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Apesar de, pela Convenção de Gramido, imposta pelas potências estrangeiras, ter sido proposta uma amnistia geral, em Campo Maior a perseguição aos progressistas era de tal ordem que eles não puderam regressar a suas casas e retomar a sua vida normal. A situação era tal que, no Verão de 1847, muitos dos comprometidos na guerra civil ao lado dos progressistas, se tinham refugiado em Espanha.
João Dubraz exilou-se numa herdade do lado de lá da fronteira, pertencente a um deputado espanhol que comungava da mesma ideologia política, e aí permaneceu desde 23 de Junho até 26 de Agosto de 1847. Os seus grandes amigos e correligionários políticos, Epifânio da Mata e Mariano Ferreira, estavam ainda exilados em Albuquerque.
João Dubraz era considerado o mais perigoso pelos seus adversários cartistas. Por isso, recusaram-lhe não apenas o regresso a Campo Maior, mas também que pudesse estabelecer residência em Elvas, Portalegre, Évora e Badajoz. Permitiram a sua reentrada no país na condição de partir para Lisboa, onde permaneceu até 10 de Outubro de 1847, data em que, finalmente, foi autorizado o seu regresso a Campo Maior.
À beira dos trinta anos, bastante decepcionado pelos acontecimentos políticos em curso no país, tomou duas decisões que iriam dar novo rumo à sua vida: resolveu casar e decidiu abandonar de vez o envolvimento em actividades políticas, rompendo com todos os anteriores compromissos partidários.
Casou com a filha de um comerciante estabelecido na Rua da Misericórdia, viúva de um grande amigo que, como ele, abraçara apaixonadamente os ideais democráticos e por eles se batera arrostando com todos os perigos e consequências. Chamava-se José António dos Santos, era filho de António Joaquim dos Santos, um proprietário medianamente acomodado. Não sendo filho primogénito, fora destinado pela família para a vida eclesiástica. Durante a guerra civil deixou o seminário para servir no exército liberalista. Com a vitória dos absolutistas, foi preso em S. Julião da Barra, deportado para Moçambique, donde regressou, debilitado pelas condições sofridas nesse exílio forçado, vindo a morrer em Campo Maior em consequência de um acidente com arma de fogo. Do casamento que recentemente contraíra, nascera uma criança a quem foi dado o nome de José António Félix dos Santos.
João Dubraz, apesar de terem nascido filhos e filhas deste casamento com a jovem viúva do seu amigo, assumiu a criança como se realmente fosse seu filho. Este veio a tornar-se advogado, estabelecendo-se em Elvas, e aí se tornou altamente considerado, tanto pelo seu valor enquanto causídico, como pelas suas intervenções culturais e políticas na vida da cidade.
Quanto às suas actividades político-partidárias que o tinham levado à prisão e ao exílio, diz ele nas Recordações dos Últimos Quarenta anos: “A primeira servidão, pois, de que me desembaracei, sem pesar nem violência grande ou pequena, foi a de partidário … Aos princípios continuaria a prestar culto e do meu passado não renegava coisa alguma.” Só que, em concordância com o seu temperamento rebelde a submissões e chefias, resolveu “romper com todos os bandos militantes”. Mas, “as perseguições intolerantes, não descontinuaram até 1851”:
“Voltando à minha terra depois de um ano de ausência, observei os estragos que as dissensões tinham feito. Não havia sossego, não havia segurança, não havia até decência pública… Desde o cântico obsceno que ofendia a honra ou o pudor das famílias, até á violência corporal … tudo se permitia, conquanto que as vítimas pertencessem todas ao mesmo lado político… Os perpetradores públicos das violências, eram, geralmente, indivíduos devassos que pertenciam às classes sociais inferiores…os adversários, de tal modo se tinham transformado em inimigos, que nem se saudavam quando se cruzavam na via pública… Triste época!”
Poucos dias depois de regressar de Lisboa, portanto, em meados de Outubro de 1847, João Dubraz foi avisado pelo Dr. Santos, médico municipal e seu amigo, que Vitorino, chefe do partido no poder, e os seus sequazes se preparavam para o humilharem obrigando-o a cortar o bigode. Invocando um alvará do século passado, intimavam-no para, no prazo de 24 horas, cumprir a determinação de cortar o adereço piloso que, com algumas intermitências, nomeadamente o disfarce de valadeiro que usara para fugir de Elvas, lhe ornava o lábio superior desde 1840.
Acto ridículo de que o Vitorino saiu mal. Mandou prender J. Dubraz. Este enviou uma petição à rainha queixando-se da violência que lhe fora feita, a qual foi publicada no jornal diário publicado em Lisboa, Revolução de Setembro, tendo-a o seu redactor António Rodrigues Sampaio entregue em mão ao ministro do reino Melo e Castro.
J. Dubraz saiu da prisão no dia seguinte, afiançado.
José Vitorino Machado, o administrador de ódios tão extremados, era natural de Olivença e conseguira enriquecer através do comércio, tornando-se um dos maiores proprietários do concelho de Campo Maior. Arvorou-se em chefe do partido conservador levando a sua prepotência política aos maiores exageros. Com a vitória do cabralismo, fora nomeado administrador do concelho. Foi este senhor que adquiriu o Palácio dos Menezes, mais tarde Casa do Barata e Palácio de Olivã, no qual viveu como nobre embora fosse apenas um abastado plebeu, muito rapidamente esquecido das suas humildes origens.
Apesar de a prepotência contra João Dubraz ter tido um desfecho tão pouco dignificante para as autoridades locais, os excessos de autoritarismo não acabaram:
- o próprio governador militar se meteu na questão dizendo, em parada às tropas, que ele próprio iria cortar o bigode ao Dubraz;
- a 29 de Dezembro, depois das sete horas da noite, um bando de seis ou sete desordeiros do partido no poder, atacou o farmacêutico Daniel Filipe dos Santos à porta da farmácia da misericórdia, que era centro de cavaqueira;
- houve um desacato na matriz, no domingo de Páscoa de 1848levado a efeito pelos soldados, os quais eram tão indisciplinados e de comportamento tão brutal que, tendo vindo do castelo uma guarda de honra para acompanhar a procissão e tendo  sido instigados a praticarem acto de violência contra o prior Pedro Lata, acusado de simpatias patuléas, entraram no templo de baionetas desembainhadas, com palavras de morte, o que obrigou o prior a fugir. Para se salvar, teve de escalar o muro do quintal da igreja refugiando-se em casa de um vizinho.
Algo teremos evoluído pois que, apesar de tantos actos censuráveis que ainda hoje se cometem, já não estamos sujeitos a assistir a tamanhos desmandos como estes que João Dubraz nos relata e que se passaram em Campo Maior, quando ele tinha a idade de trinta anos.
 
