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ENTRE A ESPERANÇA E A PREOCUPAÇÃO

por Francisco Galego, em 24.04.09

 

 
1.         A primeira viagem do presidente Barack Obama à Europa teve um assinalável êxito mediático. No seu périplo europeu participou na Cimeira da NATO, visitou Praga, onde se dirigiu a todos os europeus, num grandioso comício, seguindo depois para a Turquia, país muçulmano onde fez questão de se referir ao conflito entre israelitas e palestinianos e colocar a questão da retirada das tropas americanas da Iraque, prometendo um maior envolvimento na luta contra os talibãs, no problemático Afeganistão.
Mesmo os anteriormente apoiantes da administração Bush, não pouparam elogios entusiásticos à acção do novo presidente, exaltando-lhe o “excepcional carisma” e a clarividência das medidas preconizadas para o combate à crise global, quando defende que não basta a concessão de créditos e injecção de mais dinheiro nos bancos pois que o que está fundamentalmente em causa é a urgência na adopção de novos comportamentos para que se possa iniciar uma nova era, em que não seja possível a repetição das consequências em que se viu embaraçada a economia a nível mundial. Anunciou ainda a intenção de adoptar medidas de vigilância atenta e um controlo regulador mais eficaz sobre os agentes económicos aos mais diversos níveis.
Num outro registo, o Presidente Obama foi pedindo aos seus parceiros europeus que se disponibilizassem para acolherem os presos de Guantánamo que, por razões de segurança, não possam ser enviados para o Iraque. Portugal foi dos primeiros a manifestar a sua disposição para colaborar nessa medida de carácter humanitário.
Depois da Europa chegou a vez de se reunir com os vizinhos americanos em Trindade e Tobago. Nesta cimeira das Américas, os líderes dos 34 países da Organização dos Estados Americanos, não puderam chegar a grandes conclusões nem atingir resultados espectaculares. Chagas profundas, abertas há muitas décadas, não podem sarar miraculosamente de um momento para o outro. Mas, se não foram grandes os passos concretos para uma reconciliação plena, pelo menos foi um encontro que, ao nível das boas vontades e dos afectos, deixa boas perspectivas para o futuro próximo, nas relações entre os americanos. Foram muitos os sinais que denunciam uma real vontade de reaproximação. Mesmo nos casos mais complicados, como os da Venezuela e de Cuba, parecem longe os tempos da crispação e são visíveis os anseios de que se caminhe para uma normalização nas relações entre os estados.
 
2.         Entre nós, a crise não pára de crescer e de se manifestar de formas preocupantes. Os jovens saídos das universidades à procura de primeiro emprego, vêm juntar-se aos desempregados de curta e de longa duração e aos que as sucessivas falências a nível do comércio e das empresas industriais não param de lançar numa insustentável situação de carência, empurrados para o campo dos necessitados, sob a ameaça de uma provável situação próxima da exclusão social.
O desemprego não pára de crescer sem que se vislumbre qualquer esperança de solução ou de abrandamento. Basta abrir o jornal ou prestar atenção aos noticiários para sermos confrontados com as fábricas que encerram as portas deixando de produzir, num interminável rosário de empresas comerciais e industriais de todos os tipos e dimensões afectadas pelos efeitos das dificuldades da economia.
O Estado tem-se desdobrado em iniciativas tendentes a evitar o colapso das estruturas básicas de financiamento. A garantia de aval no valor de milhões para evitar a falência de certos bancos, teve como objectivo evitar os inevitáveis efeitos que um ainda maior número de falências iria produzir.
Mas é preciso introduzir processos que garantam a moralização do sistema, que vigiem com rigor o modo como vão ser utilizados esses recursos, evitando intoleráveis abusos, como as remunerações milionárias de alguns gestores, ou a concessão de crédito a indivíduos que, sem qualquer sensibilidade ou consciência social, se apressam a depositarem essas quantias nos malfadados paraísos fiscais que desempenharam tão nefasto papel na gestação desta crise.
Torna-se necessário gizar planos estruturados de actuação, pois não será com medidas dispersas para acudir às necessidades mais urgentes que se resolverão as questões conjunturais que estamos a enfrentar.
A crise apenas começou. Nos seus efeitos mais perniciosos, o pior está ainda para chegar. O desemprego começou a rolar como bola de neve que não pára de crescer. Ora, o desemprego gera mal-estar social a todos os níveis. O que já se está a verificar em alguns países europeus, acabará por chegar também a Portugal se não forem tomadas a medidas de prevenção mais adequadas.
A situação conjuntural de nos encontrarmos em ano de sucessivas eleições não é a mais favorável para estabelecer os acordos necessários que possibilitem as melhores soluções. Na ânsia de disputar a conquista do poder, os partidos tendem a agir de modo pouco prudente. Tendem mais a criticar o que não corre bem, do que a tentar encontrar conjuntamente as soluções que melhor pudessem ajudar a resolver. Talvez não seja uma maneira muito inteligente de encarar esta situação. Porque, quando a necessidade atirar os mais desesperados para a legítima revolta contra condições de vida inaceitáveis, quem sairá a ganhar de tal situação?
 

