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CANTIGAS AO DESAFIO VI

por Francisco Galego, em 31.12.11

Uma das formas mais elaboradas do Cantar ao desafio consistia num processo de improvisação poética em que, cada um dos cantadores pegava sempre no ponto deixado pelo outro cantador. Iam assim encadeando as quadras sem se afastarem do tema principal do desafio. Se fosse bastante o engenho dos cantadores, o desafio devia ter o seu remate quando um deles voltasse ao conceito expresso na primeira quadra cantada no desafio.

 Repare-se como o exemplo que se segue ilustra o nível de lirismo poético que alcançavam algumas destas composições. Este exemplo demonstra também como, desta forma, se podia, cantando, fazer vibrantes declarações de amor. A sequência das quadras constitui um belo exemplo de “cantigas retornadas”, em que se retomam, em ordem diferente, versos da estância anterior.

O desafio decorreu entre dois jovens enamorados cujo namoro não seria bem aceite pela família da moça. Proibidos de se falarem namorando à porta ou à janela, aproveitaram o baile para trocarem juras de amor:

 

- Teu pai, tua mãe não querem,

Cara linda que eu te logre;

Queira eu e queiras tu,

Mais que o amor ninguém pode.

 

 

- ‘Inda que meu pai me mate,

Minha mãe me tire a vida,

Minha palavra está dada,

Minha alma, prometida.

 

- Tua alma prometida,

Prometida a minha mão;

‘Inda que teu pai não queira,

Tua mãe diga que não.

 

- Minha mãe diga que não,

Chovam censuras aos molhos,

Minha palavra está dada,

Juro p’la luz dos meus olhos.

 

- Esses teus olhos tão lindos,

Prendem-me de tal maneira,

Que hei-de casar contigo,

Queira o teu pai ou não queira.

 

- Queira o meu pai ou não queira,

Queira a minha mãe ou não;

Hei-de te manter bem preso,

Nas grades desta prisão.

 

- Nas grades dessa prisão,

Mas que doce o meu sofrer;

Queira a tua mãe ou não,

P’ra sempre te hei-de querer.

 

- Tu sempre me hás-de querer,

Espero que seja verdade;

Se um dia me não quiseres,

Dou-te a tua liberdade.

 

- Dás-me a minha liberdade,

Como queres que eu a queira,

Se a luz dos olhos teus

Me prende desta maneira?

 

- Prende-te dessa maneira,

Amor do meu coração;

Se a mim te prendem meus olhos,

A ti me prende a paixão.

 

- A ti te prende a paixão,

Vamos assim rematar:

Queira o teu pai ou não queira,

Havemos de nos casar.

        

 

feliz ano novo

 




 

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publicado às 18:23


CANTIGAS AO DESAFIO V

por Francisco Galego, em 26.12.11

No segundo caso, temos um desafio entre um homem e uma mulher e os olhos constituem o motivo principal dos versos produzidos:

 

- Canta lá, ó mulher canta

E não consintas tristeza;

Afina-me essa garganta

E faz ver que és camponesa.

 

- Não canto por bem cantar,

Nem por boa fala ter;

Só canto p’ra alegrar olhos

A quem me não puder ver.

 

- Os teus olhos não são olhos,

São capelas de veludo;

Quem me dera já lograr,

Olhos, capelas e tudo.

 

- Abre os olhos, deixa ver

Por baixo dessas pestanas,

Que eu quero reconhecer

As luzes com que me enganas.

- Os teus olhos é que são

Causadores do meu desdém;

Não me deixam apanhar

Amizade a mais ninguém.

 

- Os teus olhos juvenis

Parecem duas auroras:

Dão-me luz quando sorris,

Pérolas de oiro quando choras.

 

- Da folha do alecrim,

De linda até se faz cruz;

Mais lindos são os teus olhos,

Que até de noite dão luz.

 

- Dizes que não pode haver

Olhos mais belos que os teus.

Põe a mão na consciência

E olha p’ra estes meus.

                                                       

- Não olhes p’ra mim, não olhes,

Que eu não sou o teu amor.

Eu não sou como a figueira

Que dá fruto sem ter flor.

