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CANTAR O TRABALHO E CANTAR TRABALHANDO XII

por Francisco Galego, em 27.06.12

 

As quadras que a seguir se transcrevem, referem a situação dos trabalhadores no tempo do Estado Novo. Algumas, de forma divertida, outras clamando contra as duras condições de vida dos trabalhadores, referem a situação dramática dos que, nesse tempo de grande miséria, viviam sujeitos à apertada vigilância dos maiorais e manajeiros e sob a permanente ameaça de despedimento pelos patrões, o que significaria a perda do magro e raro salário que ganhavam, a mourejar de sol a sol, no trabalho do campo. Algumas são também clara manifestação de revolta contra as injustiças e as profundas desigualdades sociais:  

 

 

Adeus ó Zé Abanão,

Moiral do Chico Corado,

És chefe da inquisição,[1]

Está o povo desgraçado.

 

Ó meu amor diz-me lá,

Para quê trabalho eu?

Trabalho, mato o meu corpo,

Não tenho nada de meu.[2]

 

É triste nesta labuta,

Não haver contemplação;

O trabalho é do operário,

Os lucros são do patrão.

 

Para o rico andar gozando,

É o pobre quem trabalha;

O suor do pobre é doce,

A paga do rico amarga.

 

No campo da divina luz,

Onde tudo se consome;

Há quem come e não produz,

Há quem produz e não come.

 

Pedi a Deus que me desse,

 Uma vida d’alegria;

Deus então me respondeu,

Trabalha, semeia e cria.

 

O meu vizinho barbeiro,

Passa a vida alegre à porta;

Eu trabalho noite e dia,

Não passo da cepa torta.[3]

 

Homem rico é mandrião,

Faz figura de espantalho;

O pobre sempre a sofrer,

E às vezes nem tem trabalho.

 

Nasci pobre, pobre sou,

Fortuna não me conhece;

Mas enfim, é sorte minha,

Quem mais faz menos merece.[4]

 

Ó rico tira o chapéu,

Vai um enterro a passar;

É o corpo d’um operário,

Que morreu a trabalhar.

 

Ó que triste o meu penar,

Ó que triste o meu viver;

Trabalho de sol a sol,

E nem tenho o que comer.

 

Anda o pobre escravizado,

Toda a vida a trabalhar;

Sem ter direito à reforma,

Quando não puder ganhar.

 

Se o rico comprara a vida,

Ai do pobre, o que seria;

O rico seria eterno,

Só o pobre é que morria.

                                                       

Na cidade de Lisboa,

Quem é rico passa bem,

Assim é na minha terra,

E noutra terra também.[5]

 

Já o sol se vai escondendo,

Vai baixando a escuridão;

É alegria p’ra nós,

Tristeza para o patrão.

 

Sendo tu rico e eu pobre,

Sem mim não podes passar;

Enquanto eu tiver valor,

P’ra ti hei-de trabalhar.

                                                       

Quem vive do seu trabalho,

Nada vale com certeza;

O rico nada valendo,

Já pode mostrar grandeza.

 

Desprezas-me por eu ser pobre,

A pobreza Deus amou;

Não me trocava contigo,

Assim pobre como sou.[6]

 

Ainda hoje não comi,

Coisa que o Senhor criasse;

Mas já vi o meu amor,

Fiquei como se jantasse.[7]



 



[1] Repare-se na conotação da palavra inquisição (repressão, opressão, perseguição), numa terra em que, como Campo Maior, devido à política de D. João II de acolher os judeus expulsos de Espanha nas terras de fronteira em Portugal, conheceu a tenebrosa acção do Tribunal do Santo Ofício, nos séculos XVII e XVIII.

[2] Publicada em A Sentinella da Fronteira, nº 135, Elvas, 16 de Julho de 1882, com diferença do 1º verso: Ó minha mãe dos trabalhos,.

[3] Idem, nº 145,  Elvas, 20 de Agosto de 1882.

[4] Idem, nº 137, Elvas, 23 de Julho de 1882.

[5]Idem, nº 427, Elvas, 4 de Maio de 1886.

[6] Idem, nº 139, Elvas, 30 de Julho de 1882, com algumas diferenças.

[7] Idem, nº 433, Elvas, 14 de Junho de 1882.

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publicado às 09:08


CANTAR O TRABALHO E CANTAR TRABALHANDO XI

por Francisco Galego, em 20.06.12

 

Cancioneiro da Ceifa (IV)

 

 

    Também no trabalho dos campos acontecia serem cantadas cantigas de escarnecer:

 

 

Encontrei um escaravelho,

Quando estava a ceifar;

C’uma pragana no olho,

E um pico no calcanhar.

 

Encontrei um escaravelho,

Quando vinha do restolho;

C’um pico no calcanhar,

E uma pragana no olho.[1]

 



[1] Idem, nº 322, Elvas, 12 de Julho de 1884.

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publicado às 09:02


CANTAR O TRABALHO E CANTAR TRABALHANDO X

por Francisco Galego, em 14.06.12

Cancioneiro da Ceifa (III)

 

 

Já acabaram as ceifas,

No campo fica o restolho;

Raparigas não confiem,

Em rapaz que pisca o olho.

 

Ai que calma está caindo,

Em cima dum ceifador;

Quem fora folha de palma,

Que cobrira o meu amor.[1]

 

Não é a ceifa que mata,

Nem são as calmas do Verão;

É a erva unha-gata,

Mais o cardo beija-mão.[2]

 

Esta calma abrasa o mundo,

Quem me dera a fresquidão;

Anda meu amor na ceifa,

Já lhe falta comprensão.[3]

 

Meu amor foi para a ceifa,

Queira Deus que volte cedo;

Abalou deixou-me só,

Metida neste degredo.

