Obama vai defrontar-se com o dilema que o coloca perante a opção, que frequentemente terá de fazer, entre a vontade de agir e a contingência que lhe condicionará as decisões a tomar.
A sua brilhante ascensão até à presidência dos EUA fez-se pela união de todas as minorias que ele soube amalgamar na maioria que lhe serviu de ponto de apoio para conseguir a eleição como mais alto magistrado da mais forte e mais influente potência a nível mundial.
Convirá que esse apoio persista, em nome de uma visão realista das condições em que o novo presidente terá de tomar as suas decisões. Se em nome da pureza de certos princípios que venham a considerar defraudados, adiados ou posto de lado, lhe retirarem a confiança e lhe cobrarem impacientemente promessas que, por mais justas e por mais desejadas que sejam, não são ainda concretizáveis, maior se tornará a dificuldade que ele terá para enfrentar e resolver os problemas e as crises que a desastrosa administração Bush lhe deixou como herança.
Politicamente falando, a defesa intransigente e apressada da consecução dos objectivos e o apego excessivo à pureza das causas, exigindo decisões imediatas e radicais que as circunstâncias não permitem, tornam-se no principal obstáculo para que possam vir a ser tomadas, no momento mais acertado, as decisões que estão em concordância com os objectivos que foram traçados.
A política que o novo presidente dos EUA irá desenvolver parte da convergência de muitos anseios, perspectivas e vontades que se encontraram no projecto de apoio à sua candidatura. Mas, nunca poderá, em absoluto, ser a realização total e perfeita de cada uma delas. A atitude mais adequada e mais conveniente, consistirá em analisar se, da sua acção política, resulta ou não o caminhar em direcção aos grandes objectivos, com a flexibilidade necessária, para que não fique comprometida a possibilidade da sua consecução com o mínimo de conflitos, de desgastes e de sobressaltos.
Nas suas intervenções como presidente eleito, Barack Hussein Obama foi dando sinais de quais são os projectos de mudança que considera prioritários para enfrentar os tempos difíceis que se lhe vão deparar no início da sua governação. Evoca mesmo a necessidade de uma nova “nova declaração da independência” querendo significar que o projecto a desenvolver é tão essencial que, na sua essência, significa uma nova fundação da nação americana, convocando os seus concidadãos para que se disponibilizem para que abandonem atitudes de egocentrismo, de preconceitos discriminatórios que têm caracterizado o modo de vida americano, em determinados estratos, comunidades e regiões da sociedade estadonidense.
Numa declaração proferida em Filadélfia, pouco antes da tomada de posse, referiu as linhas gerais da conjuntura em que vai assumir o poder começando por afirmar: “Raras vezes na nossa história, uma geração se viu confrontada com tão importantes desafios”, explicitando depois que a economia se encontra em profunda recessão, enfrentando simultaneamente duas guerras, que o planeta está sujeito a um galopante e perigoso aquecimento global devido à tremenda dependência do petróleo e a braços com uma crise global, com múltiplas tensões e conflitos abertos em diversas regiões do mundo. Tudo isto exigindo uma acção rápida e decisiva da parte da diplomacia dos Estados Unidos.
No fundo, Obama tem plena consciência que é preciso voltar ao verdadeiro conceito de democracia expresso por Abraham Lincoln: “A democracia é o governo do povo pelo povo”. Frase de uma extrema simplicidade que, como todas as coisas verdadeiramente simples, encerra uma grande verdade, pois o fundamento da democracia é, desde os seus pais fundadores, os iluministas liberais do século XVIII, o principio de que a soberania deve pertencer ao povo.
Ora, esta verdade que para alguns parece tão evidente, tem andado muito afastada do que deve ser a concepção do poder político em democracia. Pois que, sendo o povo o detentor legítimo da soberania, deveriam os que ele elege para governarem, ter apenas em conta os interesses desse mesmo povo. Ora, na maior parte dos casos, assistimos à inversa situação de ver o povo tão submetido à vontade e aos interesses dos que exercem os cargos políticos, que são eleitos os que, não tendo competência, nem, carácter, nem honra nem escrúpulos, governam mais para se servirem, do que para servirem segundo as necessidades do povo que os elegeu.
Algo vai mal neste sistema a que continuamos a chamar democracia. Talvez porque a democracia tem vindo a ser substituída por um conjunto de formalidades que muito pouco terão a ver com a verdadeira democracia. Talvez porque a democracia só pode funcionar correctamente quando o povo é constituído por verdadeiros cidadãos. Ou seja, por homens e mulheres conscientes dos seus direitos e dos seus deveres, capazes de entenderem claramente que é importante terem atenção na escolha dos mais competentes e dos mais capazes de agirem em proveito do bem comum.
No fundo, muitos dos que apoiaram Obama projectaram nele a esperança de verem renascer a possibilidade de restituir ao povo a consciência da sua soberania. Sem isso, que futuro poderá existir para os próprios regimes que se reivindicam dos ideais democráticos?
Permitam-me que termine este texto com este excerto do “Caderno de Saramago” do passado dia 20:
“Barack Obama, no seu discurso, deu-nos razões (as razões) para que não nos deixemos enganar. O mundo pode ser melhor do que isto a que parecemos ter sido condenados. No fundo, o que Obama nos veio dizer é que outro mundo é possível. Muitos de nós já o vínhamos dizendo há muito. Talvez a ocasião seja boa para que tentemos pôr-nos de acordo sobre o modo e a maneira. Para começar.”
Para já, nas primeiras decisões que tem vindo a tomar, o presidente Obama tem ido ao encontro das expectativas e esperanças nele depositadas.