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Aqui se transcrevem textos, documentos e notícias que se referem à vida em Campo Maior ao longo dos tempos
Nasci numa vila alentejana no início da última década da primeira metade do Século XX, em plena Grande Guerra de 1939-1945.
O mundo da minha meninice era um mundo essencialmente rural e de grandes clivagens sócio-económicas. A população vivia, na sua quase totalidade, da agricultura e ocupada no trabalho dos campos.
A vila, embora tivesse rompido, em vários sítios, a cerca de muralhas a que a constrangera a sua função de praça de guerra, pouco ia além da actual Avenida. A Fonte das Negras, a Fonte da Abertura e a chamada Fonte Nova, ficavam já bastante fora do perímetro urbano e serviam principalmente para nelas matarem a sede os animais que puxavam os meios de trabalho e de transporte. As fontes da vila, hoje paradas, eram locais de convívio forçado, pois elas garantiam boa parte da água que a vila consumia. Todos se conheciam e sobre cada um de nós, todos tinham a referência exacta das famílias a que pertencíamos.
Por toda a vila as carroças e os apetrechos da agricultura eram uma presença constante. As carroças puxadas por burros ou por muares começavam a soar de manhã bem cedo, ao saírem para os campos. Os automóveis contavam-se pelos dedos de uma só mão. Tractores, debulhadoras e outras máquinas agrícolas começaram a chegar já eu estava no fim da escola primária. Os candeeiros a petróleo eram a única fonte de luz da maior parte das casas. A electricidade era de fraca qualidade e muito atreita a avarias que deixavam a vila na mais negra escuridão durante dias seguidos; por vezes, semanas.
Não falo de tudo isto com saudosismo. É uma tolice e uma grande hipocrisia falar dos “velhos tempos” como se dos bons tempos se tratasse. Os bons tempos são os do presente e os melhores tempos serão provavelmente os do futuro que ainda estão para vir.
Por gosto e por vocação fiz do estudo e do ensino da História o meu modo de vida. Mas o conhecimento da História não fez de mim um saudosista. Não choro o tempo que passou, nem exalto as “virtudes” perdidas da vida passada. Poderei ter apenas pena de já não poder viver o tempo que há-de vir, pois tenho a convicção que ele será melhor do que o tempo que agora vivo. Parece-me ser esta a melhor e a mais atilada maneira de entender as coisas importantes da vida.
Claro que é importante compreender o passado, pois o seu conhecimento ajuda-nos a entender, como e porquê, as coisas evoluíram num certo sentido. Mas a contemplação do passado não deve produzir o entendimento mórbido que não nos deixe apreciar o lado bom da vida que nos cabe viver.
Todas as épocas tiveram os seus problemas e, em todas elas, isso foi motivo para alguns fazerem o choradinho de que “no meu tempo é que era bom”. O melhor e maior castigo que se lhes podia dar era fazê-los voltar a viver nesse tempo que só era bom porque é um tempo que já passou.
Por muito que, por vezes, nos pareça que não, o mundo vai evoluindo no sentido do seu progressivo aperfeiçoamento. Acontece, porém que, para que as coisas mudem, tenham que acontecer tempos de rutura que geram períodos de graves crises.
Tenho consciência dos problemas que, neste momento, preocupam e atormentam os meus filhos, pelas dificuldades que vivem e, sobretudo, as dificuldades que vêem os outros viverem. Mas, se nos pomos a comparar as minhas recordações com as suas vivências, acabamos por chegar à conclusão de que, talvez haja, hoje, coisas que, de facto, são muito más, quase tão más, como eram nas do tempo da minha infância, pois foi um tempo em que tive de conviver com coisas penosas de aceitar e, sobretudo, difíceis de esquecer.
Mas é voz do povo que atrás do tempo, tempos vêm. Ou seja, numa linguagem mais directa: “O mais eficaz acelerador do progresso é o próprio progresso”. E, nos tempos da minha infância, esse acelerador funcionava tão lentamente que mais parecia que se recuava no tempo.
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