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UMA CONSPIRAÇÃO EM CAMPO MAIOR (1824)

por Francisco Galego, em 19.04.17

Esta conspiração decorreu no contexto da tentativa do “golpe de Estado” designado por “Abrilada”, desencadeado pelos absolutistas que tinham como líder o infante D. Miguel, contra o seu pai, o rei D. João VI, que ficou sequestrado no Palácio da Bemposta, então residência da família real, perto do Campo dos Mártires da Pátria, onde agora está  instada a Academia Militar. Porém, o golpe falhou porque, o corpo diplomático acreditado junto da corte, libertou o rei pondo-o a salvo num navio inglês fundeado no Tejo.

D. Miguel foi obrigado a exilar-se em Viena de Áustria e sua mãe e cúmplice, D. Carlota Joaquina que era filha do rei de Espanha, intimada a não mais se envolver em conspirações, sob pena de ser expulsa do Reino de Portugal.

O texto que seguidamente se transcreve, em escrita  actualizada,  foi recolhido no relatório da Polícia Secreta, dos últimos tempos do reinado do Senhor  D. João VI. Sua contínuação até Dezembro de 1826, Publicado em Lisboa, em 1835, pág.s 80, 81 e 82.

 

Há muito que existia em Campo Maior uma facção inimiga do Governo de Sua Majestade, da qual são chefes: o Padre João Marianno da Fonseca Moraes, ex-franciscano; Nuno António Negrito, empregado no Assento daquela Praça; o Padre Francisco de Nossa Senhora do Amparo Proença; Fernando de Sousa Migueis; o Padre Manoel da Fonseca Moraes; Joaquim Procópio Canhão, capitão de Cavalaria 8; o Coronel João Galvão Mexia.

Esta facção comunicava-se com o ajudante de ordens de S. A. o Infante, Francisco Henriques Teixeira, hoje preso, por via do Negrito e do sargento de Cavalaria 8, Felix Nogueira Torres, o qual há meses foi chamado para a secretaria do tenente-rei da Praça de Elvas, Maximiano de Brito Mosinho, constando que é insigne em escrever diferentes caracteres de letra.

Foi este sargento quem saíu de Elvas para Campo Maior coberto de ramos, na tarde de 3 de Maio com proclamações de S. A. o Infante, acompanhadas de um oficio do Corregedor de Elvas para o Juiz de Fóra de Campo Maior, no qual lhe ordenava que  fizesse logo a competente  comunicação a todos os comandantes militares. Tendo isto  sido imediatamente executado com repique de sinos, convocou o mesmo Juiz de Fóra o Clero, a Nobreza e o Povo, fazendo reunir ao mesmo tempo em parada todos os "corpos militares" da guarnição da Praça, com os seus mais asseados uniformes. Então,  o coronel João Galvão leu as proclamações à  frente da tropa e seguiu-se uma salva de artilharia a que responderam os "corpos" com três descargas.

Reuniu-se a Câmara e lavrou-se um auto-extraordinário que foi assinado por imenso povo, instigado pelos facciosos para essa assinatura. É preciso notar que o Padre Mariano, nos seus sermões, dava sempre uma  ideia muito aproximada dos sucessos de 30 de Abril e, tanto assim que, no acto da assinatura do auto, perguntou ao povo “se ele era ou não profeta na sua terra. Acrescentando que, ele sabia, havia muito tempo, que a sua profecia estava verificada e que o seu partido tinha triunfado”.

A este segundo acto revoltoso seguiu-se um "Te Deum": Subiu ao púlpito o Padre Mariano e aí, na presença do Rei do Reis, inflamado em ardente cólera, provou que, ainda até hoje nenhum orador sagrado, a não ser o Padre Braga, tinha mais do que ele  sacrílegamente profanado o santuário, pregando – “que devia correr o sangue dos portugueses nesta época, como em outra já correra o dos judeus[1]; que assim julgava ser preciso e ia acontecer, pela promessa que o Senhor Infante tinha feito de não embainhar a sua espada, enquanto não desse cabo dos pedreiros-livres[2]; que ele se sentia enfurecido e que desejava ensanguentar as suas mãos …”

Tanto neste sermão, como em todos os mais que anteriormente pregou, designava serem, os negociantes e outros homens abastados, os "pedreiros-livres" e, por esta a razão, a plebe[3] andava contente esperando que um dia se procedesse contra tais pessoas, para então começar o saque e o assassínio, pois que o dito padre lhes dizia – “que assim se tinha feito em Nápoles”.

Houve iluminação por três dias e repique de sinos até alta-noite, as janelas e as porta enramadas, a música tocando sempre. Nestes dias, os chefes da facção organizaram uma lista de quarenta e quatro cidadãos para serem presos e remetidos a Lisboa, chegando o Padre Mariano a requisitar a sua captura, o que não pôde conseguir.

No meio de tanto horror e susto, quis a Divina Providência acudir aos honrados habitantes de Campo Maior: No dia 12 de Maio chegou ali a proclamação de Sua Magestade, datada 12 de Maio, de bordo da Nau Windsor Castle, a qual aterrorizou os perversos e restituiu desde logo a tranquilidade aos referidos habitantes, fazendo desaparecer o grande perigo que os ameaçava. Viu-se então correr o Negrito a casa do Padre Mariano, dizendo pelas ruas, que tudo estava perdido” .

Os habitantes de Campo Maior iluminaram logo as suas casas o que, sendo sabido pelo Juiz de Fóra, mandou este então apregoar, já depois da nove horas da noite, que pusessem luminárias. Foi na parada do dia 13 que o coronel João Galvão leu a proclamação de Sua Majestade, dizendo – “que por falta de recebimento de ordens se não havia logo publicado.”  Tornou-se a convocar, o Clero, a Nobreza, e o Povo para formar um novo auto; porém foram muito poucas as pessoas que apareceram na Câmara porque o padre João Mariano andava com os seus sócios, fazendo as maiores censuras a El-Rei, e aos seus ministros, a quem chamava – ‘Maçons refinados’ – aparecendo o dito padre, neste dia, com o fato de saragoça[4] mais velho que tinha, quando nos anteriores se apresentara vestido de lila[5], e sempre com o melhor vestuário.

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[1] Referência à acção do Santo Ofício ou Inquisição.

[2] Referência aos partidários do Liberalismo.

[3] A massa popular.

[4] Tecido grosseiro de lã escura.

[5] Tecido lustroso de lã fina.

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publicado às 22:10



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