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I- NOTA PRÉVIA

 O texto que a seguir se transcreve, intitula-se "Breves notas sobre a arte e coisas de interesse turístico em Campo Maior",  que João Ruivo escreveu em meados do séc. XX e fez publicar em alguns jornais. É um texto  muito importante porque começa por explicar a razão de não encontarmos, em Campo Maior, elementos e documentos com valor patrimonial significativo, anteriores ao século XVIII, devido à terrível destruição provocada pela explosão de 1732.

Foi tão grande e vasta essa destruição que, em grande parte, a vila teve de ser reconstruída, com particular empenhamento para reparação dos danos provocados nas estruturas defensivas da praça de guerra. Foram rapidamente restaurados os danos que sofreram essas estruturas, porque a instabilidade político-militar assim aconselhava.Por outro lado, havia que criar condições para que os sobreviventes não abandonassem a vila, porque isso era sempre muito importante para a sustentação de uma praça de guerra, em caso de conflito.

Em 1725 as relações diplomáticas entre Portugal e a França tinham sido cortadas, situação que se manteve durante os catorze anos seguintes, em que não houve embaixadas, nem missões diplomáticas entre os dois reinos. Daí resultou uma situação que colocou os dois países à beira de uma guerra eminente, tendo mesmo entrado no Tejo uma armada inglesa para apoiar Portugal no conflito com a Espanha.

Depois da terrível destruição provocada pelo rebentameto do paiol da pólvora, instalado na torre de menagem do castelo, a reconstrução foi desde logo ordenada por D. João V.  Foi bastante facilitada pelas circunstâncias de serem então vultuosos os rendimentos com a exploração do ouro e dos diamantes no Brasil e de estarem em plena laboração estaleiros destinados à construção de muitas obras, entre as quais se podem referir a construção da Torre dos Clérigos no Porto, a  da Torre da Universidade de Coimbra e, principalmente, a construção do monumental Convento de Mafra, onde trabalhavam cerca de 15.500 operários, sob orientação de alguns dos melhores mestres desse tempo.

 

II - O TERRÍVEL DESASTRE

Devido a uma terrível explosão do armazém da pólvora e das munições, existentes na altaneira torre de menagem do castelo medieval, grande parte da vila de Campo Maior ficou destruída e foram mortos ou feridos muitos dos seus habitantes.  Um raio provocado por uma violenta trovoada seca, na madrugada do dia 16 do mês de Setembro, do ano de 1732, entrou por uma fresta da torre de menagem que servia de paiol e causou a lamentável destruição de quase tudo quanto, a vila fronteiriça de Campo Maior possuía de mais notável, em matéria de arte e de arqueologia, constituindo um valioso património de que os campomaiorenses muito se orgulhavam. Essa foi a mais importante causa de esta vila não ter conservado vestígios patrimoniais dos tempos mais recuados da sua existência,

Nos séculos anteriores à explosão de 1732, a vila fora-se alargando para fora do recinto fortificado, descendo pelas encostas viradas a norte e ao poente. Quando esta trágica situação ocorreu, existiam já, na chamada “vila nova”, bastantes ruas e largos fora da antiga fortaleza (onde ficava a "vila velha"). A vila era, já então, bastante populosa, tendo morrido muitos dos seus habitantes sob os escombros das casas que ruíram. 

Não havia muito tempo que, para garantir a defesa do país após a Restauração de 1640, prevenindo a guerra com a Espanha que se iria estender entre 1640 e 1668, fora construida uma nova cintura defensiva segundo o sistema abaluartado “à Vauban” (que numa quadra popular é designado como de “muralhas à francesa”).

Além do próprio castelo que ficou quase completamente destruído, desapareceu todo o casario da primitiva vila medieval e, como era na parte nova da vila que se encontravam os solares das famílias nobres, com os seus portais brasonados, as suas fenestras em ogiva e os seus grandes balcões ornados de artisticas grades de ferro, à semelhança das que podemos ainda hoje admirar noutras antigas vilas fronteiriças, como Marvão, Castelo de Vide, Estremoz, Monsaraz, Albuquerque e Olivença.

Desapareceu também, a primitiva igreja matriz, designada primeiramente como Igreja de Santa Maria e, posteriormente, como de Santa Clara, que ficava no castelo podendo-se presumir que fosse de traça romano-gótica.  Perdeu-se também todo o recheio que existia no seu interior.

O antigo Domus Municipalis sofreu tão forte ruína que foi depois transformado em açougue. Foi também muito afectado o palácio do governador e os antigos solares dos Teles da Silva, dos Teles de Menezes, dos Vaz, dos Barreiros, dos Galvões e dos Mexia, com as peças de mobiliário, tapeçarias, obras de arte e outras coisas de grande valor. Algumas dessas casas nobres sofreram obras de restauração. Mas alteraram-lhes tanto a traça primitiva, que quase nada terá restado do seu estilo em épocas anteriores.

