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NO ANTIGAMENTE … CAMPO MAIOR (III)

por Francisco Galego, em 10.08.07
 
Segundo a quase totalidade dos autores que descrevem o Alentejo, o pastoreio e a criação de gados foi, até ao fim do século XVIII, uma actividade agrícola fundamental nesta região. Atendendo à grande extensão dos baldios, à importância dos restolhos que ficavam, após as ceifas, nas terras ocupadas com a cultura dos cereais e às folhas que ficavam anualmente em pousio, devido ao sistema de rotação de culturas, podemos entender quanto o pastoreio devia ser uma actividade de grande importância económica.
Os cereais apresentavam uma grande irregularidade de rendimento pois só propiciavam lucros abundantes nos raros anos de fartas colheitas. Os gados podiam garantir um rendimento mais regular pois que, mesmo nos anos agrícolas mais fracos, os animais podiam alimentar-se nos campos.
 
            Os bovinos desempenhavam antigamente uma função muito importante pois serviam de animais de tracção dos pesados carros usados para o transporte dos produtos da terra e para puxarem os pesados arados de madeira com pontas de ferro com que se faziam as lavras nos campos.
No decurso do século XIX foram perdendo terreno em favor dos muares, pois os carros de eixo móvel, de tracção por bois, começaram a desaparecer no Alentejo há cerca de duzentos anos, substituídos pelos carros mais leves, de eixo fixo em ferro e rodas de raios, puxados por muares.
Mais tarde, com o fabrico de arados em ferro, mais leves e mais eficazes devido à utilização do sistema da relha e da aiveca, tornou-se possível a utilização de parelhas de muares na lavra dos campos. Os bois foram sendo postos de lado pois eram demasiado lentos para responderam às crescentes necessidades da cultura dos cereais.
Um documento de 1830 descreve deste modo a situação dos transportes em Campo Maior, nesta fase de transição dos bovinos para os muares: “Contam-se nesta vila 80 carros de bestas (mulas, burros, cavalos) e cinquenta carros de bois, mais ou menos. Os carros de bestas pertencem tanto aos lavradores como aos seareiros e aos carreteiros, sendo que estes os usam para com eles fazerem transportes; os carros de bois pertencem aos cultivadores das herdades.” Esta passagem dá a entender que, provavelmente, as bestas ainda não eram utilizadas no trabalho dos campos, mas as “charretes” puxadas por cavalos e os carros puxados por mulas eram de emprego corrente em Campo Maior.
Assim, a grande novidade na agricultura no século XIX foi a generalização do emprego dos muares nos transportes e no trabalho dos campos. O seareiro que antes possuía uma junta de bois, passou a poder possuir uma parelha que lhe produzia em menos tempo muito mais trabalho.
 
O pastoreio dos ovinos implicava o comércio da lã e da sua utilização pelas oficinas locais ou para exportação para terras onde estivesse mais desenvolvida a tecelagem. O comércio da lã, como o comércio do trigo, vão constituir os dois principais factores para o desenvolvimento de actividades de uma economia capitalista na agricultura alentejana.
A associação das searas aos rebanhos de ovelhas existe no Alentejo mesmo ao nível das paisagens, tratando-se sem dúvida de duas actividades complementares por causa da rotação de culturas, da utilização dos baldios e do aproveitamento dos restolhos. 
No Alentejo havia pastores que tomavam de arrendamento as herdades apenas para nelas colocarem os seus rebanhos em pastagem, sem as cultivarem. E isto acontecia tanto para os ovinos como para os porcos. Daí as frequentes queixas contra a existência de grandes extensões de terras que ficavam incultas para nelas se praticar apenas o pastoreio. Além da lã os pastores fabricavam o queijo que conseguiam vender mesmo para Lisboa onde eram muito apreciados. No distrito de Portalegre havia grandes rebanhos de ovinos com particular incidência nos concelhos de Campo Maior, Fronteira, Ponte de Sor e Gavião.
Segundo um autor anónimo de Campo Maior que enviou relatório para Lisboa, em 1779, cinco pessoas arrendaram 39 das 54 herdades do concelho, tendo uma dessas pessoas tomado para si 9 dessas herdades, não para as cultivar, mas para nelas colocar os seus rebanhos de ovelhas.
No concelho de Campo Maior, que era considerado um dos mais ricos do Alentejo, por nele predominarem os solos argilosos, o cura em resposta a um inquérito feito em 1758, queixava-se da pequenez da sua paróquia que ocupava todo o concelho, o qual, por ser tão pequeno, não teria espaço suficiente para o pastoreio. Por isso se tornava necessário ir procurar pastagens fora do concelho.
Em 1775 terá havido uma tal polémica neste concelho envolvendo as questões do pastoreio que suscitou um inquérito ordenado pela Corte Suprema do Reino, o qual forneceu preciosas informações sobre a situação local. Essas informações não deixam dúvidas quanto à importância dos criadores de gado no concelho de Campo Maior, no século XVIII.
Num outro documento, o notário do concelho pretendendo classificar os signatários de uma petição favorável à manutenção das pastagens em comum, coloca os criadores de gado e os pastores ao mesmo nível dos lavradores, seareiros e carreteiros. O poder desse criadores e pastores era tal que, em 1757, conseguiram obter a abolição de um regulamento municipal que lhes era hostil porque impedia que, quem não tivesse quatro juntas de bois e não cultivasse uma herdade, pudesse beneficiar do pastoreio nos baldios.
A criação de gado ovino terá alcançado tal extensão que gente pobre vinha para Campo Maior em busca de fortuna, na expectativa de que, começando como pastores, pudessem vir a tornar-se proprietários de rebanhos e, até mesmo, lavradores. O número de cabeças de gado ovino era de 22.782 em 1775; portanto, muito elevado para um concelho de tão pequeno território. Só assim se compreende o vigor das polémicas em torno das pastagens nos baldios. Em 1788 foi aprovado um regulamento que obrigava os de fora a alugarem uma terra para a poderem aproveitar para pastagem. Trinta anos mais tarde houve reclamações contra os excessos da criação de gados atribuindo-os ao direito de cercar os campos e à obrigação de os gados se deslocarem apenas pelas canadas.
Há notícias de que boa parte destes gados passavam para Espanha em contrabando. O autor anónimo de Campo Maior avaliava em 60.000 o número de animais que passavam todos os anos para Castela, declarando que colhera esta cifra junto de um castelhano bem colocado e sublinhando que se tratava de animais de vários espécies e não apenas originárias do Alentejo. Em 16 de Maio de 1796 foi tomada uma resolução com um título bem significativo: Aviso destinado a evitar a passagem de gado do Alentejo para Espanha. Tratava-se sobretudo de animais destinados ao fornecimento de carnes de borrego e de porco.
De qualquer modo, todas as informações apontam para que se possa concluir que, em Campo Maior e em geral na região de Elvas, a criação de gado ovino ocupava um lugar notável na economia local.
 
A criação de porcos no concelho de Campo Maior, embora importante, não teve tanta relevância como a criação de ovelhas. A mancha de montado nesta região foi sempre escassa, muito inferior à extensão das terras destinadas à produção de cereais.
 
 

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