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UM MILAGRE DE S. JOÃO EM CAMPO MAIOR

por Francisco Galego, em 21.05.07

 

Campo Maior no século XVI. Desenho de Duarte D'Armas

 

A história que vamos contar passou-se há cerca de 500 anos. Reinava em Portugal o rei D. Manuel I.
            Campo Maior era uma povoação bastante pequena, com nove ruas dentro do castelo e mais algumas do lado de fora das muralhas. Teria aproximadamente dois mil habitantes, ou seja, quatro vezes menos do que possui actualmente.  
            Ora, a certa altura, declarou-se uma grande epidemia de peste. As pessoas ficavam doentes e, passado pouco tempo, morriam. Naquele tempo, nas terras pequenas, não havia médicos, nem medicamentos. As poucas condições de higiene e a deficiente alimentação, faziam que qualquer doença provocasse a morte rápida de muitas pessoas, mas principalmente das crianças e dos velhos que eram os mais fracos.
            As pessoas pensavam que as pestes eram um castigo de Deus. Por isso, faziam missas nas igrejas, rezavam e imploravam o perdão dos seus pecados para se verem livres da doença.
            Vendo que as suas preces não eram atendidas, pensando que o ar estava empestado pela doença, os moradores de Campo Maior que ainda não tinham sido atingidos pela peste, resolveram sair da vila. Escolheram um lugar no meio dos campos e aí construíram casas de paredes de barro e cobertas de ramos e folhas, a que se dá o nome de choças. Ainda hoje esse lugar é chamado pelos campomaiorenses como sendo o lugar das Choças.
            Ficaram nesse lugar muito tempo com medo de que, se voltassem às suas casas na vila, pudessem ser apanhados pela peste.
            Mas, um belo dia, no ano de 1520, um homem chamado Gonçalo Rodrigues andava a trabalhar na sua horta e, sentindo-se cansado, sentou-se à sombra duma árvore a descansar. De repente, apareceu-lhe uma figura rodeada de uma grande luz. Assustado, o bom homem exclamou: “Quem sois vós senhor? Que luz é esta que não parece ser coisa deste mundo?” Ao que, numa voz forte e calma a figura respondeu: “Não temas Gonçalo! Eu sou João Baptista. Não vês como está o teu povo? Vai dizer à tua gente que podem voltar às suas casas. Os vossos sacrifícios e sofrimentos despertaram a compaixão de Deus Nosso Senhor. Não haverá mais peste. Mas, em memória da graça que por Deus vos foi concedida, quero que façam na vossa terra uma igreja em meu nome e devoção.”
            O bom do Gonçalo nem queria acreditar no que lhe tinha acontecido. Foi logo ter com a sua gente e contou-lhes a extraordinária aparição que tivera. Desde logo, todos decidiram fazer a igreja em honra de São João Baptista.
                   
Brasão antigo de Campo Maior               Azulejo junto da capela da aparição

 

Ermida de S. Joãozinho. Inaugurada em finais do século XIX.

 

 

 

 

Igreja de S. João. Desenho assinado por Vítor Rosa em1985.

