Numerosos documentos aludem às terras comunais de Campo Maior – as defesas do concelho que, segundo documentos antigos, teriam sido estabelecidas no século XIV, reinado de D. Pedro I, para uso comunal da população e para garantia dos recursos necessários à administração pública dos municípios, era particularmente nas terras raianas que, por razões defensivas, tinha de ser atractivas para fixação da população.
Segundo Rui Vieira, no caso de Campo Maior, uma das mais antigas referências data do reinado de D. João III, segundo a qual este rei, no ano de 1550, terá autorizado que a Câmara Municipal campomaiorense arrendasse “a Defesa do Carrascal por dois anos, por mil cruzados, por o concelho estar com grande necessidade para a despesa da água e fonte que fazeis e para acabardes as audiências e para se fazer um açougue (…) este último a construir, tal como as Casas da Câmara e das Audiências, na referida Praça Velha”. O mesmo autor refere que “esta defesa do Carrascal, que possuía 20,5 moios de terra, foi comprada à Câmara Municipal de Campo Maior, em 1609, por António da Silva Meneses por 9.250 cruzados (3 contos e setecentos mil réis).”
Segundo Albert Silbert, uma notícia de 1758 faz referências pormenorizadas ao estatuto e utilização destas terras comunais.
A defesa de São de São Pedroa sudoeste da povoação, numa área arborizada e ligeiramente ondulada, era todos os anos dividida em sortes,em partes de um moio de semente, ou seja, de uma dezena de hectares, as quais eram leiloadas e cedidas pela melhor oferta e nelas se praticava um afolhamento trienal, como nas restantes herdades da região. Este afolhamento não era rigorosamente respeitado pois uma parte da terra em repouso era utilizada com outras culturas.
Como se vê, o cultivo destas sortes da defesa de São Pedro era feito em regime de exploração privada pelos que tinham conseguido, em leilão, arrematar o direito ao seu uso pelo período que decorria entre uma sementeira e a sua colheita.Era uma prática que nada tinha de trabalho colectivista popular e muito menos de uso comunal.
Depois das ceifas a Câmara vendia os restolhos pela melhor oferta. Mas, mesmo no tempo dos restolhos, uma parte da defesa de São Pedro, estava à disposiçãodos animais dos habitantes da vila.
Era numa parte integrante da Defesa de São Pedro – o Rossio – que a população podia realizar anualmente as suas eiras onde, após as ceifas, se procedia à debulha dos cereais. A notícia que a seguir se transcreve mostra a importância que a Defesa de São Pedro tinha para a população de Campo Maior, a qual se vai manter até ao século XX:
A VOZ DO ALEMTEJO, Nº 258, Elvas, Sábado, 25 de Julho de 1863
Campo Maior (correspondência particular)
“No dia 21 do corrente pelas 3 horas da tarde manifestou-se o fogo nas eiras públicas do Rossio de S. Pedro desta vila … naquele local havia próximo de 3 mil a 4 mil moios de trigo … sendo o Sr. administrador do concelho o primeiro que se apresentou no sítio do fogo à testa do qual se conservou…para evitar que o fogo se comunicasse aos mais celeiros contíguos, que não seriam menos de 800.
Não sendo menos dignos de iguais encómios e felicitações os mui nobres proprietários que correram de pronto ao lugar do incêndio… e ainda mais se deve ao geral da povoação que, ouvindo tocar o sino da câmara, abandonaram as suas casas, correndo da melhor vontade, de moto próprio, a acudir a um tão inesperado incidente…tornando-se muito distintos por esta ocasião os serviços prestados pelos senhores: subdirector da alfândega José das Dores; os artistas José António de Bastos, José Mendes da Mota, e Dâmaso de Albuquerque; os trabalhadores Manuel dos Santos Valadim, José Duarte, Manuel das Chagas e outros muitos cujos nomes ignoramos…”
Campo Maior 22 de Julho de 1863
Duas outras defesas – Godinha de Baixo e Godinha de Cima –ficavam a sudeste, numa região descoberta. Apesar da semelhança da designação, nada tinham de comum com as referidas ao concelho de Elvas.
