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Desde D. Dinis até ao século XIX, o Castelo de Campo Maior foi desempenhando a sua função de elemento importante para a defesa da fronteira na região onde confluem as bacias do Xévora e do Caia com o  rio Guadiana, região que se tornou, a partir de finais do século XV, o principal canal de invasões para exércitos vindos de Espanha.
A fortaleza que tornou Campo Maior uma das mais importantes praças de guerra de Portugal começou a ser construída em 1644, pouco depois da Restauração da Independência com a aclamação de D. João IV em 1640.
O velho castelo medieval que, durante mais de três séculos, fora elemento essencial de defesa da vila e do reino, foi relegado para o papel secundário de último reduto defensivo, estrutura para armazenamento de equipamentos militares e para acolhimento das guarnições que estacionavam na vila. À nova cintura defensiva constituída pelos baluartes ligados por cortinas, cabia agora, no essencial, a função defensiva.
O antigo castelo que, no século XIV, acolhia nas suas muralhas a quase totalidade da população da vila, tornara-se insuficiente para abarcar os arrabaldes que se foram estendendo para Norte e para Oeste. De tal modo a vila cresceu que a chamada “Vila Velha” foi definhando enquanto uma nova vila se espraiava pelas encostas da colina encimada pelo castelo. Dele ficavam os muros ameados e as torres quadrangulares de que se destacava, pelo volume e pela altura, a portentosa torre de menagem.
Desse antigo castelo muito pouco resta, depois do terrível desastre provocado pela explosão do paiol de munições da praça, que estava sedeado na dita torre de menagem e que, devido a um raio, deflagrou como uma bomba de grande potência, lançando sobre a vila a tremenda chuva de pedras que a danificou na sua quase totalidade e que matou ou feriu uma parte considerável da sua população.
É o castelo, mandado restaurar por D. João V, que João Dubraz descreve e exalta no texto que se segue, e no qual este notável escritor campomaiorense revela o seu afeiçoado apego ao património da sua terra, de que ele assume uma acrisolada e magoada defesa em prol da sua conservação e restauro.
Infelizmente, as suas queixas, revoltas e lamentos ainda possuem tanta actualidade que podiam, com pequenas diferenças, serem produzidas por qualquer campomaiorense nos nossos dias. Bastaria que a revolta e as queixas que João Dubraz faz a respeito do castelo, fossem hoje dirigidas contra o estado em que se encontram alguns muros das cortinas e baluartes da antiga fortaleza de Campo Maior. Podemos também invocar o choque que temos quando, vindos de Espanha pela estrada do cemitério, nos deparamos com o estado de porcaria e de degradação em que se encontram os baluartes de São Sebastião e da Boa Vista. Isto sem contar com a vergonha que sentimos quando os que nos visitam se deparam com estas situações e nos perguntam porque razão se permite que tal aconteça.
Se duvidam do que aqui escrevo, leiam com atenção o texto de João Dubraz que a seguir se transcreve. Porque João Dubraz foi escritor de muitos “recados”; recados tão pertinentes que, ainda hoje, devem ser tomados em consideração; porque, por mais que o tempo mude, haverá sempre homens dispostos em insistir nas maneiras mais erradas de encaminhar as coisas que afectam a vida e o património da comunidade…
“A fortaleza a que se chama castelo contém verdadeiramente dois castelos. A parte maior, moderna, compreendendo dois planos, tem seis torres com plataformas, podendo em cinco delas laborar a artilharia de rodízio; São todas ligadas a parapeitos com canhoneiras. Há também uma torre de vigia no plano superior e é aí a praça de armas[i] e a ermida.
Do lado do Ocidente eleva-se um recinto ameado, com duas torres, ao Norte e ao Sul, resto do primitivo castelo, destruído em grande parte pela famosa explosão do armazém da pólvora em 1732. As ameias, os adarves[ii] e algumas seteiras que restam, estampam nesta construção o selo interessante da Idade Média. Nada, porém, denuncia ali um edifício dos árabes – contra ao que pretendem alguns antiquários[iii]; a lenda da moira encantada poder-se-ia considerar tradição oral transmitida de pais para filhos se a poesia popular não tivesse encantado, em todos os velhos castelos, uma moira mais ou menos formosa. Na verdade, um protesto eloquente contra o fanatismo religioso.[iv]
As torres do velho castelo e a cortina que as liga, produzem um golpe de vista pinturesco e majestoso, que agrada aos viajantes. Porém, o fatal abandono da praça e a ruína ameaçadora desta parte da fortaleza interior, fazem recear que, em breve, mais um montão de pedras históricas ateste o clássico desleixo português.
Que governos são os nossos, tão avessos aos monumentos das antigas eras, que vão achatando o país com as ruínas desses poéticos gigantes da Idade Média?[v]
Sinto uma verdadeira dor de alma todas as vezes que considero o elegante recinto ameado onde se erguem as belas torres de D. Dinis. Esta alcáçova reconstruída e reparada cuidadosamente por gerações menos grosseiramente positivistas que a actual, além de ser para mim respeitável como monumento que é, de grande valor arqueológico, e até mesmo por memorar uma espantosa catástrofe, [vi]cujos vestígios são aí bem visíveis ainda, também está ligada às recordações saudosas da minha mocidade; e de tal modo está casada com elas que eu amo cada uma dessas pedras históricas como lembranças suave das minhas brincadeiras infantis. Sim… da infância – e não só desta – também da puberdade, da juventude, sonhos poéticos, fanatismo nacional, crenças políticas, tudo isto que é o meu passado, torno a ver palpitante e fervente de actualidade, quando visito estes muros seculares.
Mas, todo o castelo cai em ruínas … mãos de bárbaros têm introduzido o camartelo demolidor nos panos respeitados pelos séculos! As ameias das velhas torres têm sido quebradas ou arrasadas, os muros fendidos, os alicerces rasgados, o interior dos armazéns devastado. O vandalismo estúpido e criminoso nada poupa. Dentro de poucos anos, graças ao espírito destruidor que paira sobre os monumentos de Portugal, quando o viajante, na primeira cumeada do oeste, avistar Campo Maior, não verá, como ainda vê, duas vistosas torres feudais que recortam as suas ameias no horizonte; verá, porém, mais uma ruína gigantesca e melancólica, (…)”

