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A MISTERIOSA FONTE DE OUGUELA

por Francisco Galego, em 29.11.07

Caminhando para N.E. de Campo Maior uma légua, é o forte ou praça e vila de Ouguela, cujo terreno circunvizinho é descoberto e pouco montuoso.

As águas minerais desta vila, são únicas do seu género em Portugal.

Segundo a tradição, a sua primitiva origem é à distância de uns 300 passos da Atalaia e S. Pedro, de onde corre para o forte contíguo à igreja e por baixo desta e da muralha, sai e continua por um aqueduto, junto à fonte. Nesta corre por duas bicas de ferro, nas quais a soma total de água é de dois anéis no Inverno, sendo metade e às vezes menos, no Verão.

Os canos das bicas estão carcomidos e rotos, pela passagem da água. E esta é fria e cristalina, sem cheiro algum, mas o seu sabor na fonte é áspero e ácido e custa a sofrer. Porém, perde-o passado algum tempo, de pois de estar em vasos de barro, tornando-se então própria para o uso comum. Mas quase ninguém a bebe porque dizem que faz abalar os dentes e separarem-se as gengivas.

Emprega-se para amassar o pão que fica alvo, leve e saboroso. Não coze legumes nem carne que, ainda que fervam muito tempo, ficam duros, negros e incapazes de se comerem.

Recolhida em vasos de vidro, vê-se sobrenadar uma substância oleosa que, demorando-se, engordura o vidro. Porém, em vasos de barro não deixa, no fundo ou nas paredes internas, depósito algum. Mas exteriormente ficam cobertos de uma matéria branca como se tivessem sido caiados.

O aqueduto que conduz esta água para o chafariz e os que são próximos às bicas, têm de têm de romper-se e com muita dificuldade de dois em dois anos ou, quando muito, de três em três anos, por causa das duríssimas crostas lapidosas que neles se formam, misturadas com limos e ervas aderentes a que aqui dão o nome de raposos”.

Perto desta fonte ou chafariz há outra, dentro e uma horta, onde  mesma água é aproveitada para irrigação e que faz prosperar notavelmente os seus frutos que são mais saborosos do que os criados nos outros sítios próximos que não são regados com esta água.  

(Dr. Francisco Tavares, Instruções e cautelas practicas sobre a natureza, differentes espécies, virtudes em geral e uso legitimo das aguas minerais… Coimbra, Real Imprensa da Universidade, 1810)

 

O Dr. Fonseca Henriques diz no seu Aquilégio, pág. 191, fundando-se no padre Carvalho, que nas Constituições Synodaes do bispado de Elvas, impressas em 1634, falando-se da vila de Ouguela – se refere que – procurando verificar se as suas águas minerais consentiam em si, vivos, peixes ou insectos, ou vermes aquáticos ou anfíbios. Se viu sempre que, tanto os insectos, sanguessugas e vermes, morrem apenas se ditam na água – e os peixes em seu vigor, morrem em menos de meia hora. Vivem porém nela as rãs, mas pequenas e magras, talvez porque respiram o ar atmosférico.

(Francisco da Fonseca Henriques, Aquilégio medicinal, Lisboa, Instituto Geológico e Mineiro, 1998, edição fac-simile da edição de Lisboa Ocidental, na o Officina da Musica, 1726)

 

Julga o Dr. Tavares que esta água é gasosa pelo gás carbónico em excesso, com alguma porção diminuta de carbonato e sulfato de calcário. As incrustações duríssimas formadas nos canos provam a presença de carbonatos e sulfatos calcários (selenites) e talvez sílica misturada. É próprio de todas as águas que abundam em gás carbónico não criarem peixes, nem os consentirem vivos, nem os insectos e vermes, mesmo que sejam aquáticos.

A substância oleosa que se vê nos vidros, pode vir de outros depósitos de minerais. Mas também ser resultado da combinação de hidrogénio com o ácido carbónico e o oxigénio, que forma uma matéria oleosa – a nafta.

O gosto acre e ácido prova a existência do gás carbónico e da nafta que são extremamente voláteis, se evaporam fora da nascente, deixando a água potável. A crosta branca que aparece no exterior dos vasos de barro não é mais do que carbonato e sulfato de cal, filtrados pela matéria porosa do vaso.

Estas águas são aplicadas com vantagem nas debilidades de estômago: vómitos pertinazes delas precedidos, hidropisias, e para a expulsão de vermes intestinais, incluindo a ténia e a solitária.

