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Aqui se transcrevem textos, documentos e notícias que se referem à vida em Campo Maior ao longo dos tempos
Isto foi publicado no jornal “O Transtagano” que se publicava em Elvas.
Nº 221, 5ª-feira, 12 de Junho de 1862
“O maior escândalo, a maior afronta que este país tem sofrido nestes últimos tempos, é a continuação de um ministério ignóbil e vingativo à frente dos negócios do Estado contra a pronunciadíssima opinião pública.
A sua permanência é uma ofensa às instituições e um perigo para a ordem pública.”
Nº 288, Domingo, 1 de Fevereiro de 1863
“O ministério considera-se na actualidade vigoroso e persiste com tenacidade no intento de governar ainda mesmo contra a vontade da nação… mas, o governo histórico do Sr. Duque de Loulé já tocou a decrepitude e já não é mais do que um corpo cansado e inerte… Os novos ministros partilharão da herança dos seus nobres colegas; assim, o estigma dividido por todos será menos pesado a cada um.”
Ainda bem que nada disto é hoje possível!
São outros os tempos...
“O transtagano”, nº 127, Elvas 5ª-feira, 18/7/1861
“Na sessão da câmara de 9 de Julho, o Sr. José Estêvão de Magalhães[1] disse: …Imensos territórios estão sem cultura sem aproveitamento; uns desperdiçados em pastos comuns, cujos interesses é preciso regularizar, outros entregues às câmaras municipais para logradouros em que ninguém logra, outros ocupados com certo direito consuetudinário pelas primeiras pessoas que lhe lançaram a enxada e que não dão pelo uso desses terrenos nenhuma retribuição aos corpos a que pertencem.”
Veja-se os casos da Defesa de S. Pedro e dos coitos do concelho de Campo Maior:
“Quem vir a apreciável quinta de S. Pedro a N.E. daquela vila, a majestosa quinta da rainha[2] e muitas hortas que circundam aquela povoação, quem vir as magníficas vinhas, com suas árvores frutíferas que em distância de três quilómetros se ostentam luxuriantes, os olivais que, à mesma distância, desenvolvem nos seus ramos os frutos oleosos impregnados de elementos nutritivos, que vir tudo isto e o comparar com os terrenos que, para lá destes, circundam Campo Maior, áridos – depois de colhidos os trigos, cevadas e alguns legumes como o grão-de-bico e os chícharos – quase despidos de vegetação, apenas percorridos por rebanhos de ovelhas que mal se matêm com os pastos espontaneamente oferecidos pela fecundidade do solo ou pelos resíduos frumentícios e leguminosos que ficam após as colheitas, dirá: Como está tão aprazível a quinta cercada por tão grande porção de terreno inaproveitado, tendo a mesma composição geológica e subsolo da mesma natureza! Porque não se povoa de vinha e olival o que é menos apto para os cereais? Porque não se formam hortas nesta outra porção de terreno tão abundante em água? Porque está tudo em tão lamentável abandono?
Uma das causas – talvez a mais poderosa – consiste em que o proprietário do terreno o tem só, e absolutamente só, para nele não empreender senão uma espécie de cultura. Outra é que os pastos pertencem à câmara municipal; se não houvesse este embaraço, as culturas variadas que param pela meia légua, entender-se-iam por muitos hectares de terreno.”
[1] Mais conhecido simplesmente como José Estêvão, foi um dos mais brilhantes políticos da 1ª metade do Séc. XIX.
[2] Foi depois chamada Quinta do Firmino, Quinta do Mata, Quinta de S. Joãozinho e Quinta dos Avós.
Enviou-me o Sr. Luís Lopes Magueijo, em complemento ao texto publicado neste blogue no passado 1 de Novembro, mais algumas considerações sobre o “viver” dos ratinhos que, há mais de meio século, vinham da Beira até Campo Maior, para trabalharem nas ceifa,
É muito importante e interessante este seu testemunho e isso justifica plenamente a sua divulgação.
Aproveitei para, entretanto, recorrer aos textos de José da Silva Picão, sobre o mesmo tema porque, anteriores a estes, cerca de 50 anos, permitem ter um conhecimento mais alargado da realidade da vida, nas terras do Alentejo, no século passado. Além disso, enquanto de um lado temos o testemunho dos que vinham para alugar a sua força de trabalho, do outro temos o testemunho de quem, sendo lavrador, contratava os “ratinhos” e, observando-os, tentava descrever os seus comportamentos e condições de vida, bem como as actividades que tinham de desenvolver.
Vejamos os novos quadros da vida dos “ratinhos” traçados pelo Sr. Luís Magueijo.
