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ENSAIO BIOGRÁFICO:O VISCONDE DE OUGUELA

por Francisco Galego, em 16.10.07

            Já em textos anteriores fiz referências a esta extraordinária personagem que tanto ligou a sua vida à povoação e gentes de Ouguela. Por isso, algumas pessoas têm manifestado o desejo de conhecer com mais pormenor a vida desta figura que deixou marca significativa na história local desta região e na vida política portuguesa, na segunda metade do século XIX

O texto que agora apresento foi elaborado com base em informações recolhidas em três  obras:

O Visconde de Ouguela,  de Camilo Castelo Branco, publicado em 1873

 

Portugal _ Diccionario Histórico, Biographico, Bibliographico; Heraldico; Chorographico, Numismatico e Artistico, de Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues publicado em 1906

 

            Diccionário Chorographico de Portugal Continental e Insular, de Américo Costa, publicado em 1934

 

Carlos Ramiro Coutinho que foi conhecido pelos títulos adquiridos de 3º Barão de Barcelinhos e de 1º Visconde de Ouguela, nasceu em Lisboa a 30 de Junho de 1828. Era filho de Ricardo Sylles Coutinho e de D. Rosa Máxima da Silva Coutinho.

O pai do Visconde de Ouguela era uma dos heróis da luta contra o absolutismo de D. Miguel. Integrou a falange que em 1933 combateu ao lado de D. Pedro até à vitória final dos liberalistas e restauração da monarquia constitucional. Tornou-se depois um importante comerciante da praça de Lisboa, tendo conseguido alguns meios de fortuna que lhe permitiram dar uma cuidada formação a seu filho. A sua casa comercial situada em pleno Chiado, era ponto de encontro e tertúlia dos ideais libertários que o pai do futuro Visconde de Ouguela manteve até ao fim dos seus dias.

O filho fez com grande brilhantismo o curso de Direito na Universidade de Coimbra. Atingiu rapidamente notabilidade como advogado por se ter distinguido na defesa de casos difíceis, muito divulgados pelos principais órgãos de imprensa do seu tempo.

Desde muito cedo abraçou os ideais democráticos, aproximando-se dos princípios preconizados pela ideologia socialista. Era sobretudo um filantropo e um idealista, muito propenso a gestos de grande alcance humanitário. O carácter avançado das suas ideias e actividades políticas provocou muitos ressentimentos e rancores. Acusavam-no de republicano e perigoso revolucionário. Na verdade, ao longo de toda a sua vida, manteve--se sempre bastante conservador no que respeitava aos seus hábitos sociais e estilo de vida.

Ainda muito novo foi nomeado moço fidalgo com exercício no paço, ocupando um cargo de grande notabilidade como o de Ouvidor do Conselho de Estado.

Em 1859 tornou-se deputado, integrando no parlamento a facção que apoiou os governos regeneradores de Fontes Pereira de Melo, Casal Ribeiro e Martens Ferrão.

Em 1860 foi nomeado Ajudante e de Substituto Honorário do Procurador-Geral da Fazenda Nacional. No mesmo ano casou com a viúva do Barão de Barcelinhos, tornando--se responsável pela gestão de uma casa de tão grandes encargos e haveres que teve de se afastar durante algum tempo da actividade política.

Em 1864 pediu a demissão do cargo de Substituto do Procurador da Fazenda e foi agraciado com o título de Barão de Barcelinhos que tinha sido usado pelo anterior marido de sua mulher.

Por esta altura, passou a interessar-se vivamente pelo concelho de Campo Maior, principalmente pela aldeia de Ouguela. Seria a preparação para o título que lhe viria a ser atribuído alguns anos depois?

O que aconteceu de facto foi que, em muito pouco tempo se tornou o maior proprietário e contribuinte fiscal do concelho de Campo Maior. Visitava frequentemente a vila e o concelho, sendo sempre recebido com grandes manifestações de apreço pela população. Chegou mesmo a tentar estabelecer aqui residência, mas frustrou-se a sua tentativa de comprar a Quinta da Rainha, actual Quinta dos Avós.

Em 1867 assumiu a chefia da comissão que defendeu junto do governo e do rei a defesa da continuação do município, ameaçado de extinção pela reforma administrativa do ministro Martens Ferrão. Foi de tal modo esforçada e notável a sua acção em defesa do concelho de Campo Maior que, a população reunida em comício votou que ao Terreiro, o largo principal da vila nesse tempo, foi dado o nome de Largo Barão de Barcelinhos.

Devido à sua actividade como homem público e como filantropo, sobretudo em defesa da pequena aldeia de que escolhera tornar-se protector, o Barão de Barcelinhos, por decreto de 31 de Maio de 1868, recebeu o título de Visconde de Ouguela.

Pelas obras que escreveu, pelos cargos que ocupou, pela sua acção humanitária em defesa dos oprimidos, principalmente dos operários, tornou-se uma das mais notáveis figuras do seu tempo. Devido à notabilidade que alcançou foi agraciado com distinções várias, quer pelo governo português, quer pelos governos de Espanha, da França e da Rússia.