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publicado às 11:38


MEMÓRIA DE TEMPOS IDOS

por Francisco Galego, em 09.05.07
O meu percurso como estudante tinha sido bastante atribulado. Vivíamos tempos de totalitarismo político. A consciência de alguns obrigava-os a lutar por condições de vida de maior liberdade e dignidade. E o atrevimento de confrontar os poderes constituídos pagava-se sempre de forma tanto mais agravada quanto maior fosse o comprometimento na luta e mais modestas fossem as nossas raízes familiares.
Em 1966, com o curso ainda por acabar, eu tinha 24 anos, tinha casado havia pouco e tinha nascido o meu primeiro filho. Foi essa a altura que a ditadura entendeu ser a melhor para me mandar prender e me condenar a uma interdição de frequência de qualquer universidade pelo período de dois anos.
Só então senti na pele o peso das consequências. Tentei arranjar trabalho fazendo aquilo que desde há muito definira como minha vocação: ensinar. À primeira tentativa fiquei elucidado: estava impedido de desempenhar qualquer função ou cargo em qualquer organismo do Estado. Restava-me apenas o ensino privado. E, mesmo neste, só em condições de semi-clandestinidade.
Por esse tempo, chegou a parecer que as condições políticas se poderiam alterar. Em 3 de Agosto de 1968, Marcelo Caetano chegou à presidência do governo e muitos iludiram-se na esperança de que o país ia mudar. Chamou-se a essa esperança Primavera Marcelista. Veríamos depois que foi uma primavera breve, hesitante e muito, muito aquém das expectativas que se tinham gerado. De qualquer modo, a mim permitiu-me assumir o lugar de docente numa rede de colégios que se dedicava a um tipo de ensino sui generis: o ensino de adultos, em regime intensivo e em horário pós-laboral.
Nem seria capaz de vos descrever quanto aquele regime era duro para os professores. Sobretudo para aqueles que como eu, não dispunham de alternativa. Foram oito anos de vida muito esforçada. A maior parte das aulas eram em horário nocturno. Mas, uma vez que havia muitos trabalhadores da noite que só podiam dar continuidade às suas habilitações escolares frequentando aulas diurnas, as aulas, para nós professores, podiam começar às 9 horas da manhã e terminar por volta da meia-noite. Os salários eram baixos e quanto mais aulas dávamos, maior era o ganho mensal. Durante um tempo cumpri um horário semanal de 42 horas.
O sistema exigia uma eficácia total. Alguns dos professores contratados no início do ano lectivo, os que a empresa considerava menos rentáveis, eram dispensados quando chegava o Natal. A desistência de muitos alunos e a falta de contrato de trabalho permitia aos responsáveis pelos colégios fazer uma selecção que apurava os professores mais resistentes e mais esforçados. No final dos anos lectivos, os resultados obtidos pelos alunos nos exames – de carácter nacional e feitos nas escolas oficiais – ditava mais um critério que determinava a exclusão de alguns professores. Diga-se também que os considerados como de elevado grau de eficiência eram estimulados a permanecer através de incentivos salariais. É que entre as empresas do ramo havia uma certa atenção aos casos mais notáveis de competência, o que dava a alguns docentes a garantia de se poderem transferir para as escolas da concorrência.
Foram estas as minhas condições profissionais nos primeiros oito anos e que marcaram profundamente a minha atitude profissional. O respeito devido aos alunos como sujeitos de direitos era enorme pois que, nas aulas tinha à minha frente indivíduos, tantas vezes de idade superior à minha, por vezes detentores de uma cultura bastante considerável e dotados de capacidades excepcionais, embora com baixo grau de escolaridade. O sacrifício que alguns faziam retirando de magros salários o dinheiro com que compravam uma escolaridade que a sociedade não lhes tinha, em devido tempo propiciado, o tremendo esforço de assistirem a quatro ou cinco aulas após um período de oito horas de trabalho nos seus empregos, forçava-me a uma consideração sem limites por essas pessoas que durante oito anos foram os meus alunos. Isso determinava que usasse todo o meu tempo disponível na busca das formas mais simplificadas e clarificadoras para lhes possibilitar a aquisição dos saberes necessários à consecução dos seus objectivos.
 Para quase todos eles, o êxito nos estudos era condição indispensável para ascenderem nas suas carreiras profissionais. Isso obrigou-me a aprender desde muito cedo que, na minha acção como docente, aquilo que eu pudesse fazer nas aulas só teria qualidade na medida em que levasse os meus alunos a aprender de forma significativa, ou seja, que os ajudasse na sua formação como profissionais e como pessoas. Toda a minha acção teria de ser precedida de uma cuidada planificação. A necessidade extrema de aquisição rápida do saber pelos alunos e a exiguidade do tempo de que eu, enquanto professor, dispunha nas aulas para lhes propiciar a aquisição dos conteúdos fundamentais, exigia um esforço contínuo de aperfeiçoamento.
 Para além da relação profissional, estabeleci com alguns desses alunos laços de amizade que conservei ao longo da minha vida. De certo modo, foi essa atitude que depois transferi para a relação com os adolescentes e uma das atitudes profissionais que mais me orgulho de ter sempre cultivado.

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publicado às 12:02


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