Luís Lopes Magueijo, Seixal, Foros de Catrapona, 30 de Outubro de 2014
Tanto no concelho de Elvas, como em muitos outros do Alentejo e até de Espanha, as ceifas nas herdades, são geralmente executadas por milhares de homens e rapazes que, de propósito, vêm das Beiras e que o público conhece pelo nome de ratinhos ou ratos. É uma alcunha pouco lisonjeira, mas os alcunhados não a repelem nem se amofinam por isso. Ratinhos foram seus avós e pais, ratos se consideram eles e, outro tanto, sucederá a seus filhos e netos.
O hábito de virem ceifar às terras alentejanas, é tão antigo e inalterável, está tão arreigado e persistente que deverá subsistir por largos anos, como vantajoso que é para lavradores e serviçais. Ai das colheitas do Alentejo, se lhes faltassem os ceifeiros beirões!...
Essas centenas e centenas de braços, cuja totalidade comporia uma grande legião, dividem-se em grandes agrupamentos ou camaradas de cinquenta a cento e tantos indivíduos, de antemão recrutados pelo respectivo manajeiro.
Cada agrupamento tem o sue manajeiro em chefe que delega parte dos poderes nos encarregados dos cortes, em que a mesma camarada se desdobra ao chegar ao Alentejo e se dividir para as diferentes ceifas que se ajustam. Esse encarregado toma o nome de manajeiro do corte e, como tal, governa sobre a gente que lhe distribuem.
Castanheira de Pera, Águeda, Anadia, Oliveira do Bairro, Arganil, Góis, Lousã, Figueiró dos Vinhos, Pedrogão Grande, Sertã, Proença-a-Nova e outras, são as zonas que fornecem maior contingente de ratinhos.
E – nota curiosa – entre esses homens, não se encontram apenas os que se entregam aos labores do campo nas suas naturalidades, mas também muitos de profissões e hábitos diversos – sapateiros, alfaiates, barbeiros, etc. É que, para todos eles, a ceifas do Alentejo proporcionam-lhes melhores lucros do que os ofícios que exercem nos seus rústicos lugarejos.
José da Silva Picão – “ATRAVÉS DOS CAMPOS” –
Usos e costumes agrícolo-alentejanos (Concelho de Elvas), 2ª ed. Lisboa, Neogravura, Lª, 1947
(Nota: A 1ª Ed. desta obra apareceu ao público no ano de 1903)
A Presidência da Câmara Municipal fez chegar ao meu conhecimento uma carta recebida e que, logo que a li, tomei a decisão de publicar, demonstrando assim o quanto fiquei surpreendido e agradado com o seu conteúdo. Contactei o seu autor que sei viver actualmente no concelho de Seixal, dando-lhe a saber do meu interesse e pedindo-lhe autorização para a sua publicação. A sua amabilidade foi tão grande quanto a simpatia. A sua disponibilidade, para que a pudesse dar a conhecer neste local, foi total.
Aqui fica, com a esperançosa expectativa que seja lida com interesse e espirito critico para se tirar dela um conhecimento do nosso passado que muito pode ser acrescentado com estes preciosos testemunhos.
Fiz questão de introduzir nesta transcrição, o menor número possível de alterações. Apenas as que me pareceram úteis para uma melhor leitura.
Senhor Presidente da Câmara Municipal de Campo Maior:
Com os meus melhores cumprimentos, venho por esta via, junto do Sr. Presidente, transmitir uma "faceta" do seu concelho que decerto nunca alguém lhe transmitiu e que poderá ter muito valor para a história de Campo Maior.
Atrevo-me a escrever o que recordo, porque vejo muitas vezes na televisão o Sr. Presidente e porque fico encantado com o seu dinamismo e vontade de tornar o seu concelho um exemplo de bem viver e dar valor ao passado.
Sendo assim, aqui vai:
Tenho 70 anos de idade, sou aposentado da função pública e sou ex-combatente, em Moçambique - 1966/1968. Mas, quando há 57 ou 58 anos, eu tinha 14 ou 15 anos, fui um pequeno elemento de um grupo de "ratinhos" e fomos ceifar durante 40 dias para o Monte da Bela Vista, em Ouguela, o qual era propriedade da Sr.ª D. Sofia Teles da Gama Minas.
O grupo era organizado na minha aldeia - Juncal do Campo, Castelo Branco - e acolhia homens de várias aldeias vizinhas como: Freixial do Campo, Chão-do-Vão e Barbaído. Íamos em meados de Maio e iniciávamos a tarefa a ceifar fava para secar. Depois, até ao fim, era ceifar cevada especial que se destinava às fábricas de cerveja.
