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Aqui se transcrevem textos, documentos e notícias que se referem à vida em Campo Maior ao longo dos tempos
PIOR A EMENDA?
1958 - Meu pai, de novo em desespero de causa, mandou-me para Coimbra. Coitado… nada entendendo de estudos, nem tendo com quem se aconselhar, julgou que a companhia de outros rapazes meus amigos que aí estudavam me seria benéfica e apostou nesta mudança. Esta solução revelou-se desastrosa porque, aos maus hábitos que trazia de Évora, juntaram-se os problemas de saúde que tive em Coimbra. Lancei-me numa desbragada boémia que tornou a minha vida uma tremenda confusão sem solução nem destino.
A campanha do general Delgado, deixara a cidade incendiada de paixões políticas. Ao gosto pela literatura, juntou-se o interesse por aquilo que se passara. Claro que já ia desperto para o assunto porque, em Campo Maior, por razões muito reais e de grande ressonância social, as opiniões políticas circulavam com grande insistência.
COMO CASTIGO, O EXÍLIO
1957 – A minha qualidade quanto a estudos não melhorou. Meu pai, em desespero de causa, no fim do 1º período do 5º ano (actual 9º), enviou-me, como aluno internado para um colégio na aldeia das Mouriscas, no concelho de Abrantes. Para um moinante habituado à cidade, aquilo era um fim do mundo, no meio do nada. Um velho professor primário reformado, servia-nos de professor de Português e era nosso tutor em termos de internato. De uma severidade extrema, predispôs-se desde o primeiro momento para me aplicar os castigos corporais e “psicológicos” que domassem os meus hábitos de vadiagem. Fiz tudo para evitar que tivesse pretextos para concretizar os seus planos quanto à minha pessoa.
Esse jogo de vontades entre o velho professor Raposo e o jovem atrevido apostado em salvar o pêlo e a dignidade, devolveram-me os hábitos de trabalho que em Évora tinha perdido.
Resultado: nunca provei os “remédios pedagógicos” que o professor administrava com a sua cana-da-índia e fiz o brilharete de passar às duas secções (Letras e Ciências) no final do ano, nos exames realizados em Santarém. Infelizmente o colégio só leccionava até ao 5º ano. Para meu tolo contentamento e minha desgraça, voltei de novo para Évora. O resultado foi que, no final do 6º ano, só obtive nota positiva (um nível mínimo de 10 valores) nas duas disciplinas mais fáceis do currículo.
O INÍCIO DA JUVENTUDE
1954 – Agora havia que sair. Só num liceu poderia continuar a minha vida escolar. A família ponderou prós e contras, avaliou recursos e despesas e decidiu mandar-me para Évora. Meu pai assim escolheu por aí viver uma sua prima que devia cuidar de mim. Não o fez com a devida atenção e sem os cuidados mínimos que os meus treze anos exigiam. As coisas não correram bem e, o aluno brilhante que tinha sido, criou hábitos de vadiagem fazendo que a minha vida escolar passasse a ser um difícil equilíbrio sempre à beira de uma reprovação que a custo fui evitando com grandes esforços no fim dos anos, para evitar a terrível fúria paterna que me esperava no regresso a Campo Maior.
Ainda andei por outras hospedagens quando a prima teve de sair inopinadamente de Évora devido a castigo aplicado ao seu marido, um guarda da PSP, bom homem mas demasiado atreito a excessos alcoólicos incompatíveis com os seus deveres policiais.
O FIM DA INFÂNCIA
1948 – Em Outubro, sete anos feitos a um de Agosto: Pelas leis da época, devia oficialmente entrar na escola. Na verdade, já entrara dois anos antes, mas clandestinamente. Salazar decretara os 7 anos como data obrigatória de entrada na vida escolar.
Assim, fiz como aluno clandestino, a frequência da 1ª e da 2ª classe. Mas, enquanto alguns outros que tinham tirado da escola menos aproveitamento, passavam à 3ª classe, eu tive de regredir para a 1ª. Eram assim os tempos do inflexível Estado Novo.
Acabei a instrução primária com distinção em Junho de 1951 e fiz o exame de admissão aos liceus no Liceu de Portalegre.
1952 – Iniciei em Campo Maior, como aluno externo matriculado no Liceu de Portalegre, o 1º ciclo do ensino liceal. Em regime de monodocência, um professor primário de nome José Esperto Malhado, preparava-nos (éramos 6 rapazes e 1 rapariga) durante dois anos, para irmos prestar provas a Portalegre que nos habilitavam a passar ao 3º (actual 7º) ano do curso liceal. Fiz grande brilharete ao obter nos exames a notável, para aquele tempo, classificação de 16 valores.