Era possuidor de avultados bens. O Visconde de Ouguela possuía em Lisboa, na Ilha da Madeira e no Concelho de Campo Maior, propriedades rústicas e urbanas cujo valor venal era de 342.000$000 de réis. Só de contribuições prediais pagava 2.450$000 réis. Além disso, possuía avultados bens móveis em acções, inscrições e valores de carteira e eram accionistas do Banco de Portugal. Em 1872 o Visconde de Ouguela estava envolvido no projecto de criação de um novo banco que se deveria chamar Banco Real e Nacional.

Precisamente nesse ano de 1872, o Visconde foi atingido por duas tremendas tragédias que o haviam de aniquilar.

A nível familiar, a morte de uma enteada atingida por doença irremediável e de prolongada agonia. Esta morte lançou-o numa profunda tristeza, porque a esta criança, que criara como filha, o ligava um profundo afecto.

Sete dias depois da morte da criança que tanto adorava, em Agosto de 1872, foi preso e lançado na cadeia do Aljube, devido a uma delação caluniosa que o denunciava como participante activo numa conspiração para derrubar o trono e o sistema político.

Embora tivesse sido ilibado de todas as acusações, estes factos causaram-lhe uma mágoa tão profunda que se retirou completamente de todas as actividades como homem público, desistindo de todos os seus anteriores projectos.

A gente de Ouguela terá, deste modo, perdido uma grande oportunidade para afastar os fantasmas da inevitável decadência da sua terra.

O visconde de Ouguela, que tinha sido uma das mais notáveis figuras do nosso país no terceiro quartel do século XIX, morreu completamente retirado e, de certo modo esquecido, em 5 de Janeiro de 1897.

 

 

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publicado às 18:59


PARA A MEMÓRIA HISTÓRICA DE OUGUELA

por Francisco Galego, em 09.10.07

                                                Bela cidade d’Ouguela,

                                      Dá vistas p’ra Lapagueira;

                                      Mal empregada cidade,

                                      Estar em tão alta ladeira.

 

            Por uma natural tendência para a mitificação, a tradição popular local refere-se a Ouguela como tendo sido terra de antigas e consideráveis grandezas. Ora, muito provavelmente, Ouguela nunca terá sido terra de grande dimensão. Foi certamente vila fortificada de grande importância militar na defesa duma zona da fronteira difícil de defender das ambições dos nossos vizinhos, tão inquietos até certa altura da história do nosso país.

            De uma forma mais ponderada podemos tentar compreender o passado de Ouguela da seguinte maneira: Em tempos recuados, quando as terras, mesmo as mais notáveis cidades, não tinham grandes dimensões, não se dava tanto pela pequenez das terras pequenas como era Ouguela. Mas, à medida que, pelo desenvolvimento da arte da guerra, os castelos deixaram de ser importantes para a defesa do território, houve povoações que se viram condenadas a um inevitável empobrecimento, arrastando-se numa difícil luta pela sobrevivência. Apesar de tudo, Ouguela não teve o destino de muitas outras povoações que desapareceram completamente. Algumas delas não deixaram vestígios, nem grande memória.

            Para que o mesmo não venha a acontecer com Ouguela, resolvi recolher a informação possível sobre esta antiga vila, hoje tão esquecida quanto reduzida em gente e em dimensão. Venho agora tentar dar conta dos dados que, sobre esta questão, consegui em tão pouco tempo reunir.

           

Na obra Portugal Antigo e Moderno – Diccionario geográfico, estatistico, chorographico, heraldico, arqueológico, histórico, biographico, e etymologico de todas as cidades, villas e freguezias de Portugal e de grande numero de aldeias, publicada em 1874 por Augusto Soares d’Azevedo Barbosa de Pinho Leal, podemos encontrar uma interessante e pormenorizada descrição de Ouguela feita há cerca de 130 anos.

Segundo o autor desta obra, Ouguela é povoação muito antiga e, segundo vários escritores, teria sido povoado romano com o nome de Budua e, mais tarde, repovoada pelos godos que a teriam baptizado de Niguella, designação que terá dado origem ao actual nome de Ouguela.

Um correspondente em Campo Maior do jornal A Voz do Alemtejo, em 1865, afirmava que Ouguela teria sido cedida por Afonso X, o Sábio, como dote de sua filha D. Beatriz, quando esta casou com o El-rei de Portugal D. Afonso IV, o Bravo. Tudo está errado nesta afirmação: as datas e as personagens.

Segundo o texto bem informado de Pinho Leal que estamos a seguir, Ouguela situada a nordeste de Campo Maior, frente à povoação espanhola de Albuquerque, terá passado à posse de Portugal ao mesmo tempo que Campo Maior e Olivença, em virtude do Tratado de Alcanizes, no reinado de D. Dinis, em 1297.

Era povoado cercado de muralhas e defendido por um castelo mas, porque as suas defesas e casas estivessem arruinadas, D. Dinis terá mandado reedificá-las, dando ao povoado o foro de vila com privilégios semelhantes aos da cidade de Évora, como consta em carta expedida de Lisboa, datada de 5 de Janeiro de 1298. (Livro 2º das Doações do rei D. Dinis, Folha 6 verso, col. 2ª, § 3º).