A nossa chegada a Campo Maior era controlada pela GNR, porque os naturais de Campo Maior (população quase inteiramente rural) não nos acolhia com "bons olhos" já que, no seu entender, lhes íamos roubar o trabalho e, desde logo, inviabilizar as suas reivindicações laborais. A GNR recebia-nos, no nosso autocarro, às portas de Campo Maior e, sob sua escolta, levava-nos até ao monte.
A “contrata”, como era conhecido o acordo, tinha a duração de 40 dias; comida e dormida no campo onde decorria a ceifa, eram por conta da “senhora”.
O grupo oscilaria entre os 35 e 40 homens e alguns adolescentes, como era o meu caso. Eu, com 14 anos, fui escolhido pelo “manajeiro” – o responsável pelo grupo – para ficar encarregue da função de “manteeiro”, para transportar comida, água e correio, para o “corte”, ou seja, para o local onde o pessoal ceifava. Para o efeito, foi-me distribuída uma carroça e uma égua que eu baptizei de “Menina”.
Tive a sorte e o privilégio de encontrar como que “um pai e uma mãe”, nas pessoas do casal responsável pela cozinha e pela copa. Ele chamava-se António e ela Libânia. Trataram-me como um filho e isso, eu nunca esqueci e já lá vão 58 anos!...
A “contrata” tinha um valor fixo. Claro que era superior ao que os trabalhadores fixos do monte auferiam. Daí, o desagrado deles pela nossa presença. De salientar que, quer nós, quer os trabalhadores do monte, em conjunto, tornávamos o Monte da Bela Vista, uma autêntica aldeia. Era, de facto, muita gente: arrieiros, pastores, porqueiros, vaqueiros e outros… Havia também muitos animais e muitas “parelhas de mulas”. Máquinas havia poucas: haveria uma ceifeira antiga que avariava constantemente; haveria um ou dois tractores a que se acoplava o engenho que servia de “malhadeira”, (ou debulhadora) separando o cereal da palha.
O Monte da bela Vista tinha uma área tão grande que nós nem sabíamos onde terminava.
À entrada para Ouguela, do lado direito e junto à ribeira, perto da fronteira com Espanha, havia o posto da Guarda Fiscal. As coberturas das casas do quartel eram de colmo, uma espécie de palha trabalhada para substituir as telhas.
Durante os quarenta dias a comida era sempre igual. Ao almoço, grão com muita e boa carne de porco e beldroegas. Era simplesmente maravilhoso. Antes, de manhã, era o pão fatiado e bem regado com o bom azeite da casa, alhos, azeitonas e bom queijo, pequeno e seco mas, tudo muito bom. À tarde, era água, azeite, vinagre e pão migado aos pedacinhos. O complemento da noite era o queijo, o bom pão (marrocate) que ia diariamente de Campo Maior e algum enchido que sobrara do grão do almoço. Diga-se, que era tudo com abundância.
No último dia, a Sr.ª oferecia um almoço especial: Badana (carne de ovelha velha) em caldeirada com batatas, que era uma delícia. Só nesse dia é que era acompanhada de bom vinho tinto. Para esse almoço, vinha o “feitor” que trazia e entregava ao “manajeiro” o dinheiro vivo correspondente ao total de “ratinhos” e que este distribuía em partes iguais, excepto aos adolescentes como eu. Não me recordo de quanto seria, pois isso era com o meu pai que também estava no grupo. Terminada a “contrata”, ainda no Monte da Bela Vista, ficava a mesma logo acertada para o ano seguinte.
Terminada a “festança” e o “acerto de contas”, já lá estava o autocarro da empresa “Martins Évora” que nos levava de volta às nossas aldeias.
Da Sra. D. Sofia Teles da Gama Minas, recordo-me porque cruzava muito com ela devido à minha presença quase constante na cozinha do monte. Já nessa altura a senhora era viúva. Lembro-me que se tratava de uma senhora “franzina”, “pequenina”, mas muito activa. Ao lado da cozinha havia uma enorme capoeira de onde ela, todos os dias, retirava muitos, muitos ovos.
Há uns anos atrás, fui visitar o monte. Mas … nada estava como era. Gente, não havia. Ovelhas, porcos, galinhas … nada! Apenas um jovem casal de ucranianos que habitavam na zona da grande cozinha-copa do antigo monte e que me acompanhou na visita. O que vi foram as muitas vacas e a indicação de “Caça Protegida”.
E, pronto, Senhor Presidente. Gostava que mandasse responder à minha carta, dizendo se gostou e se tem interesse para a história de Campo Maior. Para qualquer esclarecimento, estou ao seu dispor. Alerto que, porque não concordo com o “Acordo Ortográfico”, escrevo como aprendi na minha “grande” 4ª Classe.
Respeitosamente
Luís Lopes Magueijo
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