                                                       

- Gosto muito dos teus olhos,

Gosto muito mais dos meus;

Se não fossem os meus olhos,

Não podia ver os teus.

 

- Os teus olhos das estrelas,

Pouca diferença farão;

Os teus olhos são dourados,

As estrelas d’ouro são.

                                                       

- Se tens beleza na alma,

Os teus olhos são leais,

Muito embora haja quem diga

Que os castanhos valem mais.

 

 

- Azuis, verdes ou castanhos,

Que importância tem a cor?

Os teus olhos só são belos

Se neles existe amor.

 

- Parece-me ser bem justa

Essa tua opinião:

Nada tem a cor dos olhos,

A ver com o coração.

 



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publicado às 18:20


CANTIGAS AO DESAFIO IV

por Francisco Galego, em 21.12.11

Quando os despiques punham frente a frente cantadores afamados, podiam durar horas. Formavam-se então dois partidos entre os assistentes, apoiando cada um deles o cantador da sua predilecção. No fim de cada quadra cantada, o murmúrio, de aprovação ou de crítica, sublinhava o apreço que se fazia de cada intervenção.

            O despique começava por um cantador que puxando uma cantiga para o baile de roda, lançava o desafio. Se outro respondia tínhamos a função começada e esta iria até onde chegasse a classe e a resistência dos contendores. Por vezes, um deles desistia. Se um outro tomava o seu lugar, a disputa continuava. Se ninguém levantava o repto, estava encontrado o vencedor.

 Nem sempre o bom cantador conseguia ser, simultaneamente, um bom versejador. Em contrapartida, havia também quem tivesse dom para os versos e fosse repentista a fazê-los, sendo, contudo, fraco no descante. Por isso, formavam-se parcerias que corriam os bailes, cantando um o que o outro improvisava. Esta situação ficou documentada nestas quadras cantadas num desafio em que, de forma clara, se fez a afirmação de que a parceria funcionava como uma unidade na produção e no cantar das quadras:

 

- Quem acabou de cantar,

Tem uma fina garganta;

Mas as falas não são feitas,

Por aquele que as canta.

 

- Eu mais meu camarada,

Meu camarada mais eu,

Ele está p’ra minhas falas,

P’ró cante delas estou eu.

 

            Tratando-se de quadras de improviso, logo feitas a propósito e no momento, tornava-se muito difícil conservar de memória o conteúdo total destes desafios, sobretudo quando eram extensos. Daí que pouco tenha chegado até nós do muito que, no decurso dos tempos, foi sendo produzido nestas memoráveis demonstrações de repentismo e poder de improvisão poética.

Acontecia porém que, por vezes, a perfeição formal das quadras ou o brilho das respostas que nelas se continham era tão notável, que eram conservadas na memória colectiva por muitos anos. Algumas das quadras que ainda hoje se cantam podem ter sido criadas durante sessões de cantares em desafio.

 

            De modo muito feliz, Luísa Freire, no seu livro “O Feitiço da Quadra”, conseguiu reconstituir dois exemplares notáveis destas demonstrações. Com a devida vénia, aqui se faz a sua reprodução, acrescentada de quadras que outras fontes fizeram chegar ao nosso conhecimento. No primeiro caso temos um desafio entre dois homens de diferentes gerações e é a sua diferença de idades que constitui o tema central do despique:

 

- Já cantei uma cantiga,

Com esta já lá vão duas,

Não me vou daqui embora,

Sem ouvir uma das tuas.

 

- Cantigas ao desfio,

Eu gosto de ouvir cantar;

Gente puxando a garganta,

P’ra ver onde vão parar.

 

- Só aqui vamos a ver

Quem é melhor cantador;

Cantas tu, respondo eu,

A ver quem canta melhor.

                                                                                             

- Eu sou filho do cantar,

Neto de quem canta bem;

O mestre que me ensinou,

Não ensina a mais ninguém.

 

- Cala-te aí, cantador,

Não tenhas tanta vaidade,

Pois tu não cantas melhor

Que eu cantei na mocidade.

 

- Tens orgulho e tens vaidade

Dos tempos que já lá vão.

Mas agora canto eu,

É a minha ocasião.