Na apresentação do livro A CASA da autoria do campomaiorense Carlos Figueira.
CAMPO MAIOR, 5 DE DEZEMBRO DE 2014
Em grande parte dos casos, a comunicação não consegue ser plenamente eficaz porque, quem comunica, não tem o cuidado de esclarecer quais são os objectivos, quais as condições e as limitações que determinam essa comunicação.
Por isso, eu quero previamente tornar claro que, não sendo eu um crítico literário, não estou habilitado para fazer uma análise crítica desta obra. Sobre ela, apenas posso fazer considerações que resultam da maneira como interpretei, como entendi e o que aprendi com a leitura deste livro que hoje aqui se apresenta. Portanto, é apenas disso que eu vou falar tomando como base as notas que tirei e os comentários que foi elaborando enquanto fazia a sua leitura.
Por dever de ofício, sempre que tenho de falar em público, imponho-me a exigência de ter atenção a que, quem me ouve não dispõe de uma paciência infinita para me aturar.
Por isso, procurarei ser breve, mas procurando também ser tão claro quanto me for possível, para dar o recado que me encomendaram.
Por outro lado, tratando-se de colaborar na apresentação de um livro, impus-me o cuidado de respeitar três condições:
1ª- Ter o cuidado de não cair na tentação de revelar o seu
conteúdo;
2ª- Sublinhar os seus principais aspectos de modo a motivar para
a sua leitura;
3ª- Fazer uma análise muito pessoal que resulte da leitura ponderada da obra em apresentação.
Espero ter a capacidade de proceder segundo estas prévias linhas de orientação. Vamos lá ver se consigo levar a bom termo esta obrigação.
Tomado de surpresa pela possibilidade de participar na apresentação desta obra, aqui, em Campo Maior, foi-me possível rever o seu autor de quem, durante quase meio século, não tinha senão notícias muito sucintas e dispersas no tempo.
Somos quase da mesma geração. Apenas nos separam cerca de três anos de idade. Porém, ao contrário da geração dos nossos pais que, na sua maioria, nasciam para crescer, viver e morrer nesta terra, uma grande parte dos da nossa geração, nasceram fadados para partir.
A mim, coube-me partir muito cedo: tinha apenas treze anos. Mas, nessa idade, um “galaroz” de treze anos, pouco iria ligar a um miudito de dez que, provavelmente, ainda andaria de calções.
A partir daí, eu apenas vinha nos períodos das férias. E, entre nós, nunca se estabeleceram grandes laços de convivência.
Reencontrámo-nos agora. As vivências comuns, e as recordações semelhantes do espaço em que tínhamos crescido, bem como algumas semelhanças nos caminhos seguidos no decurso das nossas vidas, facilitaram este reencontro.
E, aqui estamos, neste acto que se destina a fazer a pública apresentação da obra de um campomaiorense que, através dela, vem dar a conhecer aspectos da sua vida e da sua pessoa, numa intenção de reencontro com a nossa pequena mátria, ou seja, a nossa terra-mãe, Campo Maior.
Estamos perante uma obra que, no meu entender, deve, a vários títulos, ser considerada como bastante singular. Pela sua extensão e pela sua estrutura, dificilmente poderia ser considerada como romance. Pelo seu conteúdo muito realista, ainda que ficcionado, dificilmente a poderemos entender como novela, pois descreve mais as vivências do que os factos e as situações. Assim sendo, parece-me que o mais adequado será considerá-la como uma narrativa, em que os traços de ficção servem apenas para melhor dar a conhecer uma realidade que o seu autor quis retratar como um testemunho das vivências reais, numa fase marcante da sua vida, uma fase marcante da história do nosso povo.
Não foi certamente por acaso, mas por claro e lúcido entendimento que foi realçado o seu carácter autobiográfico, no notável prefácio que antecede esta narrativa.
Chamemos-lhe narrativa ficcionada como forma de tentarmos entender esta obra tal como o seu autor a concebeu.
Escrita em frases breves, despojada de grandes adornos de estilo, mas eivada de imagens, sensações, reflexões e emoções, a narrativa vai decorrendo numa prosa de efeito muito agradável. Confesso que, gostando eu de escritos em prosa, simples na forma, e de claro entendimento, este livro me surpreendeu pela elevada qualidade da sua escrita.
Os capítulos, alguns muito breves, outros mais extensos, funcionam como flaches que permitem saltos quanto aos lugares e ao tempo em que decorre a acção. Ora somos levados a avançar, ora recuamos, para que, o que foi dito, possa ser melhor entendido como efeito de causas que só podem ser conhecidas recuando a outro lugar e a outro tempo.