 
 

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publicado às 15:06

 
Costa Cabral, governou o país, com mão de ferro e com forte apoio da rainha, desde o golpe constitucionalista de 27 de Janeiro de 1842 até ao início de 1846.
A grave crise económica que o país atravessava, agravou-se em 1845 com o mau ano agrícola que aumentou as dificuldades que a população suportava. Do ponto de vista político, os excessos do autoritarismo do governo congregaram na oposição um vasto sector político que colhia o apoio de miguelistas, progressistas e até mesmo cabralistas dissidentes, que não aceitavam a forma prepotente de governo imposta pelo de governo de Costa Cabral que, nesse mesmo, ano fora agraciado pela rainha D. Maria II com o título de conde de Tomar.
As revoltas populares levaram à queda do governo em 18 de Maio de 1846 e Costa Cabral teve de se exilar em Madrid.
Em Campo Maior dera-se o golpe militar de 24 de Março, em consequência do qual, João Dubraz fora constituído como administrador do concelho.
Mas a situação política manteve-se instável. O governo do duque de Palmela foi de curta duração porque, a 6 de Outubro de 1846,um golpe de Estado – a Emboscada – organizado do exílio em Madrid por Costa Cabral, dirigido por Saldanha, com o apoio da rainha, provocou a queda do governo de Palmela e a constituição de novo governo de cariz ainda mais autoritário e centralizador do que os anteriores governos cabralistas.
A situação política tornou-se insustentável e as forças de oposição juntaram-se de novo numa resistência determinada contra o cabralismo. Setembristas, miguelistas e cartistas dissidentes uniram-se na formação das juntas revolucionárias que culminaram na revolta da Patuleia (Outubro a Junho de 1847).
Mas, as potências estrangeiras acudiram em socorro do partido apoiado pela rainha. Esta intervenção determinou a derrota dos revoltados que, pela Convenção de Gramido (29 de Junho de 1847), consagraram a vitória do governo. Foram realizadas eleições em Agosto que deram a vitória ao partido de Saldanha e Costa Cabral
Em Junho de 1849 Costa Cabral regressou ao do país, assumindo a chefia do governo até ao golpe político militar da Regeneração em Abril de 1851.
Em Campo Maior viviam-se apaixonadamente estes acontecimentos.
 Logo a seguir à Emboscada, João Dubraz que fora de imediato destituído como administrador do concelho, foi preso e conduzido para Elvas: Às dez horas da manhã do dia 17 de Outubro de 1846, escrevia no meu quarto de dormir uma longa carta, quando repentinamente entrou meu pai e me disse pálido de comoção: É bem feito! Aí vêm prender-te!
Em baixo esperavam-no um oficial de diligências e três soldados. Outros tantos soldados esperavam com Epifânio Lopes da Mata, no Largo do Terreiro. Seguiram ambos presos até à casa do administrador do concelho, Vitorino, na Rua Direita, o qual lhes leu um ofício expedido de Estremoz, que ordenava a prisão de ambos e a sua condução a Elvas. Foram de seguida transportados para cadeia civil, tendo sido conduzidos pelo itinerário que desse maior exposição, a fim de que fossem publicamente expostos e humilhados: Rua Direita acima, Rua Nova, quartéis do castelo e Barreira. Foram prevenidos de que ao meio-dia partiriam para o Forte da Graça.
Pouco antes da hora marcada desceram da cadeia para a Praça Velha, onde estava formada a tropa. Saíram da vila pela “Estrada Velha”, a que partia da Porta da Vila. Os dois prisioneiros seguiam a pé enquadrados pelos soldados, os quais tiveram gestos e comportamentos tão estranhos que os dois prisioneiros se puseram de sobreaviso. Numa paragem de meia hora que fizeram junto ao Caia, dois soldados começaram a simular uma luta de baionetas, à laia de diversão. Mas a brincadeira foi-se tornando uma crescente provocação directa aos prisioneiros.
