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                Pretendi, com os dez artigos anteriormente publicados, esclarecer, na medida do possível, os aspectos essenciais da vida e obra do escritor campomaiorense João Dubraz.

À partida, a tarefa não era fácil devido, por um lado, à falta de informações de que disponho e à falta de rigor de algumas das informações que pude utilizar. Por outro lado, porque o próprio João Dubraz – que tanto escreveu sobre Campo Maior e sobre tantas personagens da sociedade campomaiorense do seu tempo – foi extremamente parco nas referências sobre si próprio e sobre a sua família.
Entre as fontes disponíveis encontrei a assinatura de João Francisco Gonçalves Braz, em acta da Câmara Municipal de Campo Maior datada de 10 de Setembro de 1836. Numa outra acta, datada de 17 de Agosto de 1837, é referida a graduação, com efeito a partir de 2 de Agosto, de João Francisco Gonçalves Braz, como “capitão da Companhia de Artilharia da Guarda Nacional deste concelho”, estando a acta assinada por João Francisco Gonçalves Braz.
Mas, vinte anos mais tarde, em 9 de Agosto de 1856, começara então, a sua carreira literária o nosso escritor, escrevia-se: deferir o requerimento do actual tesoureiro dos órfãos, José Duarte Ferreira, em que este pede para ser exonerado do dito cargo de tesoureiro, em consequência de servir há mais de 12 anos e se achar já em avançada idade, nomeado para o substituir a João Francisco Dubraz ao qual fará entrega de todos os dinheiros e documentos que existirem em cofre…
Nessa altura, colaborara já em jornais de Lisboa e publicara o seu primeiro livro – Achmet. Por isso, aparece já referido no DICCIONÁRIO BIBLIOGRÁPHICO PORTUGUEZ, Estudos de Innocêncio Francisco da Silva aplicáveis ao Brasil e a Portugal. Lisboa, Imprensa Nacional. 1859. Tomo III, P. 377 e 378:
            João Francisco Dubraz – Comerciante estabelecido durante alguns anos na praça de Campo Maior, e hoje em Lisboa, para onde veio em 1858.
João Pessoa, em CAMPO MAIOR – Galeria de Figuras, explica a mudança de nome da seguinte maneira: “António Francisco Braz (nome que não está de acordo com o que consta no assento de óbito, como adiante veremos), com loja de comércio no Largo do Terreiro, tinha um filho a que os fregueses e amigos chamavam, de maneira carinhosa, o João do Braz, mas seu nome completo sendo João Francisco Gonçalves Braz.
Afastando-se da vida de caixeiro, não desejando a profissão paterna, o jovem, confiando muito na sua pessoa, lançou-se na carreira intelectual, dedicou-se às letras com o nome porque era mais popular na sua terra, mudando, no entanto, a preposição do para du e juntando-a ao apelido; o do Braz deu o pseudónimo Dubraz que adoptou e aos filhos legou como apelido afrancesado.”
Não o legou apenas aos filhos porque, também a mulher e o próprio pai, passaram a ser designados pelo apelido Dubraz.
No Jornal elvense A Voz do Alemtejo, nº 111, de 5 de Abril de 1869, aparece, numa pequena notícia, uma contrafé intimando António Francisco Dubraz da vila de Campo Maior para que entregue ao agente dos legados pios desta comarca a quantidade de dezassete alqueires e meio de trigo ou duzentos quarenta e sete litros e duzentos e dois mililitros, foro imposto num ferragial no sítio das Pias, da mencionada vila, de que ele, Dubraz, é enfiteuta…”
Depois de publicados os dez anteriores artigos, Rui Vieira, quando deles tomou conhecimento, teve o cuidado de me enviar a cópia do documento – que muito agradeço e que a seguir transcrevo – o qual vem trazer importante esclarecimento e rigor no que respeita aos dados biográficos de João Dubraz:
 
ASSENTO DE ÓBITO DE JOÃO FRANCISCO DUBRAZ
Aos vinte e três dias do mês de Setembro do ano de mil oitocentos e noventa e cinco, às dez horas da noite, numas casas da rua da Misericórdia desta freguesia de São João Baptista, concelho de Campo Maior, arquidiocese de Évora, faleceu sem ter recebido os sacramentos da Santa Madre Igreja, um indivíduo de sexo masculino por nome João Francisco Dubraz, de idade de setenta e sete anos, proprietário e casado com Dona Anna Cândida Félix Dubraz, natural desta freguesia, moradora na dita rua da Misericórdia, filho legitimo de Francisco Gonçalves Dubraz, proprietário, natural desta vila, ignora-se a freguesia, e de Isabel Theodora de Vidal, doméstica, ignora-se a naturalidade, o qual fez testamento, deixando filhos, e foi sepultado no cemitério público desta vila. E para constar lavrei em duplicado este assento que assino. Era ut supra. O pároco João Rodrigues Dentes.
 