 

- A velho vais tu chegar

Um dia, então lembrarás

Com carinho e saudades

Do tempo deixado atrás.

 

- A idade não importa.

Ainda és bom cantador.

Nós temos boas gargantas

No nosso Campo Maior.

 

- Nem sabes quanta alegria

No meu coração puseste!

Um dia podes sentir

A alegria que me deste.



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publicado às 18:17


CANTIGAS AO DESAFIO III

por Francisco Galego, em 16.12.11

Quando os despiques punham frente a frente cantadores afamados, podiam durar horas. Formavam-se então dois partidos entre os assistentes, apoiando cada um deles o cantador da sua predilecção. No fim de cada quadra cantada, o murmúrio, de aprovação ou de crítica, sublinhava o apreço que se fazia de cada intervenção.

            O despique começava por um cantador que puxando uma cantiga para o baile de roda, lançava o desafio. Se outro respondia tínhamos a função começada e esta iria até onde chegasse a classe e a resistência dos contendores. Por vezes, um deles desistia. Se um outro tomava o seu lugar, a disputa continuava. Se ninguém levantava o repto, estava encontrado o vencedor.

 Nem sempre o bom cantador conseguia ser, simultaneamente, um bom versejador. Em contrapartida, havia também quem tivesse dom para os versos e fosse repentista a fazê-los, sendo, contudo, fraco no descante. Por isso, formavam-se parcerias que corriam os bailes, cantando um o que o outro improvisava. Esta situação ficou documentada nestas quadras cantadas num desafio em que, de forma clara, se fez a afirmação de que a parceria funcionava como uma unidade na produção e no cantar das quadras:

 

- Quem acabou de cantar,

Tem uma fina garganta;

Mas as falas não são feitas,

Por aquele que as canta.

 

- Eu mais meu camarada,

Meu camarada mais eu,

Ele está p’ra minhas falas,

P’ró cante delas estou eu.

 

            Tratando-se de quadras de improviso, logo feitas a propósito e no momento, tornava-se muito difícil conservar de memória o conteúdo total destes desafios, sobretudo quando eram extensos. Daí que pouco tenha chegado até nós do muito que, no decurso dos tempos, foi sendo produzido nestas memoráveis demonstrações de repentismo e poder de improvisão poética.

Acontecia porém que, por vezes, a perfeição formal das quadras ou o brilho das respostas que nelas se continham era tão notável, que eram conservadas na memória colectiva por muitos anos. Algumas das quadras que ainda hoje se cantam podem ter sido criadas durante sessões de cantares em desafio.

 

            De modo muito feliz, Luísa Freire, no seu livro “O Feitiço da Quadra”, conseguiu reconstituir dois exemplares notáveis destas demonstrações. Com a devida vénia, aqui se faz a sua reprodução, acrescentada de quadras que outras fontes fizeram chegar ao nosso conhecimento. No primeiro caso temos um desafio entre dois homens de diferentes gerações e é a sua diferença de idades que constitui o tema central do despique:

 

- Já cantei uma cantiga,

Com esta já lá vão duas,

Não me vou daqui embora,

Sem ouvir uma das tuas.

 

- Cantigas ao desfio,

Eu gosto de ouvir cantar;

Gente puxando a garganta,

P’ra ver onde vão parar.

 

- Só aqui vamos a ver

Quem é melhor cantador;

Cantas tu, respondo eu,

A ver quem canta melhor.

                                                                                             

- Eu sou filho do cantar,

Neto de quem canta bem;

O mestre que me ensinou,

Não ensina a mais ninguém.

 

- Cala-te aí, cantador,

Não tenhas tanta vaidade,

Pois tu não cantas melhor

Que eu cantei na mocidade.

 

- Tens orgulho e tens vaidade

Dos tempos que já lá vão.

Mas agora canto eu,

É a minha ocasião.

 

- A velho vais tu chegar

Um dia, então lembrarás

Com carinho e saudades

Do tempo deixado atrás.

 

- A idade não importa.

Ainda és bom cantador.

Nós temos boas gargantas

No nosso Campo Maior.

 

- Nem sabes quanta alegria

No meu coração puseste!