 (In Recordações dos Últimos Quarenta Anos,2ª Ed., p.36 e 36)

 


[i] Local destinado a exercícios, paradas, revistas militares…
[ii] Caminho na parte de cima dos muros das fortalezas, por detrás das ameias.
[iii] A palavra antiquário que hoje se usa para designar os que negoceiam em coisas antigas, aqui significa os que estudam e se interessam pelas coisas do passado.
[iv] As frases finais deste período foram reformuladas para lhes aclarar o sentido que é bastante confuso na versão do autor.
[v] A partir deste parágrafo, este capítulo foi completamente remodelado em relação à 1ªedição desta obra. Nesta, o autor escreveu os seguintes apelos e considerações:
                Senhor ministro da guerra, senhor general da província, senhor engenheiro da 7ª divisão (provavelmente estropio este título), é uma vergonha que caia o formoso castelo de D. Dinis, por causa da miserável economia de algumas moedas. Quem não conserva os monumentos históricos, testemunhas quase vivas do heroísmo das gerações que nos precederam nesta terra, bem merece que, ampliando-se o dito pungente de Garrett, se diga: “Portugal é pequeno, os homens não são grandes”. Mas, dos governos, desses… direi o que são, de hoje a um ano, se o castelo não tiver sido concertado.
Isto tinha o autor escrito no ano anterior, no Folhetim do nº 501 de 4 de Março de 1866, do jornal “A Voz do Alemtejo”, onde pela primeira vez tinha publicado este texto, com o título “Bosquejos à pena V – O Castelo”
Na 1ª edição desta obra, publicada em 1868, acrescentou:
                Decorreu o ano, não se fez o concerto, e qualquer dia desabará a cortina que liga as torres de D. Dinis. Não deve faltar a frase prometida, já que faltou a pedra e cal. Quer saber o leitor o que são os nossos governos? São prodígios de proporção: Se a terra é pequena, os que a governam são… microscópicos.
[vi] O autor refere a reconstrução promovida por D. João V, após a explosão do paiol da pólvora em 1732 que arrasou praticamente o antigo castelo e destruiu grande parte da vila.