A narrativa começa numa viagem de mudança da CASA, iniciada no capítulo primeiro e de que, só mais adiante, voltaremos a ter notícia. Depois, é interrompida durante os nove capítulos seguintes, para ser retomada no capítulo final, no qual encontramos a explicação da mudança em curso, para uma nova localização
Outro aspecto que considero interessante é o facto de o centro da narrativa ser A CASA que, mesmo mudando de local e de circunstâncias, continua a ser a referência fundamental, por ser o espaço em que as personagens vão interagindo, em contactos relacionais focados no desenvolvimento da sua actividade.
Aliás, o título foi intencionalmente escolhido para sublinhar exactamente isso.
A CASA não era para Augusto, personagem central da narrativa, e para a sua pequena família, um lugar de vida privada. Não era a sua casa. Por isso, nas condições da sua vida, não era possível, nem desejável, estabelecer com ela laços de pertença ou de afectividade.
A CASA também não se define pela sua localização, nem pelas particularidades da sua organização física. Define-se pela sua funcionalidade que era servir de abrigo e apoio aos que nela interagiam, ou que dela se serviam, para desenvolverem uma missão: a luta política contra um governo que oprimia a organização do Estado e a vida do Povo.
Augusto, o narrador, é decerto a personagem central da narrativa, descrito pela missão que assumiu: funcionário dum Partido, com grandes responsabilidades conspirativas e organizativas, a viver dentro do país, na clandestinidade.
Mas, a realidade circunstancial de ser o militante agindo na clandestinidade, não esconde a sua realidade de pessoa consciente da missão que assumiu, mas também da sua responsabilidade para com a sua pequena família que o acompanha.
Interessante a maneira como o narrador descreve a cidade do Porto, primeira localização da CASA: Pontuada de pequenos redutos rurais - quintas, hortas e quintais - a que chamavam boiças - e que são pormenores de ruralidade dentro do espaço urbano. O autor descreve o Porto como uma cidade em que tanto se pode andar pelas “avenidas e ruas de maior movimento” … como por (e passo a citar) “carreiros ou pequenas vielas, onde era frequente encontrarmos gado a pastar ou extensões apreciáveis de campos de milho”.
O mesmo retrato é traçado para definir o clima relacional e cultural da aldeia que foi o segundo espaço de permanência da CASA.
A localização, em termos de tempo histórico, é o período final do governo do ditador Salazar a que se seguiu o chamado marcelismo.
O contexto temporal vai sendo definido pela invocação dos acontecimentos reais em que decorrem as situações que integram a narrativa. São muitas as referências à guerra colonial, às lutas estudantis, às greves, aos movimentos dos camponeses e das organizações sindicais. Todos estes acontecimentos vão gerando a percepção de que se caminhava para o fim do regime.
Noutras obras que li sobre este tema, encontrei a intenção principal de sublinhar o carácter épico e heróico do militante, na missão gloriosa, de participar num projecto político, desvanecendo-se o carácter pessoal de quem se envolvia nessa missão.
De facto, nesta narrativa, somos levados conhecer a figura central – Augusto – o qual assumiu um encargo que implica pesados riscos pessoais e enormes responsabilidades perante a organização em que voluntariamente se integrou.
Porém, a teia da narrativa, despojada de qualquer romantismo, consiste essencialmente em ir revelando o modo como, as situações e as vivências dessa missão, vão moldando a personalidade de um jovem, revelando as suas fragilidades emocionais e os impulsos de coragem que vai assumindo ao enfrentar as diferentes situações que se lhe deparam na relação muito condicionada que vai mantendo com aqueles com quem se vai relacionando.
Foi este enfoque e esta perspectiva o que mais me impressionou na leitura desta obra.
O medo está sempre presente e é conscientemente sentido e confessado. Mas a reacção de medo é apresentada como a reacção natural numa situação de perigo eminente. Ele surge como o efeito decorrente duma vivência sob ameaça constante. Mas a resposta nunca é apresentada como uma atitude puramente heróica, pois que resulta duma análise racional dos factos que permite ir ultrapassando as fragilidades afectivas e as ameaças reais ou antecipadamente pressentidas.
A coragem é sempre muito condicionada pelas circunstâncias e pelas condições, em que tem de se agir. A coragem não é apresentada como a ausência do medo, mas como a atitude que conscientemente se toma perante a eminência do perigo, da qual resulta a capacidade para se agir e fazer o que tem que ser feito. Por isso, a coragem, resulta da preparação, do cuidadoso treino, da prévia aprendizagem, da experiência que vai sendo adquirida e que vão moldando uma contínua e crescente consciencialização da missão a cumprir.