Pinho Leal - Portugal Antigo e Moderno (p. 309 e 310)

 

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publicado às 17:48

“Apesar da fertilidade de seus campos e das suas águas minerais, Ouguela tem descaído muito da sua antiga importância e grande parte dos seus prédios estão em ruínas.
Num desses edifícios desmantelados, foi encontrada uma pedra de forma cilíndrica (o pedestal de uma cruz) com a seguinte inscrição:
Na era de 1475, durante a célebre batalha entre Portugal e Castela, se encontraram neste local, João da Silva, camareiro-mór do príncipe D. João, o Segundo e João Fernandes Galindo, o Terceiro mestre d’Alcântara, sendo ambos capitães. E do encontro morreram ambos: o Mestre logo, e Diogo da Silva aos XVIII dias. E Diogo da Silva, bisneto de João da Silva, passando por aqui, Embaixador ao concílio Tridentino, mandou fazer esta cruz.
Era de 1551 anos.
Darei algumas explicações sobre a matéria desta inscrição.
D. Afonso V casara com sua prima D. Isabel, neta de D. João I e filha de D. Pedro duque de Coimbra (o que morreu em Alfarrobeira), da qual teve – D. João que morreu ainda menino, D. Joana ( a princesa santa), religiosa no Convento de Jesus d’Aveiro, e o que depois foi D. João II.
Falecida a rainha, pretende D. Afonso V ser também rei de Castela e contrata o seu casamento com a princesa D. Joana, filha e herdeira de D. Henrique IV de Castela.
A maior parte dos castelhanos, opõem-se a este casamento e, para criarem mais um obstáculo ao ambicioso monarca português, casaram a segunda irmã de D. Joana[1] - a infanta D. Isabel – com D. Fernando, rei de Aragão, que principiam logo a reinar e são os famosos reis católicos Fernando e Isabel que acabaram com os mouros na Península, conquistando o reino muçulmano de Granada.
D. Afonso V, para sustentar o direito de sua prometida esposa à coroa de Castela, entra naquele reino em 1473, à frente de 20.000 homens.
Em Placência desposa D. Joana e toma então o título de rei de Portugal e Castela, passa à cidade de Toro que se tinha declarado a seu favor.
Pouco tempo depois, seu filho que depois foi D. João II, o qual tinha organizado outro exército, marcha com ele a reunir-se a seu pai.
Samora seguia o partido de D. Isabel e o rei e seu filho foram pôr-lhe cerco. Apareceu o rei de Aragão com um luzido exército de castelhanos e aragoneses e, nos campos entre Samora e Toro, deu-se a célebre Batalha de Toro (Maio de 1476) em que os portugueses foram derrotados.
Foi nesta batalha o heróico feito do nosso legendário alferes-mór, Duarte d’Almeida – O Decepado – que, empunhado o estandarte real, lhe foi pelos castelhanos decepada a mão – mudou-a para a outra que, tendo a mesma sorte, ele o segurou com os dentes (outros dizem que com os cotos) e assim fugindo o pôde salvar.
O rei português deixa a regência do reino a seu filho e foi para França pedir ajuda ao rei Luís XI que, depois de brilhantes promessas, o prende a rogo dos reis católicos, tendo-o mantido recluso por uma ano. A infeliz D. Joana não foi rainha nem de Portugal, nem de Castela. Refugiou-se em Portugal onde foi designada pelo título de Excelente Senhora.  
Foi durante esta guerra, sendo João Fernandes Galindo alcaide-mor de Albuquerque e João Da Silva de Ouguela que teve lugar o desafio singular entre este dois cavaleiros, no qual morreram ambos, fora da muralha desta vila e que a inscrição relata.”
 
In: PINHO LEAL, PORTUGAL ANTIGO E MODERNO (p. 309 e 310)
 
 
 
 
 
 


[1] Pinho Leal estava equivocado: D. Isabel era irmã de Henrique IV e D. Joana (a Beltraneja) era tida como filha resultante da relação adúltera da irmã de D. Afonso V, casada com o rei de Castela, com um fidalgo (D. Beltrão).