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publicado às 21:09

 

Porque tenho plena consciência de que a minha afirmação de que considero João Dubraz “o maior escritor campomaiorense de todos os tempos” pode suscitar alguma desconfiança, dúvida ou incredibilidade, resolvi publicar esta série de crónicas com o objectivo de dotar os meus leitores da capacidade de opinarem a este respeito, de modo fundamentado.
Com as oito crónicas anteriores, procurei dar a conhecer alguns dados biográficos e bibliográficos sobre este autor que tanto continua a contribuir para o conhecimento da História de Campo Maior. Puderam os leitores ficar com uma ideia acerca do Homem e da sua Obra.
Pretendo agora dar a conhecer alguns trechos que considero mais significativos, quer pela sua beleza literária, que pelo seu valor informativo. Começo com este belo texto que retirei da 2ª edição das Recordações dos Últimos Quarenta Anos, páginas 5 a 8, nas quais João Dubraz retrata, com grande elegância de estilo, a vila de Campo Maior como ele, que nela sempre viveu, a descrevia há 140 anos.
Actualizei a ortografia e introduzi algumas notas explicativas que me pareceram poder facilitar a compreensão do texto.
 
Vila antiga e praça de armas, da província do Alentejo, Campo Maior demora três léguas ao norte de Elvas, três ao oeste de Badajoz, três ao sul de Albuquerque e quatro a leste de Arronches.
O terreno onde está assente a povoação é alto ao Sul, baixo a Leste e Oeste, erguendo-se um pouco ao Norte. Sobranceiro a todos os lados da vila, na extremidade sul, eleva-se o castelo, forte, vistoso e imponente. Respectivamente às cercanias a praça é baixa e dominada por muitos cerros[1] a Leste, Norte e Oeste, na distância de mil a dois mil metros, o que constitui a sua defesa difícil e perigosa.
Pelo recenseamento geral[2] verificou-se que a população tem quase seis mil almas, volume importante aglomerado e comprimido num espaço comparativamente pequeno. Portanto, sendo certo que não é a mais extensa das vilas do Alentejo, é decerto a mais populosa, porque nenhuma tem tal número de habitantes dentro de muros.
São edifícios notáveis o Castelo, os muros da Praça[3], a Igreja Matriz, a de São João Baptista, o Depósito de Víveres[4] e os Paços Municipais. Entre as construções particulares sobressaem a casa dos Carvajais, a de Albuquerque Barata, a de João de Mello[5] e outras. Em geral, os prédios da vila, com excepções não raras, são pouco elegantes e o aspecto da povoação, conquanto que as ruas sejam regulares, deixa muito a desejar aos que lhe procuram aumentos.
A vila é abundante de água potável e os campos adjacentes, ainda que um pouco secos, são férteis e bem cultivados. Nota-se porém, durante o Estio, uma zona quase circular que tem de diâmetro alguns milhares de metros, cujo centro é o povoado, onde a vista quase só pousa sobre pés de plantas devastadas pelo ceifeiro. Como contrasta então este terreno árido, queimado pelo sol e pelo fogo, repugnantemente feio e incómodo, com os tapetes luxuriantes de verdura e semeados de papoulas que brotam no Inverno e se alindam na Primavera!
O clima é áspero pela deficiência de arvoredo que só abunda a dois e mais quilómetros dos muros[6]. No Inverno desce o termómetro a uma temperatura bastante baixa, elevando-se no Estio a ponto de se tornar o calor quase insuportável. O Verão é pois ardente e feio, o Outono temperado e agradável e o Inverno muito frio mas com dias tão suavemente deleitosos como os que se podem desejar na Primavera. Esta é irregular, ora fria ora quente, ora ventosa ora húmida, sendo as menos vezes as que se diz lhe serem próprias, isto é, suave e amena. Os belos dias de Campo Maior são quase sempre em Janeiro: nesses dias excepcionais o sol resplende sem deslumbrar e o calor dos seus raios, tépidos e voluptuosos, vem tocar-nos com a sensação castamente perfumada de um beijo de criança.
A gente é laboriosa, apaixonada pelo luxo do trajar, um pouco altaneira e imprevidente, geralmente bondosa e tratável. A educação pública e a polícia carecem todavia de cuidados que se não podem preterir.
Essencialmente agrícola, a povoação alimenta-se da uberdade da terra e só dela. Se a agricultura não constituiu exclusivamente outrora o lavor diário dos campomaiorenses, é hoje, e vai continuar a ser, o mais valioso recurso para que podem apelar. Exporta muito trigo, legumes e azeite e, tendo o cultivo da vinha assumido nos últimos anos proporções inesperadas, as bebidas alcoólicas constituem já um grosso rendimento. Também exporta lã e alguma laranja.
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É pouco notável em antiguidades o concelho de Campo Maior. O recinto ameado do castelo, o muro de uma albufeira romana ou mourisca[7], a capela do Salvador, junto ao Xévora, a Praça de Ouguela e alguns alicerces de procedência duvidosa, são por ventura as únicas antiguidades que podem, por agora, motivar investigações arqueológicas.[8]
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Indústrias novas não se têm criado e apenas se pode dizer que certas necessidades, provenientes do progresso da agricultura, foram remediadas. Nessa consideração tenho a construção de duas fábricas de destilação e alguns lagares de moer azeitona.
Os habitantes de Campo Maior são laboriosos, como já se disse, especialmente os camponeses. Em parte alguma está tão garantido o trabalho braçal e não há país onde a existência da máquina viva e pensante de arrotear a terra seja mais cómoda e segura, enquanto lhe não falecem as forças para o trabalho. Vive, porém, tão descuidosa e imprevidente, que a ideia de futuro não lhe imprime a menor ruga. Lida enquanto pode; depois esmola e esmola sem azedume (observa-se), como quem cumpre um fado, a que não há que resistir nem obstar.
Se um dia essas consciências rebeldes de moços arrogantes, que hão-de tornar-se velhos abatidos, pudessem abrir-se à razão, se cada um desses mancebos de constituição atlética, que porventura reputam eternas as forças da juventude, pudesse ser levado a poupar quarenta réis por semana ou, ao menos, cinco réis por cada dia de trabalho, essa quantia tão pequena bastaria para enriquecer o montepio que lhes assegurasse o pão da velhice.[9]
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Tal é a minha terra. Os que a conhecem não rejeitarão o quadro. Os que apenas ouviram falar dela, se lha pintaram diferente amigos ou inimigos, podem, se me quiserem crer, rectificar os seus juízos.
 
