Manifestei, por várias vezes, que uma das minhas principais intenções é a de levar até aos leitores o conhecimento de textos deste escritor campomaiorense que, para além de outras razões igualmente importantes, constituem preciosos documentos sobre o passado de Campo Maior.
Desta vez trago ao vosso conhecimento um texto que João Dubraz publicou na página 2 do nº 208 do jornal elvense A Democracia, em 14 de Setembro de 1876.
Este texto, não assinado, é o primeiro de uma série de artigos em que o autor sob o título de Carteira de um Viajante – Campo Maior, ficciona uma viagem com partida de Elvas tendo como destino a vila de Campo Maior. Neste primeiro artigo, é feita uma pormenorizada descrição dos arredores da cidade de Elvas. Um observador colocado no Forte da Graça, descreve o horizonte que se desdobra em seu redor. O que ele vai descrevendo é mais do que a vista pode alcançar: é o que o observador sabe que lá existe, mesmo além do alcance da sua visão. Mais do que observação, trata-se de uma descrição em cada lugar é nomeado, localizado e caracterizado com toda a precisão. No fundo, um guia ou roteiro que se coloca à disposição de quem queira obter conhecimento vasto e seguro desta região.
Aqui fica o texto com uma sugestão: experimente o leitor subir ao Forte da Graça, de preferência equipado com binóculos e em dia de clara visão e ponha-se a observar seguindo as orientações do texto. Terá assim uma dupla lição, pois poderá perceber como as coisas eram há cento e cinquenta anos e quais foram as mudanças que, desde então se verificaram de Elvas.
Mas, ainda que não se disponha a fazer este passeio, o texto apresenta uma espantosa descrição que pode dar uma ideia interessante dos arredores desta cidade.
Ao contrário do que costumo fazer, hoje publico o texto com pequenas actualizações, ou seja, quase como o autor o escreveu e publicou.
“Não se há-de arrepender, em verdade, alguém que não passe indiferente às belezas que o cercam se, procurando distracções e encantos à vista, ascender ao alto da serra de Nossa Senhora da Graça, entrar na fortaleza e, depois de ver o que ali há digno de ser visto, sair de novo, quando o Sol esteja a hora e meia do seu ocaso e percorrer as fortificações armado de um binóculo, por dentro da estrada coberta, se lhe for possível, ou pela vereda que serpeia em torno da fortaleza, se por outro modo não puderem encurtar o passeio. Há-de extasiar-se por mais de uma vez diante dos magníficos panoramas que a natureza desdobra, desde o olivedo que se lhe atapeta aos pés, até aos extremos longínquos do horizonte.
Os plainos extensos da fronteira do reino, em que se destaca Badajoz, com a sua ponte de cantaria, o velho castelo, Santo Agostinho, a torre da Sé, o quartel de S. Francisco, ficando-lhe de fora, a uma banda, o forte de S. Cristóvão e a estação do caminho-de-ferro, como jardim no meio daquela aridez. E, a outra banda, o forte de S. Roque. Sobre o fundo, aquém da escarpada serra Machiel que parece desafiar novos titãs a escalar o céu, quatro povoações pequenas como que fazendo o cortejo à capital da Extremadura. Desde a ponte de Badajoz, o Guadiana, desenrolando as águas como fita de prata, reflectindo o raios do Sol. Mais além, um extenso ramo de vinhas, interrompido apenas na sua verdura por centenares de casais. Mais aquém o pão dourado pelo sol de Julho, as quintas pitorescas das duas albufeiras e os montes alvejando, como flocos de neve, espalhados por vales e cabeços.
Ao longe, as serras de Albuera, testemunhas de uma das maiores batalhas que se têm ferido na Península. Valverde agrupado em torno da sua igreja.
A serra de Olor, que serviu, até à entrada deste século, para traçar os limites de além Guadiana nesta parte, em cujos cabeços se eleva corpulenta a Torre de Almendral.
