de Dezembro, princípio do ano seguinte.
Moldava-se primeiro uma espécie de vaso, a base do pote, feita á mão e sem recurso ao torno de oleiro. Seguidamente, separava-se um pedaço de barro a que era dada a forma de um melão. Depois, adelgaçava-se o barro entre as mãos, para formar os cordões que se íam sobrepondo para formar as três camadas que constituíam a estrutura do pote. O processo de construção tinha de ser lento e pacientemente executado, daí que o oleiro fabricasse em simultâneo um número considerável de potes.
Quando entendia que o peso do barro colocado tinha atingido o ponto adequado de sustentação, parava a sobreposição dos cordões de barro. O bordo era coberto com panos húmidos para grantir a colagem de novas camadas. Depois, deixava-se que o processo de secagem desse a devida consistência ao barro para que pudesse, algum tempo depois, retomar o processo de fabrico.
Dava-se a esta sucessão de fases o nome de lances. Entre um lance e outro decorria o prazo de uma a duas semanas.
Até ao meio do pote, o diâmetro ia aumentando; depois começava a reduzir para dar o estreitamento até à boca. Nesta fase, o oleiro utilizava uma espécie de raquete com a qual apoiava a parte interior do pote, enquanto ia juntando as sucessivas camadas. Tratava-se de uma fase muito delicada do processo, para evitar o demoronamento desta espécie de abóboda que ia sendo pacientemente construída. Por isso, tinha de decorrer um razoável tempo de secagem, para se obter a consistência necessária para suportar o peso da boca.
Esta era construída à parte para ser sobreposta à abóboda que formava a parte superior do pote. Como a boca tinha um peso razoável, devido a ter uma maior espessura, convinha que o processo de secagem garantisse a consistência para não desmoronar. Por isso, nesta fase, a secagem era mais demorada, podendo ir até aos quinze dias.
Colocada a boca, dava-se o acabamento final que consistia em alisar a superfície exterior, utilizando uma cama de fino barro que era aplicada com um pedaço de pele, ou seja, uma especie de camurça.
Com o barro ainda húmido, as peças eram assinadas com o nome do oleiro, o local do fabrico e, nalguns casos, a data.
Nas sucessivas fases de secagem, convinha que o tempo decorresse nem muito seco, nem chuvoso. Os ventos secos e frios provocariam o rachar dos potes. A humidade excessiva afectaria a consistência do barro. Para atenuar as oscilações do tempo, o processo de fabrico decorria em grandes casões.
Na entrada da Primavera os potes já estavam feitos, começando o processo final de secagem, o qual podia demorar de 20 dias a um mês.
Finalmente, entre Julho e Agosto, decorria a fase de cozedura em forno apropriado. Devido ao grande peso de algumas peças, estas tinham de ser deitadas e roladas até ao forno, no qual eram colocadas de boca para baixo, apoiadas em três peças de barro, sobre a grelha do forno. O processo de cozedura demorava um dia e exigia uma atenção constante para regular a temperatura, o que era feito pela maior ou menor abertura dada aos respiradores do forno.
Seguia-se o arrefecimento, que demorava uma semana, para os potes poderem ser manipulados, prontos para a última fase do seu fabrico: o cabamento do interior.
Os potes destinados ao vinho ou à conserva da azeitona eram pezgados, operação que consistia em betumar com pez derretido ao lume e vazado no interior do pote para ser espalhado com a ajuda da “boneca”, ou seja, um pano enrolado na extremidade de um pau.
Nos potes destinados à aguardente, a betumagem era feita com cera pura.
Os potes de Campo Maior tinham fama e eram vendidos por todo o Alto Alentejo e Beira. Hoje, os que ainda existem, são muito apreciados e usados como elementos decorativos.
(Este Post foi reposto, devido a algumas solicitações)
Há anos foi achado numa escavação nas propriedades do Monte de S. Vitória, por detrás da quinta denominada da Rainha, ou de S, João, arredores de Campo Maior, um dollium (1) do período lusitano-romano, que oferecemos ao Museu Municipal de Elvas. Exemplar muito bem conservado, só conhecemos outro semelhante que existe no Museu Etnológico de Belém.