No contexto da acção em que decorre esta narrativa, tudo é muito sustentado pela crença de se estar a agir no sentido de se criarem as condições para que surja um “Novo Mundo”: E, essa esperança, era a razão que justificava todos os sacrifícios.
A aceitação das ordens e das regras, propostas ou impostas pelo Partido, é assumida. Mas, Augusto não tem, perante elas, uma atitude de aceitação passiva. A sua análise pessoal é muitas vezes crítica. Por várias vezes, expressa as suas dúvidas sobre as soluções encontradas, embora colocando sempre como prioritária a disciplina que assumira como compromisso.
Os procedimentos próprios de uma situação de clandestinidade implicavam o cumprimento escrupuloso dessas regras, que vão sendo descritas em certos pontos da narrativa.
Isto confere a esta obra um valor inestimável como fonte de conhecimento de questões que, por razões óbvias, foram, durante longo tempo, desconhecidas.
Há também um cuidado constante de ir relatando a evolução política que se ia verificando. A narrativa vai elaborando relatos do evoluir da situação interna, muito focada no isolamento do regime e no desgaste provocado pela guerra colonial, pois essa análise era fundamental para construção da estratégia, das tácticas a implementar e nas formas de luta a desenvolver.
São referidas as respostas que o regime ia procurando dar, para deter os avanços dos que o combatiam na oposição. A ditadura respondia ao crescendo dos movimentos de luta, reforçando a brutalidade do seu aparelho repressivo. A polícia estava cada vez mais vigilante e as sessões de tortura aos que conseguia prender, eram cada vez mais violentas.
A isto só se podia responder com o reforço da segurança dos quadros que mantinham a organização, de modo a garantir as actividades de luta do Partido.
No penúltimo capítulo, o de maior extensão, A CASA ficou funcionalmente suspensa. Razões de segurança ditaram uma rápida mudança. A pequena família procurou abrigo temporário numa casa de apoio e teve de se adaptar a esta nova situação que impunha condições difíceis de espaço, de relacionamento, de segurança e de sobrevivência.
A impossibilidade de execução das tarefas de produção dos meios de propaganda obrigava a uma certa desocupação, a qual deixava tempos livres que permitiam desenvolver uma das tarefas implícitas na missão de Augusto: A de promover a sua formação e a formação dos militantes com quem mantinha contactos, através do esclarecimento, da informação e da endoutrinação, com vista a uma constante consciencialização das acções a desenvolver.
Esta preocupação está presente também ao mais alto nível da organização, como se refere nos encontros entre Augusto e a sua ligação à direcção do Partido.
Podemos também ver explicitadas, em traços bastante precisos, as questões ideológicas e as opções quanto à forma de acção política que se colocavam em certos sectores da oposição ao regime.
A tendência, algo anárquica, imediatista, violenta e radicalizada do militante que abrigara, na sua casa, a família de Augusto, gerou condições para as longas discussões sobre as tácticas e as estratégias subjacentes às acções de luta política adoptadas pelo Partido.
Como consequência, o conteúdo da narrativa sofre, neste ponto, uma mudança significativa. A suspensão da CASA alterou profundamente as condições e as vivências dos que nela costumavam habitar. Isso implicou um certo arrastamento das situações que afastam a narrativa do interessante ritmo em que vinha decorrendo. Mas, o que se perde em ritmo narrativo é compensado pelo valor testemunhal do confronto de posições que então se descreve e que retrata o que, de facto, se entendia ser preciso fazer naquela fase da luta contra o regime ditatorial, contra o qual se tinham de desenvolver as mais eficazes formas de luta. Este aspecto, no meu entender, confere importante valor como fonte histórica, a esta narrativa.
É também neste tempo que Augusto recebe o apoio moral e político da camarada que fazia a sua ligação com a direcção do Partido e que, em conversa com ele, tenta ajudá-lo a suportar a difícil situação em que se encontrava. Daí a importância que esta narrativa encerra para se compreenderem os problemas, as angústias, as dúvidas e as hesitações dos que decidiram lutar nas condições da clandestinidade.
No último capítulo descreve-se mais um processo de mudança da CASA: o que tinha sido referido logo no começo.
E, o fim da narrativa é o fim de mais um ciclo que se encerrava para dar início a outro ciclo. Agora, num outro local.
E a narrativa acaba regressando ao momento em que começara.
O Livro termina com as frases que vêm transcritas na contra-capa:
Para trás ficavam mais uma vez abandonos.
Caminhos sem regresso.
Vazios.
Vidas.