A parte mais antiga da vila, dentro do castelo, jamais foi reedificada. Todo o perímetro do antigo recinto acastelado foi atulhado, com os materiais acumulados dos escombros, até à altura do anterior caminho de ronda ou adarve. Desta terraplanagem resultou a esplanada, que actualmente ocupa o interior do castelo e da qual se pode admirar o magnífico panorama da vila e da pitoresca paisagem que a rodeia, avistando-se para nascente e sul as terras distantes da Extremadura espanhola até às serranias de Zagala, de Montanchez, de Hornachos, de S. Benito, de Barcarrota, de Matacebada, de Alor e todas as alturas que enquadram a extensa veiga do Guadiana, bem como os plainos da província de Badajoz, de onde emergem, bem visíveis, em dias de boa visibilidade, as povoações de Albuquerque, Montijo, Lobon, Pueblo de la Calzada, Almendralejo, Valverde de Leganes, Olivença e outros “pueblos” de menor importância.

 

III - A RESTAURÇÃO DA VILA

O castelo foi reconstruido com novas formas e em novas dimensões. Como elemento essencial foi construído um castelejo rodeado de muralhas e de torres, ostentando a torre voltada a norte uma artística janela, talvez salva da destruição, que alguns têm atribuido ao artista normando Nicolas Chanterene que desenvolveu grande parte da sua obra em Portugal, entre os anos de 1517 e 1551, ou seja, no reinado de D. João III.

A actual Igreja Matriz, de invocação de Nossa Senhora da Conceição, de planta cruciforme, cuja construção terá sido iniciada no último quartel do século XVI, é obra robusta e magestosa que alguns atribuem a Manuel Pires, famoso mestre de pedraria do cardeal-rei D. Henrique, cuja acção continuou sob o domínio filipino, sendo autor dos planos de outras igrejas em terras do Alentejo, como Estremoz e Évora. Mas, só ficou concluída após a Restauração de 1640. As cúpulas em forma de pirâmides quadrangulares que cobriam as torres sineiras foram detruídas pelas pedras lançadas pela explosão que as atingiram, bem como às abóbadas das naves e do côro que ficaram parcialmente destruídas. Aquando da restauração da igreja foram substituídas pelas que agora apresentam, em forma de calote esférica.

O adro que fica no lado oriental desta igreja, é rodeado pelas três capelas: a Capela do Calvário, que tem um monumental altar, a Capela das Almas do Purgatório e a Capela dos Ossos, toda revestida de ossos humanos, como a do Convento de S. Francisco, em Évora, mas menos espaçosa e ostentando uma legenda algo macabra, lembrando: Nós ossos que aqui estamos, pelos vossos esperamos.

A curiosa e original igreja barroca de S. João Baptista, em planta do tipo de “igreja salão”, (allen Kirchen) de uma só nave, é muito rica em mármores que revestem toda a fachada exterior e as paredes no interior e tem os seus altares decorados por talha dourada e por panéis pintados, com algum valor artístico. Esta igreja teve de ser construída de novo depois da explosão, pois que, estando a ser restaurada dos danos sofridos pelos bombardeamentos durante o cerco de 1712, ficou de novo muito destruída por efeito das pedras lançadas pela explosão, que a atingiram em 1732. Por isso, D. João V ordenou a sua reconstrução.

 

Convém também referir, a denominada “Casa da Mitra”, onde os bispos de Elvas costumavam permancer. Fica na Rua 13 de Dezembro, popularmente chamada Rua da Canada e que ostenta uma artística grade de ferro, um dos especímenes mais artísticos e aprimorados que se podem admirar no Alentejo, a par de outros que se podem admirar em Portalegre, em Marvão e em Borba e que têm alguma semelhança com os que se vêem, em Espanha - na Extremadura e na Andaluzia -, terras que possuem um notável recheio de  artísticos trabalhos em ferro forjado.                                                      

Não muito longe da vila, há certos recantos que merecem ser apreciados, merecendo destaque a pitoresca e bucólica “Quinta da Raínha”, com o seu amplo pátio, os seus jardins, a fonte em cascata, com a sua escultura em mármore representando Neptuno, os caminhos ensombrados de buxo e engrinaldados de trepadeiras e roseiras, o vetusto solar que, com o seu torreão, coroado por ameias e merlões, que permitem atribuir a sua fundação ao séc. XVI, embora tendo depois sofridos grandes alterações.

Por estas e por mais algumas razões, Campo Maior pode e deve ser considerado um ponto de passagem quase obrigatório para os turístas, nacionais ou estrangeiros que pretendam conhecer melhor o nosso país.

 

 

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