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NO ANTIGAMENTE … CAMPO MAIOR (II)

por Francisco Galego, em 25.07.07
Numerosos documentos aludem às terras comunais de Campo Maior – as defesas do concelho que, segundo documentos antigos, teriam sido estabelecidas no século XIV, reinado de D. Pedro I, para uso comunal da população e para garantia dos recursos necessários à administração pública dos municípios, era particularmente nas terras raianas que, por razões defensivas, tinha de ser atractivas para fixação da população.
Segundo Rui Vieira, no caso de Campo Maior, uma das mais antigas referências data do reinado de D. João III, segundo a qual este rei, no ano de 1550, terá autorizado que a Câmara Municipal campomaiorense arrendasse “a Defesa do Carrascal por dois anos, por mil cruzados, por o concelho estar com grande necessidade para a despesa da água e fonte que fazeis e para acabardes as audiências e para se fazer um açougue (…) este último a construir, tal como as Casas da Câmara e das Audiências, na referida Praça Velha”. O mesmo autor refere que “esta defesa do Carrascal, que possuía 20,5 moios de terra, foi comprada à Câmara Municipal de Campo Maior, em 1609, por António da Silva Meneses por 9.250 cruzados (3 contos e setecentos mil réis).”
 Segundo Albert Silbert, uma notícia de 1758 faz referências pormenorizadas ao estatuto e utilização destas terras comunais.
A defesa de São de São Pedroa sudoeste da povoação, numa área arborizada e ligeiramente ondulada, era todos os anos dividida em sortes,em partes de um moio de semente, ou seja, de uma dezena de hectares, as quais eram leiloadas e cedidas pela melhor oferta e nelas se praticava um afolhamento trienal, como nas restantes herdades da região. Este afolhamento não era rigorosamente respeitado pois uma parte da terra em repouso era utilizada com outras culturas.
Como se vê, o cultivo destas sortes da defesa de São Pedro era feito em regime de exploração privada pelos que tinham conseguido, em leilão, arrematar o direito ao seu uso pelo período que decorria entre uma sementeira e a sua colheita.Era uma prática que nada tinha de trabalho colectivista popular e muito menos de uso comunal.
Depois das ceifas a Câmara vendia os restolhos pela melhor oferta. Mas, mesmo no tempo dos restolhos, uma parte da defesa de São Pedro, estava à disposiçãodos animais dos habitantes da vila.
Era numa parte integrante da Defesa de São Pedro – o Rossio – que a população podia realizar anualmente as suas eiras onde, após as ceifas, se procedia à debulha dos cereais. A notícia que a seguir se transcreve mostra a importância que a Defesa de São Pedro tinha para a população de Campo Maior, a qual se vai manter até ao século XX:
 
A VOZ DO ALEMTEJO, Nº 258, Elvas, Sábado, 25 de Julho de 1863
Campo Maior (correspondência particular)
“No dia 21 do corrente pelas 3 horas da tarde manifestou-se o fogo nas eiras públicas do Rossio de S. Pedro desta vila … naquele local havia próximo de 3 mil a 4 mil moios de trigo … sendo o Sr. administrador do concelho o primeiro que se apresentou no sítio do fogo à testa do qual se conservou…para evitar que o fogo se comunicasse aos mais celeiros contíguos, que não seriam menos de 800.
Não sendo menos dignos de iguais encómios e felicitações os mui nobres proprietários que correram de pronto ao lugar do incêndio… e ainda mais se deve ao geral da povoação que, ouvindo tocar o sino da câmara, abandonaram as suas casas, correndo da melhor vontade, de moto próprio, a acudir a um tão inesperado incidente…tornando-se muito distintos por esta ocasião os serviços prestados pelos senhores: subdirector da alfândega José das Dores; os artistas José António de Bastos, José Mendes da Mota, e Dâmaso de Albuquerque; os trabalhadores Manuel dos Santos Valadim, José Duarte, Manuel das Chagas e outros muitos cujos nomes ignoramos…”
Campo Maior 22 de Julho de 1863    
 