                                                       

O meu amor foi p’ra ceifa,

Deus queira que corte um dedo;

Abalou deixou-me só,

Metida neste degredo.[4]

 

O pão seco é que estala,

Quando se lhe mete a foice;

Quem tem má-língua é que fala,

Que tem mau génio dá coice.[5]

 

Abalaste para a ceifa,

P’ra lá de Campo Maior;

Bordei-te um lenço encarnado,

Para limpares o suor.[6]

 

Ceifeira dos olhos pretos,

Senhora dos meus amores;

Entre o trigo e as papoilas,

És a rainha das flores.

 

Por cima se ceifa o pão,

Por baixo fica o restolho;

Menina não s’enamore

De rapaz que empisca o olho.[7]

 

Sou ceifeira trago botas

E também trago mantéu;

E trago uma papoila,

Na fita do meu chapéu.[8]

 

Tudo o que é verde seca,

Em vindo o calor do Verão;

Só as penas reverdecem,

Dentro do meu coração.

 



[1] Publicada em A Sentinella da Fronteira, nº 570, Elvas, 11 de Maio de 1890.

[2] Idem, nº 580, Elvas, 23 de Fevereiro de 1891.

[3] Comprensão = vontade, capacidade, força, paciência.

[4] Publicada em A Sentinella da Fronteira, nº 281, Elvas, 15 de Dezembro de 1883.

[5] Idem, nº 361, Elvas, 23 de Fevereiro de 1885, com algumas diferenças.

[6] Publicada em Achegas para o Cancioneiro Popular Corográfico do alto Alentejo, por J.A. Pombinho Júnior, 1957, p. 59. Aparece também no CancioneiroPopular de Jaime Cortesão, 1914, p.167, na versão:

 

                                               O meu amor foi à ceifa,

                                               P’ra lá de Campo Maior;

                                               Mandei-lhe um lenço encarnado,

                                               Para alimpar o suor.

 

[7] Publicada em A Sentinella da Fronteira, nº 358, Elvas, 31 de Janeiro de 1885.

[8] Idem, nº 417, Elvas, 21 Fevereiro de 1886.


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publicado às 08:52


CANTAR O TRABALHO E CANTAR TRABALHANDO IX

por Francisco Galego, em 10.06.12

Todos anos, de Maio a Agosto, o Alto Alentejo atraía grandes “maltas de ratinhos” em busca de um ganho suplementar que mitigasse os magros proventos obtidos no amanho das suas terras, a norte. Talvez por isso, as “saias”, este cantar tão ligado aos costumes alentejanos, foi emigrando para outras regiões. É uma das hipóteses a considerar para explicar a disseminação das “saias” por uma área tão alargada que vai desde a vila do Redondo, ocupando toda a zona raiana do Distrito de Portalegre, estendendo-se a uma parte considerável da Beira Baixa, e a algumas terras ribatejanas, chegando mesmo a regiões situadas muito mais a norte.

 

 

Cancioneiro da Ceifa (II)

 

Por baixo desse chapéu,

Se esconde teu lindo rosto;

Não afastes os teus olhos,

Não me dês esse desgosto.

 

Sou ceifeira, sou ceifeira,

Sou ceifeira não renego;

Eu fui a melhor ceifeira,

Que apareceu no Alentejo.

 

Camponesas, camponesas,

Ó, mas que lindas moçoilas;

Andam ceifando searas,

No meio de lindas papoilas.

                                                       

Camponesas, camponesas,

Camponesas d’algum dia;

Deixaram ganhar a ceifa,

Às moças da Freguesia.

 

Ceifeira, linda ceifeira,

Que andas sempre a ceifar;

Debaixo do ardor do sol,

Como brilha o teu olhar.

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publicado às 08:45


CANTAR O TRABALHO E CANTAR TRABALHANDO VIII

por Francisco Galego, em 04.06.12

As ceifas constituíam outra das tarefas agrícolas que, antes da introdução das máquinas de ceifar e de debulhar, exigiam maior número de trabalhadores. Era um dos períodos do ano em que os assalariados se viam livres do flagelo do desemprego e da fome. O trabalho da ceifa era feito por grandes ranchos de homens e mulheres que, em linha, iam ceifando as grandes searas de trigo. Enquanto o faziam, sob a inclemência do sol abrasador do Verão alentejano, iam cantando para mitigar a rudeza do esforço.

Ora, no século XIX e 1ª metade do século XX, as ceifas eram tarefa que exigia sazonalmente muita mão-de-obra. Tanta que, para realizar todas as ceifas em tempo de evitar que parte dos cereais se perdessem, se tornava necessário o recurso a grandes ranchos de trabalhadores vindo de regiões mais a norte.

 

 

Cancioneiro da Ceifa (I)

 

As papoilas encarnadas,

A brilhar entre os trigais,

São tão lindas, perfumadas,

Com as rosas nos rosais.

                                 

À seara fui buscar,

Com meu suor a riqueza;

A vida pôs-me a ceifar,

Fiquei na maior pobreza.

 

Para o dono da seara,

A minha foice é dourada;

Ceifa trigo e centeio

Ceifa aveia e cevada.

 

Dizem que a folha do trigo,

É maior que a da cevada;

Também a minha amizade,

Ao pé da tua é dobrada.

 

Mas que linda ceifeirinha,

Que cara mais engraçada;

Lenço de chita florida,

A saia muito rodada.

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publicado às 08:33


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