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publicado às 19:42


Os pecados do tempo

por Francisco Galego, em 14.04.09

 

As grandes obras são intemporais. Elas antecipam os factos, as situações, os sentimentos, fazendo com que a sua leitura se torne pertinente, útil e esclarecedora, mesmo que já vários séculos tenham passado sobre o tempo em que foram produzidas. A riqueza do seu conteúdo ajuda-nos a compreender a realidade do nosso viver. A certeza das suas análises, conduz o nosso pensamento para uma compreensão iluminada das questões. A frase justa, exacta, precisa, torna simples expressar aquilo que de facto pretendemos dizer ou escrever:
 
Uma das coisas de que se devem acusar e fazer grande escrúpulo os governantes, é dos pecados do tempo. Porque fizeram no mês que vem o que se havia de fazer no passado; porque fizeram amanhã o que se havia de fazer hoje; porque fizeram depois o que se havia de fazer agora; porque logo o que se havia de fazer já.
Tão delicadas quanto isto hão-de ser as consciências dos que governam, em matérias de momento.
O governante que não fez grande escrúpulo de momentos não anda em bom estado; a fazenda (os bens) pode restituir-se, a fama, ainda que mal, também se restitui. Mas o tempo não tem restituição alguma.
(Padre António Vieira, século XVII)
 
Partindo deste texto constatem quanto prejudicam as populações os governantes que adiam, protelam, esquecem e deixam de fazer o que estava prometido ao povo, porque apenas agem segundo aquilo que é o seu próprio interesse.

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publicado às 17:34


Coerência e Democracia

por Francisco Galego, em 04.04.09

 