Duas outras defesasGodinha de Baixo e Godinha de Cima –ficavam a sudeste, numa região descoberta. Apesar da semelhança da designação, nada tinham de comum com as referidas ao concelho de Elvas.
A defesa da Godinha de Baixo era alugada por três anos como qualquer herdade e o seu locatário conservava para si as suas pastagens. Esta herdade foi cedida, no século XIX, a título definitivo ao seu arrendatário que passou a ter sobre ela direito pleno de propriedade.
A defesa da Godinha de Cima que, segundo o testemunho do corregedor de Elvas, em 1812 tinha cerca de mil hectares de superfície, deu origem a prolongados conflitos na segunda metade do século XVIII.
Até 1775 tinha estado reservada aos bovinos não utilizados no trabalho (geralmente os animais mais jovens e até ao limite de dez cabeças por pessoa). Nela se acolhiam também os cavalos. Só excepcionalmente era cultivada como, por exemplo, no ano de 1705, com o pretexto que de que o número de animais tinha sido muito reduzido por causa da guerra. Como foi dito na provisão de 20 de Junho que tomou essa decisão, “assim se tinha procedido nas guerras passadas e assim se fazia enquanto esta durasse”. Recomeçaria a ser utilizada para o gado em 1748-49, para combater uma praga de gafanhotos.
A partir de 1776 o estatuto da defesa da Godinha de Cima foi muito modificado. Era vendido o direito aos pastos ou seja, o direito de nela colocar bovinos em pastagem. Quatro anos depois, o beneficiário solicitou que lhe fosse concedido o direito de semear doze moios de terra o que lhe foi concedido pela Câmara para um período de três anos, o qual foi alargado para mais seis anos em 1782. A população mantinha apenas o direito de aí poder alimentar os bois e os cavalos não utilizados no trabalho dos campos.
Quanto aos baldios da Godinha,a notícia que se transcreve refere claramente como e quando essas terras comunais foram transformadas em pequenas parcelas de apropriação privada:
A DEMOCRACIA, Nº 159, Elvas, 12 de Janeiro de 1871
“A Ex.ma câmara municipal está já procedendo à demarcação e numeração das sortes da Godinha; fez uma distribuição o mais lata possível, de modo que, não só todos os chefes de família serão contemplados com uma sorte de uns 5 alqueires de terra, senão também todos os órfãos de pai e mãe, estejam ou não estabelecidos e vivam ou não em comum ou separados. É imerecida a censura que alguns fazem à câmara por a forma ou o sistema de terra que mais viria a pertencer a cada chefe de família. Contraste-se isto com o honroso procedimento da câmara, cujos membros não quiseram ser contemplados na distribuição das sortes. Louvor à sua abnegação.”
Campo Maior, Janeiro 7. O correspondente: Manuel Rosado Pimpão Junior
 
Ouguela que neste tempo era ainda um concelho gozando de plena autonomia administrativa, tinha também os seus terrenos comunais ou baldios.
Um deles – a Referta – era designada como contenda porque, ultrapassando o seu território para o lado de lá da fronteira com a Espanha, tinha o seu uso de ser partilhado pelas populações de Ouguela e de Albuquerque.
Além desta havia ainda o baldio da Travessa e o baldio de Nossa Senhora da Enxara. Estes foram das terras comunais a que mais cedo foram cedidas ao uso privado: do baldio da Travessa foi concessionada uma parcela de um quarto légua em 1821; quanto ao baldio de Nossa Senhora da Enxara, a Câmara propôs, em1825, a sua divisão em pequenos lotes a atribuir em carácter de enfiteuse aos moradores, desde que o rendimento da sua concessão não fosse inferior ao que a Câmara auferia com a venda das pastagens. Mais tarde, quando decidiu torna-se proprietário nesta região, o Barão de Barcelinhos, depois titulado como Visconde de Ouguela, adquiriu muitas destas pequenas propriedades constituindo com elas uma herdade.
Hoje nada mais resta das antigas defesas que outrora existiram no território do concelho de Campo Maior.

