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OS TRABALHOS E OS DIAS NO CAMPO ( II )

por Francisco Galego, em 26.09.12

Quem me dera ser ganhão,

Para lavrar no teu peito;

Embora mal te conheça,

Deixava alqueive bem feito.

 

Se queres saber a glória,

Qu’alcança o pobre ganhão,

Vê as mãos cheias de calos,

Do cabo do enxadão.[1]

                                 

Já não há quem queira dar,

Uma filha a um ganhão;

Estão à espera que venha,

De fora algum pimpão.

 

Já não há quem queira dar,

Uma filha a um soldado;

Pensando que há-de vir,

Das ilhas algum morgado.[2]

                                                       

Já não há quem queira dar,

Uma filha a um carreiro;

Estão à espera que venha,

Do Brasil um brasileiro.



[1] Idem, nº 580, Elvas, 23 de Fevereiro de 1891.

[2] Idem, nº 135, Elvas, 16 de Julho de 1882.

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publicado às 16:37


O SÃO MATEUS OU "FÊRA D'ELVAS" DE ANTIGAMENTE

por Francisco Galego, em 20.09.12

 

A Feira de São Mateus em Elvas e a Romaria ao Senhor da Piedade tiveram o seu período de maior esplendor entre meados do século XIX e meados do Século XX. O texto que segue retrata com bastante precisão a dimensão deste acontecimento:

 

…Noite fora vai chegando gente dos mais variados locais. Vêm de Campo Maior e de Vila Boim, da Terrugem e de Santa Eulália, de Varche e de São Vicente, de Barbacena e de Vila Fernando. Sobre um talude que domina o Parque da Piedade, onde se efectua a feira, vão-se agrupando os carros, roda contra roda, varais ao alto, as bestas desaparelhadas e presas atrás, tasquinhando a erva. Os canudos das coberturas dos “churriões”, os tejadilhos planos das carrinhas, formam pequenas casas a que não faltam garridas cortinas de chita ou “cretone” formando portas graciosas. Para fora saem as cadeiras de fundo de buínho, os fogareiros de ferro, os tachos de barro, o farnel.

Nédias galinhas ainda vivas, atam-se às rodas dos carros, na mira de engordarem um pouco mais à custa de punhados de cevada que, guardadas ainda estão para matança do último jantar. Na frigideira de ferro estanhado fritam-se os bocados de coelho – o cocho frito – como lhe chamam, e um odor a um tempero esquisito e a saborosa banha de porco exala-se no ar.  (…)

“Tradicionalmente, os romeiros acampam, consoante as terras, em sítio determinado: nos olivais ao Norte da Igreja, os de Varche, Vila Boim, Vila Fernando, Santa Eulália, Borba, Vila Viçosa, Estremoz, Évora, Veiros, Alandroal e outros daquelas bandas; no olival da família Vasconcellos, a Sul, os da Ribeira de Anha-loura e aldeias próximas; os de Campo Maior e Badajoz, que dantes (quando a Feira se fazia no Rossio do Calvário) ficavam nas imediações da ermida de Nossa Senhora da Nazaré, distribuem-se presentemente pelo olival do sr. Joaquim Alfredo de Sá e Almeida Júnior, juntamente com os de Olivença, que costumavam acampar no ferragial da horta de S. Paulo; mais abaixo, à entrada da Avenida, é o acampamento dos ciganos, que lêem a “sina” e fazem espantosas transacções de gado; os de Barbacena, Monforte, Vaiamonte e Orada fixam-se pela Tapada da Saúde, uns, e outros pela mata.

         Nalgumas freguesias, como Barbacena, era de ver a chegada dos romeiros de Monforte, Vaiamonte, Alter do Chão e Alpalhão! Vindo em filas, onde imperava a alegria, atingiam aquela povoação ao lusco-fusco do dia 19 e aí pernoitavam, mas ninguém conseguia pregar olho, pois todos cantavam e bailavam na mais franca confraternização. Os habitantes de Barbacena aguardavam sempre, com ansiedade, “as alpalhoeiras”, pois assim designavam essa ruidosa reunião, que só terminava quando lá para as 5 ou 6 da manhã todos se punham novamente em marcha a caminho da Piedade.

         Nos nossos dias, as carreiras das camionetas mataram, em grande parte, estas usanças tão simples, tão puras, tão características, que já só vão sendo recordadas, com saudades infinitas, pelas pessoas mais velhas.

         Contudo, não diminuiu, antes parece que aumentou, a concorrência aos Arraiais e principalmente na noite de 21, a Piedade é um autêntico mar humano. “A Ordem” um pequeno jornal que se publicava em Elvas, Calculou de 20 a 30.000 o número de romeiros no arraial de 1889, e hoje pode aceitar-se como bastante aproximada a última daquelas cifras.