Com isto a questão não fica encerrada. Melhor será pensar que é o que se pode escrever, no estado actual do nosso conhecimento, esperando que novos dados, revelados por posteriores investigações, possam trazer novas precisões. Repare-se na falta de coincidência entre o nome do pai na contrafé, no assento de óbito e no testemunho de João Pessoa. Como se vê, os registos sobre as pessoa eram, no século XIX, ainda tão pouco rigorosos que davam origem a estas confusões.
            No fundo, mais do que a pessoa, o que, sobretudo, nos interessa é o escritor. Por isso, encerremos este artigo com o que, sobre ele, foi escrito nonº 110 de A Voz do Alemtejo, de 18 de Março de1869:
“O Sr. Dubraz é demasiado conhecido dos nossos leitores. Nas folhas volantes do Transtagano, da Voz do Alemtejo e da Democracia Pacífica têm admirado os dotes do seu espírito, a clareza das suas ideias e a independência altiva, mas sempre nobre, do seu génio. O que nem todos saberão é que este incansável apóstolo das ideias modernas tudo deve aos seus esforços, ao seu estudo, à sua vontade de ferro. Atravessando épocas bastante tristes em que o repouso do espírito e o amor ao estudo eram incompatíveis com os acontecimentos que se sucediam e em que tinha de figurar pelas ideias que já fervilhavam na sua mente, o Sr. Dubraz ficou com a educação literária incompleta e, se não nos enganamos, apenas a instrução primária e alguns princípios de latim coroavam os desvelos de seus estremecidos pais.
Serenada a crise política que ele próprio descreve e na qual teve tão triste parte, pelas perseguições de que foi vítima, era-lhe necessário abraçar uma profissão qualquer. Força das circunstâncias ou talvez alguma predilecção o levaram a escolher a vida comercial. Aí empregava as horas, em que os fregueses o deixavam em paz, a ler e a estudar, porque a actividade febril do seu espírito se não casava facilmente com os ócios que proporciona semelhante modo de vida.
Parece-nos que foi ainda no estabelecimento comercial que escreveu o Achmet, conto de fadas fundado em lendas populares, livro que viu a luz pública em 1852 e que a imprensa acolheu como uma estreia auspiciosa e que nada desdizia dos artigos que por esse tempo o Sr. Dubraz publicava no Pharol de Lisboa.
Mais tarde conheceu que a vida do comércio não era a que melhor quadrava ao seu espírito e, abandonando-a, deixou a terra natal e se dirigiu para Lisboa.
Aqui, os leitores cuidarão que a ambiçãozinha de algum emprego ou nicho inspirou a resolução do Sr. Dubraz. Enganam-se. Foi aperfeiçoar a sua educação intelectual. Persistiu na capital algum tempo e, quando se sentiu com forças, apresentou-se candidato a uma cadeira de francês e latim, a qual obteve sem grande dificuldade atentas as provas do seu concurso.
Actualmente ocupa estas cadeiras em Campo Maior (sua terra natal), com geral agrado dos seus patrícios e não menos satisfação dos seus amigos pelos valiosos serviços que há prestado à mocidade campomaiorense.
E, como o seu espírito laborioso se não satisfaz simplesmente com o labor do magistério, ainda emprega o tempo que este lhe deixa livre em exercer o mister de advogado provisionário. A Elvas tem vindo mais de uma vez, advogar perante o tribunal judicial da comarca e o calor dos seus discursos prova de sobejo que não deixa correr à revelia a causa dos seus clientes.
E agora que satisfizemos o nosso desejo, esboçando alguns traços da sua biografia, falemos do livro que recentemente publicou.
As Recordações dos últimos quarenta anos são, como diz o seu autor, esboços humorísticos, descrições, narrativas históricas e memórias contemporâneas; mas não se julgue, por isso, que o livro é uma espécie de torvelinho histórico, em que os factos se amalgamam sem nexo, nem sistema; pelo contrário, a cronologia é fielmente observada na dedução e, não obstante o picaresco do humor, divisa-se lucidamente o escrúpulo e a fidelidade de quem escreve história em que o narrador tomou parte grande (…)
Em conclusão: o livro do Sr. Dubraz é um grande serviço e, ao passo que merece registar-se na história contemporânea, deve aquele livro, ocupar um lugar distinto nas estantes do estudioso.
Felicitamos o Sr. Dubraz pela importância do seu trabalho, pelos conhecimentos históricos de que dispõe e pelo modo como os expôs.”
 

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