Quando eu leccionava História a turmas do 12º segundo ano, tinha de conduzir os alunos à análise das questões raciais no mundo com incidência especial no que se estava a passar, desde meados do século XX, nos Estados Unidos da América (USA). Relacionando certos factos e tendência, costumava dizer-lhes que me parecia evidente e inevitável que, dentro de poucos anos, um americano negro iria chegar à presidência. Eu dizia negro porque, partindo do princípio que as palavras têm um significado, este só pode variar se mudarmos a intencionalidade com que as utilizamos. Como eu nunca tive preconceitos racistas, negro designa apenas o tom da pele e nada mais do que isso. Tal termo nunca teve para mim e julgo que jamais terá qualquer intenção pejorativa. Não tenho portanto que cuidar de usar termos ditos “politicamente correctos”. Deixo-os para aqueles que, efectivamente, os usam mais com uma intenção de politiqueira conveniência, do que com uma preocupação de bem-intencionada correcção. Esses que usem termos como “afro-americano” e outros do mesmo jaez.
O meu vaticínio, aliás fácil de antecipar para quem estudasse um pouco a evolução daquela sociedade nas últimas décadas, está concretizado: Um descendente de africanos conseguiu ser eleito presidente da nação considerada como a mais poderosa do mundo. A luta começou de modo mais aceso e decidido nos anos 50 do século passado, com a conquista dos direitos mais elementares como o de os negros poderem sentar-se nos mesmos lugares que os brancos nos transportes públicos, de frequentarem as mesmas escolas, as mesmas igrejas, de terem acesso aos mesmos espaços públicos e empregos, o direito de poderem votar e de serem candidatos aos mesmos cargos, enfim a tudo o que a constituição democrática americana, a mais antiga do mundo, teoricamente lhes concedia, mas que a realidade prática do dia-a-dia lhes negava.
Essa luta atingiu agora um ponto culminante quando Obama foi eleito presidente para assumir a mais alta magistratura do país que é o seu, de pleno direito, que é a sua pátria, a sua terra, o seu povo, a sua nação.
É nestas alturas que os Estados Unidos da América justificam o título, que por direito lhes pertence, de serem o estado democrático mais antigo do mundo moderno e aquele onde os direitos cívicos estão há mais tempo consignados na sua lei fundamental que é a Constituição. Isto apesar de todos os desvios, atropelos e distorções porque tenham passado e continuem a passar, ao longo da sua história.
Basta constatar o oceano de esperanças e de vontades que se reuniu à volta da sua candidatura para se ter uma ideia da importância que se consubstancia no acto da sua eleição. Alguns já lhe chamaram Presidente-Messias, significando apropriadamente esse mar de esperança e o atingir de uma meta que realiza a justa aspiração de várias gerações que se comprometeram até ao âmago na luta pelos seus direitos enquanto cidadãos.
Pesado fardo assenta sobre os ombros do cidadão Barak Obama. Mas, independentemente do que possa vir a realizar e a conseguir, a América já atingiu uma vitória que nada nem ninguém lhe poderá, a partir de agora, negar: a existência de uma real igualdade de oportunidades para todos os seus cidadãos, apesar de todos os preconceitos, conflitos e contradições que atravessam a sociedade americana. Obama, um “afro-americano”, como gostam de dizer os “politicamente correctos”, conseguiu o direito de ocupar um dos cargos que conferem maior poder e influência em todo o planeta. E, isto constituiu, a nível simbólico, um marco de significativa importância histórica.
Para além desta importância simbólica, a sua eleição representa muito mais do que isso para o actual momento que se vive nos Estados Unidos e no Mundo. Ele foi eleito na expectativa de uma mudança real que afaste os problemas que geraram uma das crises mais graves, mais generalizadas e mais preocupantes que o mundo teve de enfrentar nos últimos cinquenta anos.
Os americanos esperam do governo, que ele irá constituir e liderar, uma mudança substantiva. A falência do capitalismo liberal pouco regulado foi confessadamente reconhecida pelos seus mais importantes mentores. Os estados necessitam de encontrar novos modelos e rápidas soluções sob pena de caminharem para o colapso generalizado das economias e das sociedades. Esta espécie de “capitalismo de casino”, como é muitas vezes designado o modelo que arrastou o mundo para esta crise, exige o regresso a soluções políticas muito atentas às necessidades das populações. Obama foi eleito por encarnar a esperança de um estilo alternativo de governação que, mais atento aos problemas da população americana, seja também mais empenhado nas questões que garantam a paz, a tranquilidade nas relações internacionais, tendo como objectivo a realização das condições que tornem o mundo melhor e mais humanizado.
Será certamente peso demasiado para colocar sobre os ombros de um único homem, transformado, por força das circunstâncias, no profeta de tantas aspirações, de quem se espera a solução de tantos, tão grandes e tão desencontrados desejos. Mas, enquanto não vem a realidade nua e crua do possível, ele continuará a polarizar todas as esperanças. A sua campanha foi uma imensa caminhada para a esperança bem expressa no “Nós podemos!”, uma esperança que, com a sua vitória, se tornou na certeza do pretérito perfeito “Nós pudemos!”, raiz de uma nova etapa, começo de um futuro que, esperamos, comece a partir de agora.