(…)

Pese aos meios de transporte muito mais rápidos, que permitem a quantos os utilizam virem todos os dias ao Arraial e regressarem a suas casas lá para as 2 horas da madrugada, no ano findo ainda se reuniram nas vizinhanças do Parque umas boas centenas dos inconfundíveis “churriões”, o que não nos fez, porém, esquecer que, ( segundo o Correio Elvense, de 19 de Setembro de 1891),em 1891 houve quem contasse o bonito número 2.500!

 

 

GAMA, Eurico (1965). O Senhor Jesus da Piedade de Elvas. Elvas: Tipografia Casa Ibérica. (Páginas 223 a 239)

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publicado às 14:44


OS TRABALHOS E OS DIAS NO CAMPO

por Francisco Galego, em 16.09.12

Mas um cancioneiro geral do trabalho e das gentes que viviam do trabalho nos campos teria de referir muitas outras tarefas e muitas outras ocupações:

 

As moças deste ranchinho,

Andam sempre numa fona;

Trabalham sempre a cantar,

Na vindima e n’azeitona.

 

Vão à colheita dos grãos,

Não lhes faz mossa o calor;

Vão colhendo e vão cantando,

Cantigas ao seu amor.

                                                       

O meu amor é carreiro,

Ajuda de maioral;

Quando vem guiando as bestas,

Parece-me um general.

 

O meu amor é carreiro,

Que linda figura faz;

Toda a gente me dizia,

Namora-o que é bom rapaz.

                                                       

O meu amor é ganhão,

Trabalha a terra vermelha;

P’ra nela semear pão,

Lavra-a com sua parelha.

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publicado às 16:35


DIZER VERDADES CANTANDO ( IV )

por Francisco Galego, em 12.09.12

As quadras que a seguir se transcrevem, referem a situação dos trabalhadores no tempo do Estado Novo. Algumas, de forma divertida, outras clamando contra as duras condições de vida dos trabalhadores, referem a situação dramática dos que, nesse tempo de grande miséria, viviam sujeitos à apertada vigilância dos maiorais e manajeiros e sob a permanente ameaça de despedimento pelos patrões, o que significaria a perda do magro e raro salário que ganhavam, a mourejar de sol a sol, no trabalho do campo. Algumas são também clara manifestação de revolta contra as injustiças e as profundas desigualdades sociais:  

 

 

Sendo tu rico e eu pobre,

Sem mim não podes passar;

Enquanto eu tiver valor,

P’ra ti hei-de trabalhar.

                                                       

Quem vive do seu trabalho,

Nada vale com certeza;

O rico nada valendo,

Já pode mostrar grandeza.

 

Desprezas-me por eu ser pobre,

A pobreza Deus amou;

Não me trocava contigo,

Assim pobre como sou.[1]

 

 

            Numa terra em que o carácter sazonal do trabalho nos campos lançava periodicamente os trabalhadores no desemprego, a fome era a trágica visita que muitos deles bem conheciam. Apesar da trágica desgraça que constantemente pairava sobre as suas famílias, conseguiam brincar com a sua própria desgraça:

 

 

Ainda hoje não comi,

Coisa que o Senhor criasse;

Mas já vi o meu amor,

Fiquei como se jantasse.[1]



[1] Idem, nº 433, Elvas, 14 de Junho de 1882.



[1] Idem, nº 139, Elvas, 30 de Julho de 1882, com algumas diferenças.

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publicado às 16:30


DIZER VERDADES CANTANDO ( III )

por Francisco Galego, em 05.09.12

As quadras que a seguir se transcrevem, referem a situação dos trabalhadores no tempo do Estado Novo. Algumas, de forma divertida, outras clamando contra as duras condições de vida dos trabalhadores, referem a situação dramática dos que, nesse tempo de grande miséria, viviam sujeitos à apertada vigilância dos maiorais e manajeiros e sob a permanente ameaça de despedimento pelos patrões, o que significaria a perda do magro e raro salário que ganhavam, a mourejar de sol a sol, no trabalho do campo. Algumas são também clara manifestação de revolta contra as injustiças e as profundas desigualdades sociais:  

 

Ó que triste o meu penar,

Ó que triste o meu viver;

Trabalho de sol a sol,

E nem tenho o que comer.

 

Anda o pobre escravizado,

Toda a vida a trabalhar;

Sem ter direito à reforma,

Quando não puder ganhar.

 

Se o rico comprara a vida,

Ai do pobre, o que seria;

O rico seria eterno,

Só o pobre é que morria.

                                                       

Na cidade de Lisboa,

Quem é rico passa bem,

Assim é na minha terra,

E noutra terra também.[1]

 

Já o sol se vai escondendo,

Vai baixando a escuridão;

É alegria p’ra nós,

Tristeza para o patrão.



[1]Idem, nº 427, Elvas, 4 de Maio de 1886.

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publicado às 16:22


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