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publicado às 12:15


NO ANTIGAMENTE … CAMPO MAIOR (I)

por Francisco Galego, em 05.07.07
Quem se dedica ao estudo da História de Campo Maior, acaba sempre por se encontrar com a necessidade de perceber as razões que justificam que esta terra tenha conhecido um desenvolvimento contínuo ao longo dos tempos, enquanto outras que lhe são próximas e com origens similares definharam até quase desaparecerem, como Ouguela, e outras estagnaram num passado eminentemente rural como, por exemplo, Juromenha. As linhas que se seguem pretendem ser um modesto contributo para encontrar algumas respostas para esta questão.
António Henriques da Silveira no seu “Racional Discurso sobre a Agricultura e População da Província do Alem-Tejo”, in Memorias Economicas para o adiantamento da Agricultura, das Artes e da Industria Portuguesa, publicada pela Academia das Ciências, tomo I, 1789, coloca entre as terras mais férteis do Alentejo os “barros vermelhos” de Elvas, de Campo Maior, de Fronteira e de Estremoz. Para além destas povoações cita apenas Olivença, Beja e Serpa como terras com especial aptidão para a cultura dos cereais, principalmente do trigo.
Segundo Albert Silbert que tanto se dedicou à História do Alentejo, o concelho de Campo Maior é particularmente fácil de conhecer, pois que a documentação que lhe diz respeito é abundante e precisa.
 
Tanto como a cultura dos cereais, principalmente do trigo, o pastoreio era importantíssimo neste concelho, como actividade complementar da sua economia agrária, pois o gado, principalmente o ovino, aproveitava o que ficava como restolho depois das ceifas e os pastos que cresciam nas terras em pousio.
Mas, tendo Campo Maior um território muito pequeno, a sobrecarga da actividade pastoril durante o tempo que decorria entre a sementeira e a colheita das searas, os pastores tinham mesmo que ir procurar pastagens noutras terras, a dezoito e vinte léguas de distância. Deslocavam-se com os seus rebanhos para as terras a norte de Portalegre, nomeadamente os pastos de Niza, todos os anos, entre o começo de Outubro e o final do mês de Março.
Os documentos referem também que da Beira vinham muitos pastores para exercerem a sua actividade em Campo Maior. Vinham na expectativa de que aqui pudessem fazer fortuna, pensando poderem ir adquirindo gado próprio e, um dia, virem a tornar-se autênticos lavradores, sonho que alguns deles conseguiam tornar realidade.
A existência do livre pastoreio nas terras do termo de Campo Maior, parece não ter levantado problemas até meados do século XVIII. O uso comunitário das pastagens estendia-se a todo o seu território. Não encontramos aqui, como noutros concelhos, documentos que façam qualquer alusão ao hábito de leiloar as pastagens.
Numa notícia de 1758, estava claramente explicitado que o termo de Campo Maior “é todo baldio por conta dos gados”. Mas, por essa altura, começaram a surgir contestações a este regime de pastoreio livre. Uma petição enviada à Corte Suprema em 1755 manifesta a hostilidade dos proprietários das terras à livre utilização dos pastos. 
A tradição da livre pastagem nas terras baldias era costume tão arreigado que as gentes de Campo Maior não possuíam sequer uma reserva comum para os bois. Por isso, desde o começo do século XVII, foi adoptada uma solução que consistia em que cada cultivador deixasse em defeso uma parte da terra que explorava e a que se chamava o remendo. Esta parte era delimitada nos alqueives, por um rego de charrua e era reservada para alimento dos seus animais. Todos os anos tinham de requerer ao juiz de fora, entre 1 de Novembro e 31 de Janeiro, a autorização para traçar o remendo. Estas porções ficavam isentas do dever de livre pastagem, desde o momento que a autorização era concedida, até 31 de Maio.
Esta solução era original mas, no fundo, só interessava aos lavradores que podiam dispor da terra em regime de permanência. Para os seareiros,classe muito numerosa em Campo Maior, que trabalhavam courelas em regime de arrendamento, ficava apenas a possibilidade de recorrerem às terras comunais reservadas para este efeito. A maior parte da produção de trigo no concelho era garantida pela actividade destes seareiros. Mas, também eles tinham na criação de gado um complemento para compensar os escassos ganhos que obtinham na agricultura nos anos em que era fraca a colheita dos cereais. A estes convinha manter a situação de livre acesso às pastagens segundo a tradição do concelho.
Contudo, a maior parte do território estava dividida em herdades arrendadas aos lavradores emuitas delas eram destinadas apenas ao pastoreio de gado ovino. Aos seus exploradores convinha a reserva do direito de pastagens. Por isso lutavam contra o direito de livre pastoreio.
Quando uma provisão de 1788 aboliu o pastoreio livre no termo de Campo Maior, contrariando o que era uma antiga tradição neste concelho, houve uma forte resistência à decisão que passava a permitir que as herdades pudessem ser coutadas e vedadas à livre utilização pelos rebanhos. A população queixava-se de que, em consequência da decisão de 1788, cerca de centena e meia de herdades estavam ao abandono, servindo apenas para apascentar os gados dos proprietários. Daqui resultavam grandes prejuízos em termos de produção e graves problemas sociais porque o pastoreio, exigindo muito menos mão-de-obra do que o cultivo dos campos, lançava na miséria os trabalhadores que, em desespero, recorriam à mendicidade e ao roubo para garantirem a sua magra subsistência. O crescente absentismo dos grandes lavradores foi apontado como o principal factor da crise generalizada que se viveu em todo o Alentejo, em finais do século XVIII e nas primeiras décadas do século XIX.
O pastoreio em grande escala praticado pelos lavradores nessas herdades favoreceu a acumulação de vultuosos capitais e o desenvolvimento do capitalismo agrário nesta região do Alentejo.
 