 

 


[1] Cerros = montes ou cabeços. O autor refere-se aos seguintes: Cabeça Gorda, Alto das Queimadas, Cabeça Aguda; Alto de Santa Vitória e Alto do Carrascal.
[2] Os dados demográficos referidos são do primeiro censo da população portuguesa elaborado de acordo com os métodos preconizados pela Estatística, levado a efeito em 1864 e publicado em 1868 com o nome de Estatística Civil. (Dic. Hist. Port., Joel Serrão, Vol. V p. 241)
[3] Praça de guerra ou fortaleza.
[4] O “Assento dos Víveres de Boca” que o povo designa simplesmente por Assento.
[5] Na Rua das Pereiras ou de João Minas.
[6] Por razões de estratégia militar de defesa da praça de guerra, o arvoredo tinha sido eliminado nos terrenos em volta das muralhas e baluartes da povoação.
[7] O autor refere-se à Barragem do Muro, que está hoje bem estudada, sabendo-se que se trata da maior barragem conhecida, construída pelos romanos a sul do Tejo.
[8] Note-se que o autor refere a Capela do Salvador mas não a Ermida da Enxara, nem a ponte romana que lhe fica próxima. Provavelmente porque estariam em ruínas ou porque não fossem visíveis e identificáveis.
[9] De notar as preocupações sociais de João Dubraz numa época em que não existiam ainda quaisquer medidas de previdência social, nem leis definidoras de horários de trabalho ou de protecção dos trabalhadores.
 