Um dia podes sentir

A alegria que me deste.

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publicado às 18:09


CANTIGAS AO DESAFIO II

por Francisco Galego, em 11.12.11

Outras vezes, quando razões de zanga assistiam ou por simples brincadeira, podia sair provocação agreste e rude como uma chicotada, sem cuidar de regras de boa educação. Nestes casos, vinha logo resposta a contento e começava o despique que ia da ofensa à desconsideração, até que algum dos contendores parasse ou que, se os ânimos se azedassem, tudo acabasse em grande confusão. Vejamos este exemplo constituído por quadras muito antigas:

 

Cala-te aí boca aberta,

Rodilha da chaminé;

Como não sabes cantar,

Vai-te embora do meu pé.

 

Cala-te aí boca aberta,

Gargalo dum garrafão;

Meu pai comprou umas cabras,

E tu vais ser o meu cão.

 

 

Cala-te aí boca aberta;

Rodilha da chaminé;

Se tu tiveras vergonha,

Não arrumarias pé.

 

Cala-te aí boca aberta,

Novelo de linhas finas;

Devias era servir,

De poleiro às galinhas.

 

Cala-te aí boca aberta,

Rodilha do meu palheiro;

Já vi andar o teu pai,

Às marradas c’um carneiro.

 

Cantas bem não cantas mal,

Meu cara de Belzebu;

Mascarrava a minha cara,

Se cantasse como tu.

 

As cantigas que tu cantas,

Mete-as num forno frio;

Tu só és bom a cantar,

Com um burro ao desafio.   

 

Eu subi ao cabecinho,

Para ver o sol raiar;

Não devia vir tão cedo,

P’ra t’ouvir assim zurrar.

 

Tenho dúzias de cabrestos,

Comprados na nossa feira;

P’ra encabrestar as bestas,

Que cantam dessa maneira.

 

Quem tem raiva que enraiveça,

Quem tem catarro que tussa;

Quem lhe servir na cabeça,

Que enfie esta carapuça.

 

 

Esta noite choveu neve,

Arrasaram-se os açudes;

Cala-te chibo não berres,

Cala-te burro não zurres.

 

Vai-te daqui toleirão,

Boca de almotolia;

Guardanapo d’estalagem,

Vassoura d’estrebaria

 

Cantas bem não cantas mal,

Como o sapo num alqueve;

Vai roendo esses caroços,

Té que o diabo te leve.

 

Cantas bem não cantas mal,

Como o sapo n’alagoa;

Vai roendo esses caroços,

Té que venha a palha boa.

 

Cantas bem não te desfaças,

Desse teu cantar aflito;

Pois s’os animais cantassem,

Melhor cantava o cabrito.

 

Disse o galo p’ra galinha,

Lá p’rós lados do mercado;

P’ra cantar dessa maneira,

Mais valia estares calado.

 

Os temas eram muito variados sendo certo que, tratando-se dum descante entre homem e mulher, o tema mais provável das quadras improvisadas, versaria sobre questões de amor: umas vezes de pedido de namoro, outras de declaração de paixão, havendo mesmo algumas que consistiam em ajustes de contas de desentendimentos.



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publicado às 18:06


CANTIGAS AO DESAFIO I

por Francisco Galego, em 06.12.11

O cantar à desgarrada é uma tradição de canto popular que se usou em todas as regiões do nosso país revestindo as mais variadas formas musicais: desde o fado aos cantares do Minho e dos cantares das Beiras aos do Algarve. Também no cantar de “saias” se usa a desgarrada:

 

Campo Maior que bem cantas,

As saias à desgarrada;

Ouvem-se belas gargantas,

De noite e de madrugada.

 

 

Antigamente, nos bailes de saias, eram frequentes as desgarradas, despiques, ou cantares ao desafio. Essa velha tradição tem-se vindo a desvanecer de tal modo que, hoje, só muito raramente se consegue ouvir uma boa disputa entre cantadores. Forma de cantar de improviso, só os dotados de maior repentismo e capacidade de improvisação a ela se podiam abalançar. Contudo, há algumas décadas, ainda se podia, com alguma sorte, assistir a homéricas sessões de confrontos poéticos que, em certos casos chegavam a durar horas. A assistência dividia-se no apreço por cada um dos cantadores. Algumas dessas disputas ficaram gravadas na memória da população. 