João Dubraz, com muita coragem e sangue frio, tinha conseguido conquistar a boa vontade do sargento, do oficial, bem como a de sua esposa que acompanhava o destacamento e mesmo a simpatia dos outros soldados. Isto valeu-lhes a pronta intervenção que acabou com a perigosa situação que lhes poderia ter custado a vida.
O sargento viria a confidenciar depois aos dois prisioneiros, que um mal intencionado, no castelo, antes da partida de Campo Maior, dera vinho misturado com pólvora aos soldados e mandara carregar com balas dezoito espingardas…
 Acabaram por não ir parar ao Forte da Graça mas à cadeia civil na qual entraram às sete horas da noite, no quarto de Nª Senhora do antigo Palácio dos Condes de S. Lourenço, onde iriam ficar pelo período de quase meio ano.
A situação no país continuava caótica. Na província do Alentejo só Elvas, Campo Maior e Estremoz obedeciam ao governo de Lisboa. Em Campo Maior, segundo as notícias que chegavam à prisão de Elvas, a situação era cada dia mais anárquica, pois o desmando autoritário dos novos governadores - o militar Abreu e o administrativo Vitorino – com a sua prepotência, punham tudo e todos em questão.
A situação geral era de guerra civil: a maior parte do território, estava com os patuléas e obedecia à junta do Porto. Contudo, todas as tentativas de confronto militar tinham resultado em vitórias do partido favorável ao governo e à rainha. Só em Março de 1847 foi possível às hostes revolucionárias, lançar uma vigorosa ofensiva contra as forças realistas.
A mudança da conjuntura política tornou possível estabelecer o plano de fuga que João Dubraz adiara enquanto entendera que a situação não era favorável aos seus intentos. Sabendo que os inimigos jamais o libertariam, porque isso equivaleria à confissão da sua estúpida tirania, achou que era chegado o momento de se libertar da opressão em que os tinham mantido por cinco longos meses.
A fuga teve lugar em 16 de Março de 1847. Estiveram escondidos em Elvas até 21 de Março, saíram disfarçados de valadeiros para passarem às Portas de Olivença, fortemente vigiadas. A primeira metade do mês de Março de 1847 fora fria e chuvosa; a terra estava encharcada e, a cada instante tínhamos que atravessar pântanos, onde nos atascávamos até ao joelho. Epifânio marchava com dificuldade devido a uma enfermidade que sofrera na cadeia e que o debilitava. Seguiram caminho pela freguesia da Ventosa, passaram perto de Santa Eulália, parando na Herdade de Almeida do lavrador colono Rasquilha que os ajudou com roupas, guias e cavalgaduras, seguiram pela margem direita do Caia até Arronches onde chegaram ao meio-dia de 22 de Março…
Pouco depois da sua chegada, tendo a cavalaria estacionada em Arronches saído para se apoderar de farinha nos moinhos do Xévora, no regresso, com os carros carregados do saque, tiveram um confronto com a cavalaria de Campo Maior. Neste combate, perto de Degolados, a 24 de Março de 1847, os cartistas de Campo Maior portaram-se muito mal. Assustados pela carga dos soldados da junta, fugiram em debandada largando as armas. Foram facilmente vencidos, apesar de serem em número de cento e sessenta e os contrários apenas noventa e sofreram pesadas baixas: cinco mortos, dezoito feridos e muitos ficaram prisioneiros em Arronches.
A Convenção de Gramido impôs a amnistia a todos os implicados nos acontecimentos dos últimos dois anos. Mas, em Campo Maior, os progressistas continuaram a ser considerados como uma espécie de partido fora da lei.
João Dubraz chegara então aos 29 anos e meio de idade.

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publicado às 17:02


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