Aquém da serra, Olivença, meio escondida por detrás de uma ruga do terreno, como que envergonhada de se ter naturalizado estrangeira e uma das aldeias que seguiram a mesma sorte de Olivença, obedecendo hoje à soberania de Afonso XII.
São estes os pontos capitais do quadro mais pitoresco que a natureza e o homem têm produzido nestes arredores. Aqui, toda a atenção do observador se fixa na cidade de Elvas, encimada pelo seu castelo torreado, em que se observam, como espécimen arqueológico, as diferentes fases da arquitectura militar, desde as quadrelas de taipa do tempo dos mouros, até às torres de granito d’El Rei D. João II e, servindo-lhe de pedestal, a fortificação abaluartada d’El Rei D. João IV.
Interpõe-se, dividindo Elvas do forte em que o observador está colocado, a ribeira do Ceto, em que, por meio de basto e vário arvoredo, sobressaem, uns após outros, os inúmeros casais prolongando-se, em ambas as margens, por cerca de dois quilómetros. Da direita da cidade parte, vencendo a profundeza dos vales em grandiosa arcaria, o aqueduto da Amoreira que vai perder-se na espessura dos olivais, deixando à sua esquerda a Piedade com a sua beleza e, à direita, S. Francisco com os seus ciprestes funerais. Por trás do aqueduto descobrem-se as duas eminências conhecidas por serra do Falcato e serra da Fortaleza. Uma escurecida de mato, outra escalvada e nua. Entre ambas, lá muito ao longe, confundindo-se quase no azul de um diáfano horizonte, o castelo de Monsaraz em alto monte, domina uma planície extensíssima. E as ruínas de Juromenha Velha, com alguma casaria de Juromenha Nova, parece que descansam na serra da Fortaleza, na sua vertente esquerda.
Então, começa a encurtar-se o horizonte pelos altos do Rego e de Vila Boim, serra do Bispo e Assomada, sobressaindo do meio de um bosque de olivedo e azinhal, as aldeias do risonho Varche, a sua igreja de S. Brás, S. Lourenço das Vinhas, a Aldeia da Calçadinha e, muito próxima, a ermida de S. Jorge, o padrão das Linhas de Elvas e a aldeia do Vedor, nascida no século passado aquando da fundação do forte, em torno do qual o observador vai descrevendo uma circunferência quase perfeita.
Sucede-se, a menos de tiro de canhão, a serra da Malefa, pedregosa, inóspita, em cuja esplanada, entre rochedos pode ver ainda hoje quem a ela for, os sinais de uma das plataformas em que o general Galluzo colocou a sua artilharia assestada contra o forte da Graça em 1808.
Percorrendo a vista para a direita, deparam-se-nos as quintas de S. João, a das Longas, a de Rio Torto que ficam a uns seis a oito quilómetros. Mais além, a aldeia de Santa Eulália e, no horizonte, abrangendo uma larga linha recortada, Portalegre com as torres altas da sua sé, ao pé do pico da Senhora da Penha e a alta serra de S. Mamede, uma das mais elevadas do Alentejo, prolongando-se ininterruptamente até à de Albuquerque, num píncaro da qual se pendura esta povoação. Por último, a aldeia de Degolados e Campo Maior de que apenas se pode distinguir, a descoberto, a igreja de S. João a um extremo e, S. Francisco e S. Sebastião a outro, com os campanários da Matriz ao meio e, por trás as torres enegrecidas do castelo da vila.
Do ponto em que está assentado Campo Maior, ao que o observador tomou por ponto de partida, encontra-se ainda afogueada pelos últimos raios de luz que o sol dardeja ao extinguir-se no horizonte, a ampla extensão das Fontainhas, sobre a via férrea de Leste e o pitoresco montinho das Choças, cercado de algum arvoredo, que o faz assemelhar a um jardim no meio da herdades.”