Nesses tempos, os melhores cantadores mantinham rijas confrontações poéticas, animando com o seu cantar os bailes, ao mesmo tempo que exibiam os seus dotes, tentando apurar quem tinha maior capacidade de improvisação, de repentismo e maior habilidade no versejar.

            Quando se tratava dos mais afamados, faziam-se grandes ajuntamentos que, num silêncio atento e expectante, seguiam o desenrolar da peleja.

Os pares em disputa podiam ser constituídos por dois homens, por um homem e uma mulher ou, muito raramente, por duas mulheres. As mulheres, para se darem ao respeito, só entravam nos desafios com os homens a quem as ligavam laços de afecto ou de intimidade. Por isso, se desafiadas, respondiam com o silêncio ou, cantando, rematavam a hipótese de desafio:

 

 

 

Desafio, desafio,

Desafio é p’ra quem quer,

Desafio é para os homens,

Não p’ra mim que sou mulher.

 

         Podia-se também rejeitar o repto, alegando falta de competência:

 

Desafio, desafio,

Eu não te desafiei;

Desafio é p’ra quem sabe,

Não p’ra mim que nada sei.

 

         Acontecia também serem outras as razões evocadas para não se responder ao repto lançado:

Quero cantar mas não posso,

Minha fala não me ajuda;

Morreu-me o meu pai há pouco,

Sou filho duma viúva.



 

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publicado às 18:02


O CANTAR DE SAIAS VII

por Francisco Galego, em 01.12.11

Quem se tenha dado ao trabalho de ler os cancioneiros populares que se têm publicado em Portugal, não pode deixar de reparar na frequência com que uma mesma cantiga aparece nas terras mais variadas, havendo por vezes grandes distâncias entre elas. Maria Arminda Zaluar Nunes, na Introdução ao “Cancioneiro Popular Português, coligido por José Leite de Vasconcelos, chama a atenção para este facto escrevendo na p. XII:

(…) é curioso observar-se como a mesma trova é cantada em numerosos locais, se bem que afastados. Isso compreende-se porque as cantigas como que voam de terra em terra.

Acontece também que aparecem quadras com o mesmo conteúdo poético, mas com formulações diferentes que lhes foram sendo dadas ao longo de um período que pode ser de mais de duzentos anos. Nestes casos optou-se pela transcrição que se apresentava como mais actualizada em relação às situações presentes e mais elaborada do ponto de vista formal.

É espantosa a ternura contida em grande parte destas pequenas composições que se transformam em “grandes” poemas de amor. A ternura que transmitem é, por vezes, tão elevada, que chega a causar espanto que tenham sido criadas e utilizadas por gente de tão pouca instrução e suportando, no dia-a-dia da vida, o pesado fardo dos trabalhos nos campos. Para além da ternura, algumas destas quadras encerram grandes pensamentos acerca do amor, da vida, da sociedade e do universo. Aqui encontramos motivo para reflexão e base para concluirmos que instrução e cultura são conceitos bem diferenciados e que podem referir realidades muito distintas. O povo pode não ser instruído em termos de educação escolar. Mas só os arrogantes se baseiam nisso para o menorizar do ponto de vista cultural. As “saias”, expressão de uma cultura popular criada e vivida pelas gentes do campo, aí estão para o demonstrar. Basta que sejam lidas com a devida atenção, de espírito aberto e sem preconceitos de qualquer espécie.

 

Se soubesses meu amor,

Como está meu coração;

Nem a noite mais escura,

Se compara em escuridão.

 

Vestida d’azul claro,

Que linda estás minha loura;

Encostada a essa ombreira,

Pareces Nossa Senhora.

 

Quando o meu amor se foi,

Sete lenços ensopei;

Ainda diz aquele ingrato,

Que por ele não chorei.

 

 

Se meu amor cá estivesse,

Que lindo seria o dia;

O meu viver era outro,

Tinha o dobro d’alegria.

 

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publicado às 19:48


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