Em Campo Maior, segundo dados de 1823, era significativo o volume da produção de trigo, aveia e cevada. A cultura de legumes era limitada a pequenas extensões em hortas e quintas na proximidade da vila. Os alqueives eram aproveitados para semear em grandes quantidades algumas leguminosas (os grãos, os chicharos e as favas). Contudo, só a produção de trigo era verdadeiramente excedentária permitindo a sua exportação para fora do concelho.
As condições dos transportes não permitiam levar com facilidade grandes quantidades de mercadorias a grandes distâncias. Apesar disso, muito do trigo produzido no Alentejo chegava até Lisboa. O Tejo e o Sado eram as principais vias para encaminhar os cereais para a capital. São conhecidas as ligações que a vila de Campo Maior mantinha com o porto fluvial de Abrantes. Mesmo num ano difícil como, por razões militares, foi o de 1809, devido às invasões francesas, Campo Maior enviou, no mês de Maio, com destino a Lisboa, 2.742 alqueires de trigo.
O transporte era feito em carros puxados por bestas pertencendo a pessoas que faziam do acarreto de mercadorias a sua principal actividade – os carreteiros. Estes faziam o caminho de Abrantes, transportando o trigo, tanto por sua própria conta, como por conta de particulares. Além de Campo Maior participavam neste comércio carreteiros de outras terras como Portalegre, Arronches, Veiros, Gáfete, e Vila Viçosa.
 Este comércio de cereais do Alentejo pelo porto de Abrantes manter-se-á até meados do século XX. Segundo uma memória sobre Niza, ocupavam-se regularmente neste transporte de cereais de Campo Maior e de Castelo de Vide para Abrantes, 180 a 200 carreteiros. Claro que boa parte do trigo que partia destas localidades devia provir de Espanha por actividade de contrabando.
O contrabando esteve, por natureza, ligado ao destino de Campo Maior até que a evolução da História ditou a abolição das fronteiras numa Europa onde a existência das fronteiras tantos problemas causou na relação entre os povos.

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publicado às 18:52


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