Em 1512, Ouguela recebeu foral novo de D. Manuel I (Livro dos foraes novos do Alemtejo, folha 65 verso, col. 2ª).

Em 1536, D. João III confirmou os privilégios de Ouguela por uma sentença de foral datada de Lisboa, 10 de Novembro. (Livro das sentenças a favor da coroa, folha 24, col. 2ª).

 

 

Segundo o Diccionário Chorographico de Portugal Continental e Insular de Américo Costa, publicado em 1934, No Cadastro da população do reino ou Numeramento de 1527, é dito que: “Achou-se na vila de Ouguela dentro da cerca e arrabalde 144 fogos, achou-se no termo da dita vila 19, o que soma 163 fogos o que corresponderia a uma população de cerca de 600 habitantes. (A população de Campo Maior era quatro vezes mais numerosa que a de Ouguela).

O Padre Carvalho da Costa na sua Corografia Portugueza e Descriçam Topografica do Famoso Reyno de Portugal de 1707, atribuiu à Freguesia de Nª Sª da Graça de Ouguela 250 fogos, o que fazia de Ouguela, com cerca de um milhar de habitantes, uma povoação de razoáveis dimensões no final do século XVII, início do século XVIII; Oliveira Freire em 1755 achou que nela ainda existiriam 187 fogos.

Até ao século XVIII, Ouguela serviu de guarda avançada da linha defensiva constituída por Olivença, Juromenha, Elvas e Campo Maior. Mas nunca foi terra de grande casario nem de numerosa população: Algumas moradias dentro do castelo e duas ruas de casas no arrabalde que, ainda hoje, ficam fora do recinto muralhado. Parte da sua população seria constituída pelos elementos da sua guarnição militar.

Depois, com a perda da importância militar, Ouguela entrou num inexorável declínio: em 1864, teria cerca de 350 habitantes. Hoje terá apenas algumas dezenas.

Esteves Pereira e Guilherme Rodrigues na sua obra Portugal _ Diccionario Histórico, Biographico, Bibliographico; Heraldico; Chorographico, Numismatico e Artistico, publicado em 1906, faz ampla referência às Águas minerais de Ouguela.

Segundo se afirma nesta obra, estas águas foram apresentadas na Exposição Universal de Paris de 1867, com as seguintes referências:

Nascente mineral de Ouguela – Está situada perto de um forte e da igreja de uma pequena aldeia de seu nome Ouguela…

É a única água mineral, entre as que foram examinadas em Portugal continental, que possui uma quantidade considerável de nitratos.

Já em 1810 o Dr. Francisco Tavares, médico de D. Maria I, na sua obra Instruções e cautelas práticas…referia o seguinte:

As águas minerais desta vila (Ouguela), são únicas em Portugal.

Segundo a tradição, a sua primeira origem é à distância de uns 300 passos da Atalaia de S. Pedro, de onde corre para o forte contíguo à igreja e por baixo desta e da muralha sai e continua por 10 ou 12 passos, por um aqueduto, junto à fonte. Nesta corre por duas bicas de ferro nas quais a soma total da água anda por dois anéis no Inverno, sendo metade, às vezes menos, no Verão.

Os canos das bicas estão carcomidos e rotos pela passagem da água.

É esta fria e cristalina, sem cheiro algum, mas o seu sabor na fonte é áspero e ácido e custa a sofrer; porém, perde-o passado algum tempo depois de estar em vasos de barro, tornando-se então própria para o uso comum; mas quase ninguém a bebe porque dizem que faz abalar os dentes e separarem-se as gengivas.

Emprega-se para amassar o pão, que fica alvo, leve e saboroso.

Não cose legumes nem carne pois que, ainda que fervam muito tempo, ficam duros, negros e incapazes de comer-se.

Esta água é gasosa pelo gás ácido carbónico em excesso, com alguma porção de carbonato e sulfato calcário.

É próprio de todas as águas que abundam em gás carbónico, não criarem peixes, nem os consentirem vivos; nem os insectos e vermes, mesmo que sejam aquáticos.

A substância que se forma nas vasilhas de vidro, pode vir de outros depósitos de minerais, mas também pode ser resultado da combinação do hidrogénio com o ácido carbónico e o oxigénio que forma uma matéria oleosa – a nafta…

Estas águas são aplicadas com vantagem nas debilidades de estômago, vómitos, hidropisias e para expulsão de vermes intestinais, incluindo a ténia ou bicha-solitária.

Terá sido desta água, considerada única no seu género em Portugal, que o Sr. Barão de Barcelinhos, em 1865, mandou recolher amostras para as fazer analisar pelo Dr. Agostinho Vicente Lourenço que depois de rigorosas análises a terá feito apresentar na exposição em Paris no ano de 1867?

Que terá sido feito desta fonte donde brotava esta água de poderes medicinais tão maravilhosos?

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publicado às 14:45


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