 

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publicado às 19:06

 

Em 1847, desiludido com o rumo tomado pelos acontecimentos políticos, João Dubraz abandonou todas as actividades de militância em que se embrenhara desde a sua juventude até aos quase trinta anos de idade.
Iniciou então a sua preparação intelectual como autodidacta e, pouco depois, começaram a aparecer colaborações suas nos jornais. Primeiramente, algumas comunicações de correspondente, não assinadas, no jornal A Revolução de Setembro que se publicou em Lisboa desde 1840 a 1901. Na mesma época escreveu também alguns artigos no Pharol (Periódico literário, comercial artístico e d’anúncios) jornal que se publicou em Lisboa no ano de 1848.
Terá sido neste tempo, em que se empregou no comércio do pai, em Campo Maior, que terá escrito o seu primeiro livro, publicado anonimamente, em Lisboa, em 1852 pelo editor A. M. Pereira: ACHMET: Contos de fadas, fundado em lendas pátrias.
            Trata-se de um romance em prosa, muito inspirado na obra, D. Branca considerada uma das primeiras expressões do romantismoem Almeida Garrett,escritor que João Dubraz muito admirava e com o qual muito se identificava devido às convicções politicas que ambos perfilhavam.
            O herói deste romance é Achmet, jovem mouro, guerreiro valente, amante apaixonado, sofrendo amores incompreendidos e cuja breve existência decorreu nos campos cerca dos rios Xévora e Caia, ou seja, nas terras onde foi fundada a vila de Campo Maior.
            O romancefoi apresentado pelo editor como se o texto lhe tivesse chegado às mãos sem nele constar o nome do autor. Por isso, era publicado anonimamente. O editor começa por fazer a apresentação da obra nos seguintes termos:
            (…) O autor do livro … viveu obscuro e morreu ignorado – vida e fim comuns a todos os engenhos desvalidos nesta época corruptamente alquímica que parvos e velhacos intitularam de civilizada. Sem ser um génio, o autor do Achmet era, contudo, mancebo de razão clara, juízo recto e leal coração, que algumas decepções haviam quiçá lançado no cepticismo.
            Ambicioso e altivo ele desejou mostrar-se em uma área maior: filósofo e indolente nunca o pretendeu. A existência obscura e fastidiosamente prosaica que consumiu os seus dias não chegou todavia a asfixiar-lhe as nobres aspirações. (…)
A boa recepção que o romance recolheu junto da crítica terá motivado a decisão que João Dubraz tomou de se deslocar de Campo Maior para Lisboa, no ano de 1858. Terá aproveitado esta estadia para aperfeiçoar a sua educação intelectual.
De facto, embora os seus escritos manifestassem uma considerável bagagem cultural adquirida pelo seu esforço de autodidacta, devido às suas actividades políticas, ficara com uma educação formal incompleta: apenas a instrução primária e alguns princípios de latim.
Manteve-se na capital por algum tempo e, quando se sentiu suficientemente preparado, apresentou a sua candidatura aos exames nas cadeiras de francês e latim, nas quais obteve, sem grande dificuldade, habilitação para poder leccionar como professor na sua terra, dando aulas a alunos que se apresentavam a exame no liceu de Portalegre.
Mais tarde, esforçado e aplicado ao estudo como era, dedicou-se ao estudo do Direito e apresentou-se a exame para advogado provisionário, no tribunal da comarca de Elvas.
Algum tempo depois, em 1868, tinha pronta para publicação, aquela que é a sua obra mais importante:
 Recordações dos Últimos Quarenta Annos - Esboços humorísticos, descrições, narrativas históricas e memórias contemporâneas – 1ª edição.
            Porque esta edição se esgotou muito rapidamente, no ano seguinte saiu a 2ª edição, revista, correcta e aumentada. Trata-se de uma obra fundamental para o estudo da história de Campo Maior no século XIX, porque, como o próprio João Dubraz escreveu, sem bons testemunhos “nunca haverá quem faça História” e porque a História “deve ocupar-se tanto dos grandes centros a que chamamos estados, como das pequenas circunscrições”.
