Na continuação da tentativa de traçar o seu perfil biográfico, volto à figura desse grande escritor campomaiorense que assinava os seus escritos com o nome afrancesado de João Dubraz.
Nascido em Campo Maior, filho de António Francisco Braz, comerciante com loja no Terreiro, hoje Largo Barão de Barcelinhos, e de sua esposa Maria Gonçalves.
Embora sejam muito escassas as referências que nas suas obras fez a aspectos da sua vida familiar, há uma bem interessante sob o seu nascimento que, ao mesmo tempo que fornece algumas informações, nos permite apreciar a beleza e valor literário da sua escrita:
“…é hoje, dia de S. Sebastião, 20 de Janeiro…. Desde pequeno ouvi dizer sempre que, neste dia, no ano de 1818, depois da meia-noite, viera eu ao mundo. A tal respeito levantava-se às vezes entre mim e a minha pobre mãe uma questão grave: pretendia ela que, tendo eu nascido na noite do dia 20, nascera ainda no dia de S. Sebastião. Não queria contar os dias senão de sol a sol. Eu sorria-me. Conhecia-lhe o fraco de uma certa parcialidade a favor do mártir santo e, tão mal a ocultava ela que dizia muitas vezes: Apesar de muito devota de S. João Baptista, por minha vontade chamavas-te Sebastião, para que o santo te livrasse de bexigas. Posso dizer pois que, por um triz não fiquei Sebastião e, não obstante, bexigoso… Minha mãe, ah! Não existe desde o nefasto 15 de Agosto de 1858. Os meus primeiros anos são apenas recordações suaves, que começam a cobrir-se da névoa que precede a nossa transformação física.”
(Dubraz “Recordações...”`, 2ª edição, p. 33)
Quase nada se sabe da sua infância. Apenas que aos dez anos já sabia ler e escrever, sinal de que teria frequentado as aulas que nessa altura eram ministradas na vila, embora não tenhamos referências sobre o tipo de mestres que as terão leccionado.
Em 1835, com 17 anos de idade alistou-se, como voluntário, na Guarda Nacional de Infantaria de Campo Maior, tendo recebido as divisas de graduado no posto de anspeçada.
Numa outra referência feita na página 58 da mesma obra, dá-nos a indicação de ter estado em Lisboa. Decorria ao ano de 1836, João Dubraz tinha 18 anos, mas nada informa quanto à duração e às finalidades da viagem. Refere que foi ele quem trouxe para Campo Maior a notícia de que estava eminente a revolução que viria a eclodir no mês seguinte e que ficou conhecida como “o Setembrismo”, movimento liberalista radical a que João Dubraz aderiu apaixonadamente:
A vinte de Agosto cheguei a Campo Maior vindo de Lisboa; havia nessa noite teatro, ou antes, cantavam lá umas espanholas proximamente chegadas à vila. Dirigi-me logo ao castelo para encontrar os meus amigos, que me rodearam, como é costume nas terras de província quando alguém vem de fora, em tempo de excitação pública. Disse que em Lisboa se esperava que a 24 houvesse uma manifestação no Porto a favor da Constituição de 1820 e que a Guarda Nacional estava resolvida (asseverava-se) a secundar o grito do Porto. Estas notícias causaram certo entusiasmo, as plateias pediram que fosse tocado o hino de 1820… (Dubraz “Recordações...”`, 2ª edição, p. 58)
TEATRO DO CASTELO
No ano seguinte, com 19 anos, começou a sua actividade política. Como ele próprio diz, a política tornou-se a sua paixão e exclusiva ocupação:
“Desde 1837 até ao presente, não houve acontecimento político em Campo Maior do qual me não coubesse alguma parte, directa ou indirecta…” (Idem, p. 34)
Numa acta de reunião da Câmara Municipal de Campo Maior datada de 17 de Agosto de 1837, consta que João Francisco Gonçalves Braz, (note-se que ainda usava o nome de baptismo), se tornou furriel da Companhia da Guarda Nacional deste concelho, que se encontrava em formação, tendo esta graduação efeito a partir de 2 de Agosto.
Mas a situação política agravava-se. Havia sinais de uma crescente revolta e indícios de preparação de golpes de Estado. O Setembrismo estava em risco de queda do seu governo.
Em Julho de 1837 rebentou a sublevação militar conhecida por Revolta dos Marechais … O governo mandou pôr a Praça (Campo Maior) em estado de guerra e, não havendo suficiente número de artilheiros, lembrou-se não sei quem da formação de uma secção de guarda nacional de artilharia para reforçar os soldados de linha... com vinte e um voluntários saídos de infantaria. Eu fui um desses artilheiros improvisados e obtive dos meus camaradas o galão de anspeçada. (Idem, p. 62)
Seguiu-se um período de grande confusão. Os Cartistas (liberalistas moderados) ganhavam terreno a nível eleitoral e a nível de apoio das populações.
Por outro lado, surgiram guerrilhas armadas que espalhavam a insegurança, atacando as povoações. Algumas aproximaram-se dos termos de Elvas e Campo Maior.
João Dubraz envolveu-se muito na busca e perseguição dos grupos de guerrilha, na condição de elemento da Guarda Nacional. Por esta acção a Guarda Nacional foi louvada por portaria do ministério do reino de 10 de Abril de 1839. Por portaria do ministério do reino de 14 de Junho do mesmo ano, foi a secção de artilharia louvada e João Dubraz eleito capitão.
Mas a feição setembrista da artilharia tornava-a suspeita e era considerada perigosa pelos adversários. Começava a desenhar-se a transição política do Setembrismo moderado para a restauração do Cartismo.
Em Junho de 1840, sendo ministro do reino Rodrigo da Fonseca, a artilharia foi dissolvida, passando os seus membros para a infantaria, menos João Dubraz que passou para a cavalaria. A guarda nacional tinha os dias contados. A Revolta de Costa Cabral lavrou-lhe a sentença de morte. O setembrismo foi derrotado e João Dubraz deixou de ser militar e passou para a oposição ao novo regime que saiu da revolução vitoriosa.
A Carta de 1826 foi restaurada em 1842. Começava uma nova época que viria a ficar conhecida como o Cabralismo, pois que Costa Cabral, futuro conde de Tomar, foi a sua figura de proa.
João Dubraz, com a idade de 24 anos, era um jovem que começara a entrar na sua idade adulta.