A qualidade da gestão que se pratica em qualquer órgão político que resulte de eleição dita democrática, devia avaliar-se pela confrontação entre o conteúdo dos programas com que os que ocupam esses órgãos se apresentaram ao eleitorado e o trabalho efectivamente realizado por essa gestão.
Por um lado, para que isso se tornasse prática corrente, seria necessário que o mesmo eleitorado entendesse que esses programas não deveriam ser considerados letra morta, um conjunto de bonitas promessas que nunca houve qualquer intenção de cumprir, até porque ninguém as vai ler, pois são apenas um enfeite formal para cumprir a lei, sem que tenha havido um compromisso sério de que viria a ser posto em prática.
Por outro lado, se tal não acontece, a maior culpa cabe ao estado de permissividade a que chegámos, pois, após 35 anos de regime dito democrático, ninguém cuida de verificar se existe coerência entre o que se proclamou como programa e o que foi realizado. Aqueles a quem cabe exercer o poder de fiscalizar e reprimir o abuso de práticas ilegítimas, deviam agir para evitarem a lassitude de comportamentos que se instalou no exercício da administração pública, penalizando a falta aos compromissos assumidos pelos que se fazem eleger para os cargos políticos, responsabilizando-os pelos danos que pudessem ter provocado com a sua negligência.
Nós, os cidadãos que procuramos viver em respeito pela legalidade democrática temos o direito de exigir mais coerência, mais empenho e maior clareza da parte dos que devem zelar pelo bem das comunidades e do Estado, denunciando os que cuidam apenas de agir segundo o seu próprio interesse e o das cortes que sempre rodeiam aqueles que se tornam poderosos.
Quem entende que a democracia deve ser o exercício não controlado do poder político, quem entende que o povo só serve para legitimar a sua ascensão ou conservação no poder, não ama, não defende, nem garante a persistência e a continuidade da democracia.
Quase todas as democracias que falharam na Europa e no Mundo, foram vítimas da permissividade excessiva e do fraco controlo e fiscalização sobre os detentores dos cargos políticos. Não há democracia no meio da impunidade que permite que ninguém tenha de prestar contas perante ninguém. Poderá existir um simulacro formal a que alguns chamam democracia, mas a democracia real só por milagre pode sobreviver a certas confusões que estão mais a caminho de uma ditadura exercida a vários níveis por certas minorias que se instalam, sobretudo no poder local. Neste a participação democrática está a tornar-se cada vez mais escassa, pois há comunidades regidas por sistemas de influências que permitem que o poder seja exercido em nome do povo mas não em benefício do povo.
Estas situações que, do ponto de vista formal, se apresentam como democráticas, quase nada têm a ver com a democracia. São situações que se vão degradando pelo exercício incontrolado do poder e, mais tarde ou mais cedo, acabam por dar lugar àquilo que apregoaram não ser, mas que efectivamente sempre foram: Oligarquias, ou seja, situações em que o poder de decisão está nas mãos de uma minoria e é exercido em favor dessa minoria.
Façam um esforço e apelem aos vossos conhecimentos sobre o passado dos povos: poderão constatar que as ditaduras mais duradouras e que com maior despotismo exerceram o poder, se instalaram devido aos vícios e desmazelos das democracias. O mais grave é que isso aconteceu em situações de profundas crises económicas e sociais, com alguma semelhança com a que agora vivemos. Assim aconteceu na Itália, em Portugal, na Espanha e na Alemanha na primeira metade do século vinte.
O mais triste é verificar que os que menos cuidaram da liberdade e do poder de participação de que dispunham, foram os que mais violentamente acabaram por sentir os efeitos perversos dessas ditaduras.
Não há democracia sem participação e nós estamos a assistir a uma preocupante distanciação dos portugueses em relação aos seus direitos e deveres políticos. Predomina uma acomodação, um deixa andar, um desinteresse que não prenuncia grandes coisas para o nosso futuro como cidadãos, como elementos de uma nação livre e de uma comunidade onde se possa viver em liberdade.
A contestação desta situação não admite dúvidas: Estamos numa fase de preocupante declínio democrático, pois estamos a desistir do nosso direito/dever de participação nas decisões que a todos nós dizem respeito. Cada vez desistimos mais dos autênticos valores da democracia, sem entendermos que estamos a desistir da nossa dignidade de homens livres.
Entrámos num ano que vai ser fértil em actos eleitorais. Estejam atentos a certos comportamentos que se vão tornando habituais. Vejam como os partidos aparecem a apoiar candidatos ao poder local sem cuidarem de averiguar do seu comportamento à frente da gestão das autarquias. Apenas vão cuidar de que saber se eles garantem o ganho para assim engrossarem os resultados eleitorais do partido que os apoia. Ora, em muitos casos, este critério de escolha é perfeitamente imoral e nada tem a ver com um verdadeiro comportamento democrático.
Quem, como eu, andar por aí a visitar aldeias, vilas e cidades do interior poderá constatar como as sacrossantas eleições conseguem realizar o “milagre da multiplicação das obras”. Há obras em curso para todos os gostos. Pela maneira como estão a ser levadas a cabo percebe-se o seu verdadeiro objectivo. A desgraça está em que quem estiver bem atento perceberá claramente que essas obras são feitas sacrificando programas, delapidando orçamentos, violando planos, atentando contra princípios e valores e atropelando processos legais que deviam ser respeitados. O pior de tudo é constatarmos que essas obras se destinam mais a manipular as consciências dos eleitores do que a resolver os verdadeiros problemas das populações.
Na Constituição da República Portuguesa está escrito que “todos os titulares de cargos políticos são politicamente responsáveis pelas acções e omissões que pratiquem no exercício das suas funções.” Porque será que são tão raros os políticos que foram obrigados a prestar contas pelos actos que praticaram e, sobretudo, pelos que deixaram por praticar?

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publicado às 20:01


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