Estas vasilhas foram, talvez, as ascendentes genealógicas dos potes ou talhas mouriscas que se vêem em todas as adegas do sul do país e cujo fabrico constitui uma indústria típica e secular da vila de Campo Maior e da Aldeia do Mato (2), do concelho de Reguengos. Curiosas e características as talhas alentejanas de barro grosseiro, a que o tempo dá um tom escuro, chegam a ser de altura superior à de um homem normal. O seu bojo avantajado e monumental chega a conter mais de cem almudes, ou sejam dois mil litros de precioso vinho. (...)
Velhas, pois de séculos, diferenciam-se as de Campo Maior das de Aldeia do Mato, pela silhueta mais esbelta, pela regularidade das suas formas elegantes que as assemelham às formas clássicas do exemplares romanos. Diferenciam-se também porque, enquanto as de Aldeia do Mato, ostentam na gola a data de fabrico e as siglas curiosas dos artífices que, com suas mãos hábeis as moldaram, as de Campo Maior exibem os nomes completos dos vários oleiros em que, por tradição de família, se tem transmitido, através dos séculos, o uso desta profissão e que são: os Centenos, os Pereiras, os Mouratos, bem como outros que desconhecemos. Dá-se também o facto de, na vila de Campo Maior, se fabricarem potes de maior capacidade do que as fabricadas na Aldeia do Mato, devido à melhor qualidade dos seus barros, reconhecida pelos mestres aldeamatenses.
Realmente, é pena que os de Campo Maior não tenham sido também datados, para melhor apoio a investigações futuras e melhor documentação dos estudos etnográficos. Daqui lembramos aos actuais mestres de olaria de Campo Maior, nossos conterrâneos, que é conveniente gravarem nas talhas, além dos seus nomes, a data do fabrico (basta só o ano) e o nome da nossa histórica e progressiva vila, que foi agora alvo de uma grande honra: Por iniciativa louvável do Secretariado da Propaganda de Portugal, – a par da graciosidade dos moringues (3) e bonecos de Estremoz, dos caprichosos empedrados das cantarinhas de Niza e da elegância das bilhas de Viana, Campo Maior mostrará aos muitos milhares de vistantes da Exposição Internacional de Paris, duas formidáveis talhas saídas das suas oficinas, que deverão assombrar pela novidade e pelas suas descomunais dimensões.
In, A Cerâmica Alentejana na Exposição de Paris
Ensaio Etnográfico, por João Ruivo, publicado em ARQUIVO TRANSTAGANO, ano V, Elvas,1938.
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(1) Vasilha grande de cerâmica de forma muito bojuda, quase esférica, usada pelos romanos para armazenarem vinho, azeite e outros tipos de produtos alimentares.
(2) Actualmente, S. Pedro do Corval.
(3) Pequena bilha, ou barril em barro, para refrescar a água, com duas bocas: Uma para entrada da água, outra para a saída em esguicho.
Se esta notícia, em si, já era bastante chocante, - devido aos laços de amizade que, desde a nossa adoslescência, me uniam ao Raquelino, tecida de longas convivências e enquadrada por inúmeras confidências, assentando, principalmente, numa sólida e mútua confiança, - a mensagem que de imediato enviei e que a seguir transcrevo, ajudará a melhor compreender porque ainda maior foi o espanto que em mim provocou.
Amigo Daniel ( Daniel Anastácio, primo-irmão do Dr. Raquilino, há muito a viver fora de Campo Maior) :
Acabo de vir da rua, onde me deram a notícia da morte do Raquelino. Fiquei pasmado e muito penalizado. Não sei se ainda te lembras de que, aqui, em Campo Maior, sempre algumas pessoas cultivaram o péssimo hábito de divulgar e inventar falsas notícias. Pois calcula que, já há algum tempo, alguém me tinha dito que o Raquelino morrera em Março passado. Fiquei até um pouco magoado por, a esposa dele, nada me ter comunicado. Mas, enfim... São coisas que acontecem.
Mas, por isto podes calcular o choque que agora tive. O Raquelino, apesar do seu difícil comportamento, sempre manteve comigo uma amizade muito sincera apesar da distância em que ele mantinha tudo e todos, sobretudo nos últimos anos em que decidira deixar de se preocupar com as coisas duma vida que o desgostava.
Pois amigo Daniel: Resolvi enviar-te esta mensagem, na esperança de tenhas alguma notícia sobre este assunto que tanto me penaliza.
Um abraço.
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