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TRADIÇÕES

por Francisco Galego, em 27.08.07
             Terá sido no final do anos 80 ou no começo da década seguinte que a Câmara Municipal de Campo Maior, promoveu uma festa de evocação da época medieval. Creio que, entre outros objectivos, pretendia chamar a atenção para o valor patrimonial, histórico e cultural do castelo, então relativamente esquecido e ainda menos aproveitado do que está hoje.
Nessa altura, a iniciativa foi bastante inovadora e teve um impacto muito significativo. Hoje as realizações deste tipo estão de tal modo generalizadas, há tantas povoações que as levam a efeito, que se está a cair numa certa banalização.
Pessoalmente, não as aprecio porque, tendo um discutível valor enquanto reconstituições de carácter histórico, resultam, na maioria dos casos, em simulações de fraca espectacularidade.
Na verdade, quem viu uma viu todas porque, não se baseando numa vivência cultural das populações, são feitas de estereótipos que nada têm a ver com a própria comunidade que as realiza e muitas delas só muito longinquamente poderão ser tomadas como reconstituições aceitáveis da época que pretendem evocar.
Por esta e por outras razões, aprecio mais esta realização que, pela segunda vez, se levou a efeito em Campo Maior.
Aqui, em Campo Maior, realizou-se de 25 de Agosto a 2 de Setembro, um programa de animação cultural que tem o nome de Tradições. Tem como objectivos expressos o reviver e o reavivar a memória das tradições locais.
            No ano passado, estes objectivos foram alcançados através da ornamentação das janelas com flores de papel e da realização de desfiles e espectáculos de carácter etnográfico. Estas actividades suscitaram alguma adesão e contentamento entre a população e entre os que visitaram a vila nessa ocasião.
            No dia em que estou a escrever esta crónica a realização da segunda edição deste evento vai ainda a meio. Neste ano, as Tradições arrancaram num dia de impertinente e inesperada chuva que causou alguma falta de brilho e de animação no desfile do primeiro dia. No segundo dia as condições melhoraram e o cortejo decorreu bastante melhor. Quanto aos espectáculos, aqueles que me foi dado ver deixaram-me a sensação de algum desencanto causado, por um lado, por se tratar de “algo já visto” pois, mais de metade dos grupos folclóricos que nos visitaram eram repetentes, uma vez que já cá tinham estado no ano passado e praticamente nada mudaram, quer quanto a repertório, quer quanto às coreografias; por outro lado, esse desencanto agravou-se em certos casos porque alguns deles se apresentaram mais desfalcados do que seria de esperar, sendo o caso mais extremo o do Rancho Folclórico de Cabeção que tinha uma dúzia de elementos no instrumental e nas vozes para acompanhamento de apenas cinco pares de “bailadores”, sendo que em dois deles as figuras masculinas estavam representadas por rapazinhos na pré-adolescência, e noutro par o elemento masculino era preenchido por uma rapariga com trajo de homem. Enfim, serão dificuldades de recrutamento de elementos capazes. Mas, às vezes, é preferível não aparecer do que aparecer em tais condições.
            Na minha opinião, se outras edições do mesmo evento viessem a acontecer, devia haver maior empenho em mostrar outras opções neste domínio do folclore. Porque o povo gosta, como se comprova pelas assistências que acorrem a este tipo de espectáculos. Mas é preciso corresponder a esse gosto mantendo um certo nível de qualidade.
O povo gosta porque, no fundo, se trata de evocar aspectos muito enraizados na cultura popular:
- As janelas ornamentadas evocam as Festas do Povo que, pela grandiosidade que alcançaram, são cada vez mais difíceis de organizar com alguma regularidade;
- Os cantares dos ranchos folclóricos permitem animar essa extraordinária manifestação de canto e de dança popular tão cultivada pelo povo de Campo Maior que são as Saias;
- Quanto aos desfiles etnográficos, reavivam a memória do modo de viver nesta vila há mais de cinquenta anos, quando a sua população, os nossos avós, eram, na grande maioria, gente ligada ao trabalho no campo, evocando uma cultura camponesa hoje desaparecida, uma cultura de gente com um modo próprio de viver que se manifestava nos hábitos ligados ao seu modo de trabalhar e nas suas maneiras de conviver e de se divertir. Nos desfiles, os figurantes envergam trajes que em tempos idos constituíam o modo de vestir dos camponeses, principalmente as mulheres que tanto orgulho tinham na sua maneira de trajar, vestindo-se de acordo com as tarefas que tinham de desenvolver ao longo do ano. Havia um modo de trajar na apanha da azeitona e outro para “escardar” que era diferente do que se usava para ceifar. Havia também, para além da roupa de trabalhar no campo, o traje de portas – os aventais bordados, as blusas e as saias de chita, que só se vestiam até às portas da vila, quando se ia para o trabalho e, a partir das portas da vila, na volta do trabalho, para regressar a casa.
 
No meu entender, há razão para se levarem a efeito eventos desta natureza para promover alguma animação cultural na vila de Campo Maior. Se não podemos assumir o pesado encargo de enfeitar todos os anos as nossas ruas, ao menos poderemos tentar, anualmente, promover uma festa deste género em que se ornamentem as janelas e até se deviam enfeitar com mastros e bandeirolas os espaços públicos onde ainda se podem balhar as saias. Reconstituam-se os fatos de camponesas que as nossas avós usaram e organizem-se bandos de arruada para percorrerem as ruas cantando as quadras de antigamente ou aquelas que agora quiserem e souberem improvisar.
            Não é imitando o que os outros fazem que podemos despertar o interesse e a aprovação que farão com que outros nos venham visitar. Pensem que o que fez a grandeza das nossas Festas é a sua imensa originalidade e o grande valor artístico que conseguiram alcançar como demonstração legítima de cultura popular.
            Campo Maior precisa de ter actividades culturais próprias que façam vir até nós gentes de outros lugares, porque isso seria útil e bom em vários aspectos.
Todos temos consciência de que, pelo enorme esforço que implicam, as Festas do Povo se não podem fazer senão espaçadamente. Mas um festival de folclore local é bem mais fácil e menos custoso de se fazer. Por outro lado, é uma forma de mostrar e de dizer aos outros como foi e que coisas realizou o povo que somos. Ao mesmo tempo vamos conservando a nossa memória colectiva e mostrando às novas gerações quem eram e como viviam os nossos antepassados.
                                                                                                           

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publicado às 18:05


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