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publicado às 16:40


SOBRE A INSTRUÇÃO PÚBLICA NO SÉCULO XIX

por Francisco Galego, em 12.11.07
               “Viram-se cidades importantes e fadadas para grandes destinos, Elvas por exemplo, (…) não dar às escolas senão um olhar distraído e miseriar-lhes alguns pobres tostões, enquanto outros aformoseamentos lhe consomem muitas centenas de mil réis. (…)
E, comparando, viram-se vilas pobres como Arronches, ainda assim tratarem melhor do que algumas cidades as suas escolas. Reclamar e obter para elas edifício do Estado, reconstruí-lo, mobilá-lo, ainda que com rudeza, confortá-lo, posto que com vicioso sistema. Viu-se inaugurar cursos femininos, embora desfavorecidos, abrir escola nocturna. Se bem que com mobília mal adaptada. E, apesar dos defeitos da forma, apesar de alguns abusos, apesar de certas pequenices aldeãs ali desde longo tempo aclimatadas por deficiências de pessoal, se não existisse a escola-cozinha de Degolados podia ser considerada excepção.
Viram-se vilas como Monforte – terra melhor do que a sua fama – levantar desde os alicerces a escola mais elegante do 4º círculo do distrito, embelezá-la e tratá-la como faria uma grande cidade. È verdade que a escola de Vaiamonte só se conhece que é escola porque tem professor e alunos. E a de Assumar, meio cadeia e meio escola, é espelunca inteira. Também é preciso confessar que em Monforte há aulas sem alunos, como no concelho de Elvas há alunos sem aulas.
Porém, viram-se vilas que, como Campo Maior; progridem devagar mas em tudo. Aí os pais não carecem e ser instados para mandarem os filhos às escolas. Aí os professores não os repelem, antes os atraem. Aí os melhoramentos materiais acompanham sempre as escolas e quase não precisam de ser reclamados. Aí o município tem gasto sempre e continua a gastar com a instrução grossas somas, ora criando gratificações para favorecer e sustentar a escola secundária, ora mandando professores à capital a estudarem o método de Castilho (que se decaiu depois de dois anos de curso nocturno não foi por culpa da câmara), ora consumindo quantias de vulto para os professores se habilitarem no estudo prático do sistema métrico, ora criando cursos nocturnos convenientemente remunerados. Podemos dar testemunho de que, só na mobília da aula de português, latim e francês gastou a câmara há poucos anos mais de 60$000 réis e recentemente foi esta aula transferida para os passos do concelho, custando esta transferência cerca de outros 60$000 réis. E isto sem ser despesa obrigatória porque, como todos sabem, as escolas secundárias estão a cargo do tesouro.
E cuidam que, enquanto a câmara de Campo Maior tratava das suas predilecções pela instrução dos seus conterrâneos, se descuidavam os melhoramentos materiais da vila? Enganam-se. Há seis anos que as obras municipais são quase contínuas. A vila renova-se de dia para dia; a rede nos encanamentos vai-se completando; reconstroem-se as calçadas e plantam-se árvores para embelezamentos e efeitos higiénicos. Concertou-se o cemitério público com certo esplendor; estabeleceu-se a conservatória do registo hipotecário e a estação telegráfica com muita decência; organizou-se a limpeza pública pelo sistema adoptado nos grandes centros populacionais; vai começar a construção de uma estrada para o cemitério e continuar a que deve conduzir a Ouguela, cortando o trato de terra mais rico do concelho.
No ano económico de 1867 a 1868, ou antes, no espaço de tempo que começa a decorrer desde o 1º de Julho do corrente ano, visto que as contas municipais, segundo a nova reforma da administração civil, serão feitas por anos civis, deve o cronista da câmara começar a escrever a história abreviada de Campo Maior desde 1828 a 1868, para ser lançada nos Anais do Município, livro precioso que uma disposição do poder executivo central determinou há muitos anos que exista em cada concelho e que, de facto, em poucos arquivos avulta.
Já se planeiam, pelo menos na mente dos sonhadores, grandes arborizações nas muralhas, nas ruas, nos largos, nos caminhos e trata-se da fundação de uma biblioteca pública, embora criação modesta, mas que seja uma verdade prática.”
 
Democracia Pacífica 31 de Julho de 1867

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publicado às 12:44


FESTAS EM HONRA DE SÃO JOÃO BAPTISTA, HÁ 110 ANOS

por Francisco Galego, em 07.11.07

 

Campo Maior, Setembro de 1897

   Correram bastante animadas as Festas a São João Baptista que, de 4 a 7 do corrente se realizaram na importante e populosa vila de Campo Maior.

   Quase todas as ruas da vila se achavam garridamente enfeitadas e, decerto, foi isto o maior atractivo das festas. Principalmente as ruas da Canada, da Misericórdia, Direita, do Paço, de Menantio, das Pereiras, 13 de Dezembro, Visconde de Seabra, Mouraria de Baixo e de Cima e Largo do Barão de Barcelinhos, ostentavam primorosas ornamentações.

   À noite, com as iluminações, tornaram-se então verdadeiramente fantásticas.

   O fogo de artifício agradou bastante. É pena que seja queimado num sítio onde o seu efeito quase não se pode desfrutar.

   De Elvas foram muitíssimas pessoas a estas festas.

 

Ornamentavam-se cerca de 20 ruas e 4 largos.

A festa começou Sexta-feira com arraial em S. Joãozinho. Nos outros dias missa e procissão, concerto pela banda no coreto da Praça D. Luís, fogo de artifício, lançamento de balões, touradas; bailes na Câmara, nas casas particulares e nas ruas; marcha “aux flambeaux” no último dia para agradecer aos organizadores.

As festas decorreram durante os dias 4,5,6,e 7 de Setembro. Tinham, portanto, a duração de 4 dias. De 1893 até 1898, as festas foram anuais.

As ornamentações eram muito simples. Cada um armava a “testada” da sua casa. Havia

Tronos e Capelinhas armadas a S. João,  arcos triunfais e uma gruta. Numa casa à Rua das Poças havia uma gaiola com um gato, um coelho e 2 rolas).

Pelas ruas, ao longo das frontarias das casas, vasos com plantas naturais e flores. Podiam-se contar mais de 500 vasos.

Quanto à iluminação, “O vento excessivo não autorizou a iluminação que ficou adiada para hoje”. Mais de 10.000 balões à veneziana; lamparinas feitas de casca de melão, laranja, melancia e ovos.

“Pelas ruas andavam mais de 5.000 pessoas, quase não se podia transitar; Houve diminuto número de forasteiros”.

“Mestre Garrifo estabeleceu na rua da Carreira desta vila uma sucursal do seu hotel.”

Dados recolhidos em:

Correio Elvense, Ano VIII, nº791, 4ª-feira, 8 de Setembro de 1897, p.2

 

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publicado às 17:24


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