            No mesmo ano de 1869 publicou também:
            O Aventureiro Francês, novela histórica localizada na época de D. João III, história das constâncias e inconstâncias de um caso amoroso;
            A República e a Ibéria, espécie de panfleto de 15 páginas, em que o autor toma posição sobre o tema que muito preocupava os espíritos pensantes daquele tempo: devido à profunda crise política em que mergulhara a Espanha, chegou a ser proposta como melhor solução que o rei português, D. Luís (1861-1889), assumisse a coroa de Espanha, consumando-se assim a união dinástica de Espanha e Portugal, em alternativa à hipótese de os espanhóis adoptarem uma solução republicana para o seu país.
            Leituras Populares, por J. Dubraz – Cinco Finados Ilustres (Autópsias e Comemorações), escrito panfletário, importantíssimo para entender as ideias dos homens do século XIX, onde o autor toma posição, enquanto “republicano, laico e socialista”, sobre os cinco seguintes temas políticos: A Monarquia e A República; O Socialismo e a República; A República e a Igreja; Portugal com a República; A República Federal.
            Todas estas obras foram publicadas em Lisboa, pela Imprensa de Joaquim Germano de Sousa Neves, nos anos de 1868 e 1869.
            João Dubraz viria ainda a publicar duas obras de que existem referências bibliográficas, mas que não foi ainda possível encontrar, nas bibliotecas consultadas.
            São textos de carácter didáctico, relacionados com a sua actividade como professor:
            Orthographia Popular e Subsídios para o curso de Português,impressos na tipografia do jornal A Democracia, em Elvas, no ano de 1871, em oitavos de 24 e 40 páginas, respectivamente.
            Ao longo da sua vida, até quase à sua morte, manteve uma constante e prolixa colaboração em muitos jornais do seu tempo e da sua região: A Voz do Alemtejo(Elvas, 1859 a 1866); O Transtagano(Elvas, 1860 a 1863); A Democracia Pacífica (Elvas, 1866 a 1869); A Democracia (Elvas, 1869 a 1877); O Elvense(Elvas, 1880 a 1904); A Sentinela de Fronteira (Elvas, 1881 a 1891); O Alto Alentejo(1881 a 1882); Gil Fernandes (Elvas, 1885 a 1893); Comércio d’Elvas(1885 a 1887); A Ordem(Elvas, 1889 a 1890).
            Para o fim da sua vida, João Dubraz teve que deixar a sua terra, para ir leccionar como professor do ensino secundário, lá muito longe, no distante Minho, em Amarante. A “boa vontade” dos seus “queridos inimigos” políticos, homens muito influentes e muito importantes, tão importantes que hoje ninguém lembra o nome de qualquer deles, condenou-o a este exílio forçado. João Dubraz era homem de antes quebrar que torcer. Por isso, achou uma maneira elegante, mas irrevogável, de resistir: nas primeiras férias que aqui veio gozar, resolveu morrer e assim garantir que não mais o iriam forçar a sair do seu torrão natal.
            O Jornal Diário D’Elvas, no nº 672 de quarta-feira, 25 de Setembro de 1895, em destaque, na coluna central da sua 1ª página, noticiava:
João Dubraz: Fomos ontem, já depois de haver entrado na máquina o nosso diário, surpreendidos com a dolorosa notícia do falecimento do sr. João Dubraz, o primeiro jornalista da nossa província, o pai desvelado e extremoso, o modelo dos chefes de família.
O sr. Dubraz faleceu ontem, após prolongado e doloroso sofrimento, na vila de Campo Maior, sua terra natal, onde estava passando férias.
Escreveu em todos os jornais de Elvas que se publicaram durante a sua vida, à excepção do nosso, que nasceu quando ele havia já, pelos seus padecimentos e por haver sido colocado em Amarante, lugar que foi exercer contrariado, deixado de escrever…Foi um escritor enérgico, defendendo e propagando brilhantemente os princípios constitutivos da bandeira do seu partido; era um democrata convicto.
            João Dubraz morreu, portanto, com 77 anos de idade, em 24 de Setembro de 1895 e foi sepultado na sua pequena pátria: Campo Maior.
 
 
 
 
 

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publicado às 19:19


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