A defesa da Godinha de Baixo era alugada por três anos como qualquer herdade e o seu locatário conservava para si as suas pastagens. Esta herdade foi cedida, no século XIX, a título definitivo ao seu arrendatário que passou a ter sobre ela direito pleno de propriedade.
A defesa da Godinha de Cima que, segundo o testemunho do corregedor de Elvas, em 1812 tinha cerca de mil hectares de superfície, deu origem a prolongados conflitos na segunda metade do século XVIII.
Até 1775 tinha estado reservada aos bovinos não utilizados no trabalho (geralmente os animais mais jovens e até ao limite de dez cabeças por pessoa). Nela se acolhiam também os cavalos. Só excepcionalmente era cultivada como, por exemplo, no ano de 1705, com o pretexto que de que o número de animais tinha sido muito reduzido por causa da guerra. Como foi dito na provisão de 20 de Junho que tomou essa decisão, “assim se tinha procedido nas guerras passadas e assim se fazia enquanto esta durasse”. Recomeçaria a ser utilizada para o gado em 1748-49, para combater uma praga de gafanhotos.
A partir de 1776 o estatuto da defesa da Godinha de Cima foi muito modificado. Era vendido o direito aos pastos ou seja, o direito de nela colocar bovinos em pastagem. Quatro anos depois, o beneficiário solicitou que lhe fosse concedido o direito de semear doze moios de terra o que lhe foi concedido pela Câmara para um período de três anos, o qual foi alargado para mais seis anos em 1782. A população mantinha apenas o direito de aí poder alimentar os bois e os cavalos não utilizados no trabalho dos campos.
Quanto aos baldios da Godinha,a notícia que se transcreve refere claramente como e quando essas terras comunais foram transformadas em pequenas parcelas de apropriação privada:
A DEMOCRACIA, Nº 159, Elvas, 12 de Janeiro de 1871
“A Ex.ma câmara municipal está já procedendo à demarcação e numeração das sortes da Godinha; fez uma distribuição o mais lata possível, de modo que, não só todos os chefes de família serão contemplados com uma sorte de uns 5 alqueires de terra, senão também todos os órfãos de pai e mãe, estejam ou não estabelecidos e vivam ou não em comum ou separados. É imerecida a censura que alguns fazem à câmara por a forma ou o sistema de terra que mais viria a pertencer a cada chefe de família. Contraste-se isto com o honroso procedimento da câmara, cujos membros não quiseram ser contemplados na distribuição das sortes. Louvor à sua abnegação.”
Campo Maior, Janeiro 7. O correspondente: Manuel Rosado Pimpão Junior
Ouguela que neste tempo era ainda um concelho gozando de plena autonomia administrativa, tinha também os seus terrenos comunais ou baldios.
Um deles – a Referta – era designada como contenda porque, ultrapassando o seu território para o lado de lá da fronteira com a Espanha, tinha o seu uso de ser partilhado pelas populações de Ouguela e de Albuquerque.
Além desta havia ainda o baldio da Travessa e o baldio de Nossa Senhora da Enxara. Estes foram das terras comunais a que mais cedo foram cedidas ao uso privado: do baldio da Travessa foi concessionada uma parcela de um quarto légua em 1821; quanto ao baldio de Nossa Senhora da Enxara, a Câmara propôs, em1825, a sua divisão em pequenos lotes a atribuir em carácter de enfiteuse aos moradores, desde que o rendimento da sua concessão não fosse inferior ao que a Câmara auferia com a venda das pastagens. Mais tarde, quando decidiu torna-se proprietário nesta região, o Barão de Barcelinhos, depois titulado como Visconde de Ouguela, adquiriu muitas destas pequenas propriedades constituindo com elas uma herdade.
Hoje nada mais resta das antigas defesas que outrora existiram no território do concelho de Campo Maior.