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Grandes são os problemas que, neste tempo de grandes transformações, tornam tão complexa a função dos mestres, dos professores e dos educadores.

No início de um novo século, a escola como instituição e os profissionais a ela ligados, encontram-se num ponto de viragem tão profunda como aquela em que se encontravam no início do século passado.

Tão radical é esta mudança, que melhor seria falarmos numa mutação.

Não é por acaso nem por capricho de moda que ocorrem estas transformações. No estado actual em que se encontra o mundo, em que os dogmas substituem a razão, em que o fanatismo se sobrepõe à tolerância, em que a desensofrida busca dos prazeres e da notoriedade faz esquecer o necessário cumprimento dos deveres, torna-se urgente, torna-se inadiável que a escola desenvolva novas perspectivas curriculares que integrem conteúdos de aprendizagem que vão para além dos conhecimentos específicos das disciplinas e integrem também aprendizagens referidas às atitudes, aos valores e às responsabilidades sociais.

Novos currículos implicam o desenvolvimento de novas competências da parte dos profissionais ligados às organizações escolares. Uma adequada educação para os valores implica que os professores se tornem educadores. O desenvolvimento das competências que preparem as novas gerações para a inserção no mundo do trabalho, torna necessário que os professores actuem como formadores.

Por outro lado, a escola é cada vez mais um universo aberto à comunidade e, em consequência disso, vê-se condenada a uma autonomia que a responsabiliza e obriga a gerir bem os recursos de que dispõe, ao mesmo tempo que, em consequência da mesma autonomia, fica exposta à pública prestação de contas através da avaliação dos efeitos sociais que produz.

No final dos anos 80, António Nóvoa, professor universitário e investigador no domínio da História da Educação, publicava uma obra de grande mérito com o título: O Tempo dos Professores.

Focada sobre os finais do século XIX e as primeiras décadas do século XX, a obra pretende simbolizar a emergência de um novo tipo de profissionais do ensino e de uma nova maneira de viver e exercer o ofício da docência.

Aos velhos mestres trabalhando isolada e rotineiramente no ministério do ensino como simples repetidores de conhecimentos, o autor contrapõe os primeiros professores que ele caracteriza por dois aspectos:

- A consciência de serem um grupo socioprofissional que se agrega como corpo organizado em volta de associações sindicais para lutar pelos seus direitos;

- A consciência de que a sua acção profissional exige saberes e competências específicas que fazem dos professores não apenas meros mestres instrutores mas pedagogos dotados de teorias que iluminam e orientam a sua prática docente.

O Tempo dos Professores é o tempo duma forte luta sindical e o tempo das sucessivas, às vezes coincidentes, correntes pedagógicas resultantes mais duma reflexão filosófica do que o resultado de investigações empíricas, praticamente inexistentes na época.

Hoje, no começo de um novo século, evidenciam-se os indícios de que estamos a chegar ao fim desse tempo. Estamos a chegar ao fim do tempo dos professores.

Novas condições sociais provocaram efeitos relevantes na organização do trabalho e na estruturação das famílias. Depois das duas grandes guerras do passado século, a escola viu-se confrontada com grandes modificações que vão abalar as suas seculares convicções e rotinas:

- A massificação das populações escolares;

- A complexificação das aprendizagens;

- A entrada massiva das mulheres no mundo do trabalho;

- A passagem da família de modelo tradicional para a família nuclear.

A escola, habituada à tranquila uniformidade das clientelas burguesas que normalmente a frequentavam, vê-se invadida por uma pluralidade de classes, com uma grande variedade de culturas e de atitudes comportamentais.

Os saberes, antes muito estáveis, ficam sujeitos a uma mudança contínua e progressivamente acelerada.

Dentro da profissão docente verifica-se uma tremenda ruptura. A partir dos anos 50, chegaram à profissão docentes improvisados, destituídos dos saberes científicos, didácticos e pedagógicos necessários ao exercício competente da docência.

A investigação científica, muito alheada das questões escolares, demorou a reagir e a procurar as soluções para os novos problemas que em todos os campos se levantaram: formação dos professores, indisciplina e dificuldades de aprendizagem dos alunos, insucesso escolar massivo e tremendamente selectivo do ponto de vista social.

Tudo isto provocou uma fractura, até hoje não resolvida, entre os professores. Enquanto uns aceitaram os novos desafios e fizeram deles o estímulo que os levou a evoluírem para práticas que os transmutaram em autênticos educadores-formadores, outros aferraram-se aos velhos hábitos, refugiaram-se nas esgotadas e inúteis rotinas que em muitos casos levaram à sua anulação como pessoas responsáveis e como professores.

Esta fractura manifestou-se em todos os sectores ligados às questões da educação: nas políticas educativas, nas práticas docentes e nas próprias organizações sindicais de professores. Nestas, a proliferação de associações é tanta quanta a confusão que lavra nas aspirações profissionais dos docentes. Algumas destas organizações sindicais privilegiam as opções políticas quase esquecendo as questões educativas. Quase todas elas estão de tal modo focadas na defesa intransigente dos interesses corporativos, que esquecem por completo as questões deontológicas tão essenciais ao profissionalismo docente. Ora, a defesa intransigente dos direitos perde força e razão quando ignora a necessidade de esclarecer e assumir os deveres essenciais que garantem o sentido social da educação. Não é por acaso que, com grande prejuízo dos interesses da classe, se vêem tantos bons educadores completamente alheados das questões sindicais.

No meio destes e doutros novos problemas vão emergindo as novas soluções. Uma nova época desponta. O tempo dos profissionais da educação que agrega à volta das questões educativas, professores, psicólogos, sociólogos, e todos os que trabalham na escola e com a escola para conseguirem preparar as novas gerações.

Assim como o pensamento sobre as questões escolares deixou de ser a especulação reflexiva das teorias pedagógicas para dar lugar à emergência das Ciências da Educação, também os professores vão dar origem a uma nova geração de profissionais ligados à escola. Começou já a emergir o tempo dos educadores-formadores.

Mas, entretanto e ainda por muito tempo, as escolas apresentarão este carácter confuso, algo anárquico e desorientado que lhes confere um certo ambiente de alienação. É que, nas escolas de hoje coexistem muitas e muito diferentes maneiras de estar na profissão. Ainda subsistem alguns, felizmente já muito poucos, que se assumem como meros instrutores. Outros, embora tenham competência para serem professores, foram-se reduzindo à condição de meros funcionários da educação. Há, contudo, outros que, pretendendo assumir uma atitude de verdadeiro profissionalismo docente, se angustiam por não encontrarem nem as respostas, nem as condições para agirem de forma profissionalmente competente. Apenas uma minoria consegue ir ultrapassando as dificuldades e, qual fermento levedando a massa, vão trabalhando no sentido de desenvolver uma acção que podemos considerar verdadeiramente educativa e formativa. São estes que podemos considerar os verdadeiros educadores-formadores.

São assim os tempos de viragem:

- Os saudosos do passado lamentam o fim de um mundo que gostavam de manter;

- Os esperançosos do futuro anseiam pela emergência de um mundo novo;

- Muitos, porque não entendem as mudanças, mergulham num desorientado desespero que os impede de agirem segundo objectivos claros, traçando projectos bem estruturados e agindo segundo programas de acção bem determinados.

As crises são dramaticamente perturbadoras. Mas são também geradoras de mudanças e as mudanças são a condição básica do progresso em busca de um mundo que se pretende cada vez melhor.

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publicado às 16:32


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