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Qualidade das democracias

por Francisco Galego, em 29.05.09

 

Os especialistas da revista inglesa The Economist elaboram, de dois em dois anos, um relatório feito a nível mundial – o Democracy Index – sobre o estado da democracia em 167 países. Estes, mediante a classificação que obtêm, são divididos em diversas categorias: As chamadas democracias plenas, são os países classificados nos 30 primeiros lugares; a das democracias imperfeitas, países do 31º ao 80º lugar; os regimes híbridos, entre o 81º e o 116º; os regimes autoritários, do 117º ao 167º.
A classificação resulta da análise da situação do regime político de cada país, em função de um conjunto de parâmetros: “Democraticidade eleitoral” (o processo eleitoral é feito ou não pelo voto universal; há ou não suspeitas de fraudes; a população dispõe ou não de acesso e de esclarecimento sobre os programas políticos); “funcionamento do governo” (a transparência dos actos governativos e a maneira como se respeita e são postas em prática as decisões dos órgãos democraticamente constituídos); a “participação política” da população (essencialmente avaliada pelos índices de abstenção); a “cultura política” (avaliada pela participação da população em acções de cidadania); as “liberdades cívicas” (garantia dos direitos de expressão e de reunião).
No relatório referido ao ano de 2006, Portugal apareceu colocado em 19º lugar, passando agora, no referido a 2008, para o 25º, o que significa uma queda de seis posições na classificação geral. Esta queda dever-se-á ao elevado nível de abstenção no referendo sobre o aborto efectuado em Fevereiro de 2007, pois o parâmetro “participação política” passou de uma pontuação de 6.11 para 5.56, mantendo-se igual em todos os outros parâmetros.   
À primeira vista, parece não haver motivos para alarme. Contudo, se passamos para uma análise ao nível da União Europeia (UE), o caso apresenta-se de modo diferente pois que aí Portugal aparece em 16º lugar no conjunto dos actuais 27 países que a integram. Porém, se considerarmos que atrás de nós apenas ficam os países do recente alargamento (Estónia, Letónia, Lituânia, Roménia, Bulgária, Hungria e Polónia), e que dos antigos elementos da UE apenas a Itália ficou atrás de Portugal, então o caso muda de figura. Ou seja, no conjunto dos países europeus mais desenvolvidos, Portugal pode ser considerado como sendo um dos piores, em termos de vivência democrática.
Poderíamos buscar consolo no facto de se ter verificado uma tendência geral para a regressão da qualidade da democracia, pois se constata que apenas a República Checa apresentou melhorias, sendo que oito países apresentaram índices iguais e todos os outros pioraram. Contudo, o mal dos outros nunca resolve os nossos próprios problemas. A verdade é que, mesmo sem olharmos para os resultados deste relatório, todos nós percebemos que há uma preocupante queda na qualidade da nossa vivência democrática que, além da crescente tendência para a abstenção, se torna também visível no desinteresse alargado pelas questões políticas, na indiferença e no fraco nível de participação. Porque essa diferença também acontece nos outros países, não se torna tão evidente a degradação em cada um dos países, quando se trata de os compararmos.
Significativamente, a SEDES, Associação para o Desenvolvimento Económico e Social, anuncia para este ano um congresso sobre a qualidade da democracia. O problema deve ser considerado preocupante e, como acontece com todas as questões sociais de carácter global, só poderá ser analisado se considerarmos uma interacção complexa de factores. Entre estes, terão de ser considerados os ligados à qualidade e à eficácia da educação.
Neste campo convém que a análise não se cinja aos dados estatísticos, pois, se é fácil constatar um crescimento dos dados referentes aos escolarizados e aos que participaram em programas de formação ou de instrução, esses dados nada nos dizem sobre a eficácia real desse acréscimo.
Uma coisa é a concessão dos diplomas que certificam graus de escolarização. Outra questão são as efectivas competências, conhecimentos e capacidades adquiridas ou desenvolvidas pelos educandos ou formandos, com a frequência dos cursos ou acções de formação ou de treino que tenham frequentado.
Por todo o lado, desde a escolaridade formal às “Novas Oportunidades”, passando pelas acções de formação, se nota uma preocupante tendência para facilitismos que não auguram boas consequências para o nosso futuro. Numa perspectiva nitidamente facilitista o diploma deixa de ter uma função de certificação de saberes adquiridos para ser tornar apenas num documento que facilita o acesso a determinadas vantagens. E, francamente, não é disso que estamos necessitados na nossa sociedade.
Não tendo isto em atenção, arriscamo-nos a ter muitos diplomados sendo, contudo, muito poucos os que estarão funcionalmente dotados das capacidade de serem utilmente produtivos em benefício da sociedade.
 Em termos políticos, a democracia plena só pode existir se os elementos da sociedade têm plena consciência da sua condição de cidadãos. Em consequência, quanto mais carecerem de educação e formação, menos aptos estarão e menos apetência terão para exercerem a sua cidadania.