Espaços e tempos ocupados pela perseverança de Augusto, na construção de um novo País.
Vazios preenchidos pela presença lúcida, carinhosa do amor sofrido que lhe dedicava Isabel.
Vidas que a convicção do projecto em que acreditavam, tornavam possíveis.
São estas as impressões que retirei da leitura deste livro. São estes os aspectos que entendi que devia realçar com o objectivo de despertar em vós o interesse pela sua leitura.
Os meus parabéns ao seu autor, pela qualidade da obra que quis e que soube escrever.
Nº 410 A VOZ DO ALEMTEJO DOMINGO 22 DE JANEIRO DE 1865
CORRESPONDENTE DE CAMPO MAIOR, 6 de Janeiro
Depois de 20 dias de bom sol mas com muito frio, seguiu-se alguma chuva que fez derreter a neve das serras onde nascem os rios Abrilongo e Xévora, cujas águas têm corrido turvas.
O tempo tem corrido bom para as searas que apresentam bom aspecto.
A azeitona, neste concelho é tanta que, tendo começado a apanha há um mês, talvez não se tenha recolhido ainda nem a terça parte.
Cada 4 alqueires de azeitona produz 1 alqueire de azeite que se vende por 1.200 réis. A carne de gado suíno está a 3.800 réis por cada 15 kg.
O presidente da câmara projecta mandar fazer urinóis debaixo dos pátios de uma das escadas da câmara para evitar que os meninos da escola tenham de ir satisfazer as suas necessidades à muralha ou a casa dos pais.
Vou fazer uma descrição das casas da câmara:
- A entrada faz-se pela Praça Nova, por dois lanços de escadas;
- Debaixo dos pátios das escadas de cada lado da entrada há duas pequenas casas, actualmente desocupadas; no centro há uma grande porta de entrada para uma casa com 4 grossas colunas que sustenta o pavimento superior; nesta casa fica o depósito dos celeiros comuns onde se guardam mais de 500 moios de trigo e alguns contos de réis em dinheiro;
- Debaixo do arco que faz a comunicação da Praça Nova com a rua de S. Pedro, está a porta de entrada para a casa da escola primária, tendo capacidade para 130 alunos;
- Em seguida, está a secretaria dos celeiros comuns que ocupa 3 pequenas casas e, próximo a esta, mais duas presentemente desocupadas;
- Da parte da rua de S. Pedro há duas casas que ficam debaixo da do celeiro comum: uma está alugada a um carpinteiro e outra serve de depósito do ladrilho, cal, mármore, etc., para as obras do concelho; uma outra casa, mais acima, serve para nela se aferirem os pesos e medidas;
- O pavimento superior consta de uma grande sala para as sessões da câmara, com uma pequena casa para o respectivo arquivo, uma linda capela com porta para o pátio do edifício, uma outra grande sala para as audiências do juiz ordinário, mais uma casa com outra interior que serve de depósito do azeite para a iluminação pública, uma outra onde está a administração do concelho, com um gabinete para o administrador e uma outra onde está a repartição da fazenda;
- Detrás destas salas há 8 casas, umas desocupadas e outras que servem de residência ao contínuo e de alojamento para os oficiais que para aqui são destacados;
- Todas estas casas térreas e superiores têm janelas para a rua de S. Pedro e todas as do pavimento superior têm sacadas para a praça onde está um primoroso pelourinho.
Diz-se que todas as aulas que estão fora deste grandioso edifício vão para aqui ser mudadas; oxalá assim seja para aformosear tão magnífico monumento, contando três aulas e todas as repartições públicas.
Consta também que a rua de S. Pedro vai brevemente usar de calçada moderna. Bem precisa.
Rosado Júnior
“O transtagano”, nº 162, Elvas , Domingo, 17/11/1861
Relação dos produtos de Campo Maior enviados à exposição Universal de Londres:
- Trigo ruivo, gigante ou branco – Joaquim António Murteira
- Cevada - António Maria Murteira
- Vinho branco – Padre António de Mattos
- Vinho tinto – Padre Sebastião Pinheiro
- Gravanças – José Maria de Mattos
- Queijos de ovelha – D. José de Carvajal Vasconcelos Gama
Outros produtos:
- Linho, esparto, feno, palha de milho, miúdo, bandeira de milho grosso, junça ( planta que fornecia caules que serviam para atar feixes) , luzerna e funcho, esteira de bunho, vime, uma cepa ou raiz de joina, lenha miúda ou chamiço, outra de lentiscos, aroeira (planta de que se extraía uma resina aromática) e outra de medronheiro.
A subscrição é anónima e gera, no máximo, um e-mail por dia.