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publicado às 18:47


O alargamento da escolaridade obrigatória

por Francisco Galego, em 20.05.09

 

Numa entrevista à televisão o primeiro-ministro anunciou o alargamento da escolaridade obrigatória para 12 anos
            Há países desenvolvidos que têm, expressos na lei como obrigatórios, apenas 9 anos de escolaridade: a Itália, Áustria e a Suíça, por exemplo. Esta situação só aparentemente poderá surpreender, pois que, se as leis se destinam a determinar o que, por interesse ou necessidade pública, deve ser feito ou reprimido, para quê cuidar de regulamentar o que, por si mesmo, funciona na perfeição? Se um país, devido ao elevado desenvolvimento económico e cultural da sua população, já pratica uma escolaridade suficientemente prolongada, que necessidade há de se fazerem leis a imporem o seu prolongamento?
            Mais difícil de entender será o caso de países pouco desenvolvidos que têm, nas leis expressa uma obrigatoriedade de 11 ou 12 anos de escolaridade, sendo visível o seu baixo nível de desenvolvimento, como a Moldávia, a Arménia, os Barbados, as Bahamas, o Togo, o Butão, a Guatemala e alguns mais. O que de facto acontece é que a  lei expressa a necessidade de mudança, mas a sua concretização é algo muito diferente.
            Em Portugal, neste campo, temos enfermado de um certo voluntarismo reformista que nos tem tornado rápidos a legislar mas muito lentos a executar. Decretámos muito cedo a escolaridade obrigatória: logo na 1ª metade do século XIX. Mas arrastámos elevados níveis de absentismo, de abandono e de insucesso escolar quase até à actualidade, estando ainda estes problemas por resolver completamente. De facto, só tornámos a escolaridade efectivamente obrigatória, após o 25 de Abril.
            Nos finais da década de 80 do século XX, foi instituída uma escolaridade obrigatória de nove anos que foi muito deficientemente executada, com níveis preocupantes de insucesso e de abandono escolar. Porquê? Pela situação deficitária da educação ao longo de várias décadas. O país sofreu de falta de recursos materiais (escolas e equipamentos), de recursos técnicos (didácticos e de apoio à aprendizagem) e de recursos humanos (professores, especialistas e pessoal de apoio à educação), sendo que, muitos destes, ou não tinham formação adequada, ou eram pouco ou mal preparados. Só ultimamente temos assistido a esforços empenhados para suprir essas deficiências.
            A situação foi-se arrastando porque também não havia grande pressão da população para que se efectuassem melhorias na educação devido à fragilidade económica e às carências culturais muito acentuadas das famílias. Por outro lado, a falta de sequência dos projectos políticos sobre a educação tem originado que, em vez de um processo contínuo e coerente, se tem caminhado por saltos, tendo uns como objectivo o desenvolvimento e outros a regressão. Referindo tempos mais recuados, veja-se a diferença entre as reformas educativas preconizadas pelo liberalismo no século XIX e pela 1ª República nas duas primeiras décadas do século XX, quando se chegou a planear o alargamento da escolaridade obrigatória para seis anos, com a radical redução, no tempo do Estado Novo, para apenas três anos de escolaridade obrigatória e, mesmo essa com total desleixo em relação ao insucesso e o abandono precoce da escola.
            Outros países conseguiram a plena alfabetização na viragem do século XIX para o século XX. Nós, só nos aproximámos dessa meta na segunda metade do século XX. Estarão aí algumas das mais importantes causas do nosso tardio desenvolvimento em quase todos os domínios e dos atrasos estruturais que, ainda hoje, afectam a sociedade portuguesa.

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publicado às 09:00


O escândalo dos salários dos altos quadros

por Francisco Galego, em 12.05.09

 

 A crise veio dar relevo de escândalo aos salários dos altos quadros, gestores e administradores das grandes empresas
               Cada administrador executivo de dez das maiores empresas portuguesas cotadas na Bolsa, terá recebido no ano de 2008, um salário médio de cerca de oitocentos e onze mil euros. Ou seja, 136 vezes mais do que o que aufere num ano uma pessoa com o salário mínimo nacional. Um português com salário mensal de mil euros precisaria de duas vidas para conseguir um rendimento igual ao que cada uma desses gestores recebe num ano.
O sistema chegou a tal situação que hoje os que mais lucram e que mais poderes têm sobre as empresas não são os seus proprietários e accionistas, mas aqueles que eles contrataram para as dirigirem. Porque são esses administradores e gestores que tomam todas as decisões, incluindo as dos salários que a si próprios se atribuem. São detentores de tal poder que, na maior parte dos casos, se comportam como se estivessem acima de quaisquer regras ou princípios de ética.
O caso da AIG, que recebeu 173 milhões de dólares do governo dos Estados Unidos para fazer face à situação de insolvência em que se encontrava devido à crise, é paradigmático deste tipo de comportamento: tendo recebido, em consequência das medidas de apoio ao relançamento da economia, esses 173 milhões, os responsáveis pela gestão apressaram-se a atribuir a si próprios, benefícios salariais que absorveram 165 milhões, ou seja, a maior parte, sem qualquer preocupação de viabilização da companhia seguradora. Isto, se tivesse sido permitido pelo governo, consistiria na incrível situação de ser o dinheiro dos contribuintes que iria recompensar os que eram os principais responsáveis pela má gestão e pelos maus resultados obtidos. Bela maneira de premiar a incompetência.
Como evitar práticas tão abusivas quanto ofensivas do bom senso e lesivas de qualquer conceito de justiça social? Através de medidas que cortem estas insaciáveis ambições, como fez o presidente Obama que determinou impostos a cobrar sobre esses benefícios salariais os quais fizeram regressar uma grande parte dessa verba aos cofres do Estado.
Por cá tem havido uma certa contenção, havendo mesmo grandes empresas que têm anunciado reduções ou congelamentos dos vencimentos dos seus altos quadros de gestão e administração. Mesmo assim, existem situações que não deixam de causar escândalo, dada a conjuntura de crise que se vive e a abissal diferença entre esses vencimentos e a situação dramática em que vive uma grande parte da população. O próprio Presidente da República chamou a atenção para o problema.
 

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publicado às 18:26


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